A indústria siderúrgica mundial foi sacudida por dois relevantes elementos desestabilizadores em sequência: a covid e a invasão da Ucrânia pela Rússia. Parte considerável dos impactos acarretados pelos dois eventos já foi amortecida e se caminha para uma certa estabilização, avalia Germano Mendes de Paula, professor da Universidade Federal de Uberlândia e especialista na indústria do aço.
“Eu nem acrescentaria as alterações das taxas de juros por parte dos bancos centrais e os impactos sobre a atividade econômica, pois isto faz parte do jogo e porque podem ser compreendidas como um dos impactos da covid”, afirma Mendes de Paula.
No atual cenário, informa, o preço de exportação atual de bobinas laminadas a quente (principal parâmetro da indústria, em US$/tonelada) é 24% menor do que em junho do ano passado. Para vergalhão, a queda foi de 12%.
Ele ressalva, no entanto, que os problemas em relação à cadeia produtiva e aos preços dos insumos ainda não foram plenamente solucionados. “Em junho de 2022 em comparação com mesmo mês do ano passado, o minério de ferro regrediu 46%, mas o carvão mineral metalúrgico aumentou 72%”, afirma.
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Os preços do carvão mineral metalúrgico (que foi às alturas com a invasão da Ucrânia) mostram expressiva retração nos últimos meses, com tendência de queda adicional, observa o especialista. Por outro lado, acrescenta, o gás natural segue sendo um problema sem solução e tende a se agravar até o inverno do Hemisfério Norte.
Mendes de Paula informa que, nesse meio tempo, o preço do CO2 (dióxido de carbono) segue muito alto. “Se não bastasse isso, considerando a substancial relevância da China no mercado siderúrgico e em particular na importação de minério de ferro e carvão mineral metalúrgico, a frequente alteração das restrições impostas pelo governo chinês em relação à covid é mais um fator de instabilidade, num contexto já conturbado”, destaca.
O especialista observa que, embora o curto prazo possa ser nebuloso — “mas isso não é tão infrequente para a siderurgia” —, ele se mostra otimista quanto aos fundamentos da indústria a médio e longo prazos. “A questão principal é que diferentemente do que ocorreu em muitas vezes no passado, os anúncios relativos à ampliação de capacidade instalada têm sido relativamente modestos”, diz.
Informa que há vários projetos de expansão, nos EUA (para substituir importações), na Europa (para converter a rota tecnológica, sem ampliação significativa da capacidade instalada) e na Índia e outras partes da Ásia (para acompanhar o crescimento da demanda). “Mas não vislumbro um aumento desproporcional da capacidade instalada frente à demanda.”
Além disso, destaca, algumas siderúrgicas vêm preferindo recomprar suas ações ao invés de anunciar grandes aumentos de capacidade, o que demonstra maior disciplina na alocação de capital.
Nova rota de investimentos
Atualmente, uma crescente proporção de investimentos se baseia na rota semi-integrada (que utiliza sucata como sua principal matéria-prima) ao invés da rota integrada a coque (minério de ferro e carvão mineral metalúrgico como insumos principais), destaca o especialista.
“Isso não só ajuda na direção da descabornização, mas reduz a intensidade do investimento por capacidade instalada para a fabricação de laminados longos, que representam 52% da demanda mundial siderúrgica”, afirma.
Ele avalia que isso favorece o melhor alinhamento entre demanda e oferta potencial — “pois é muito fácil e barato construir, desligar e religar uma usina semi-integrada do que uma integrada” —, mesmo que os impactos não sejam vistos a curto prazo.
Provavelmente, isso não será suficiente para alterar o caráter cíclico da indústria siderúrgica, diz. “Mas minha hipótese é que isso ajudará a aplainar o ciclo”, conclui, observando que a siderurgia, historicamente, é e continua sendo tipicamente uma indústria cíclica.
Fonte: Valor