Não é exagero afirmar que a indústria do petróleo enfrenta sua crise mais séria dos últimos 100 anos. Com as economias ocidentais entrando em estado de hibernação, na esperança de sufocar a primeira onda do coronavírus por meio de quarentenas e isolamento, o setor se depara com o fato de que a demanda por combustíveis vai cair mais rápido do que nunca.
Os preços já caíram cerca de 50% desde o começo do mês, com as atividades das companhias aéreas interrompidas e milhões de trabalhadores trocando o automóvel por uma caminhada curta até o laptop na mesa da cozinha.
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Para um setor há muito ciente de que uma oscilação de 1% a 2% no equilíbrio do fornecimento e da demanda pode representar a diferença entre a disparada e o colapso dos preços, a extensão da queda no consumo é difícil de processar.
Com a Europa e a América do Norte se entrincheirando, as estimativas mais recentes sugerem que 10% a 15% do consumo mundial poderá evaporar nos próximos meses. Em tempos normais, o mundo consome 100 milhões de barris de petróleo por dia.
Tal é a escala do colapso na demanda que ele poderá ofuscar a guerra de preços entre a Arábia Saudita e a Rússia, que estão inundando o mercado com barris desnecessários depois que os dois países não conseguiram chegar a um acordo sobre como responder à crise. Mas há poucas dúvidas de que suas ações agravaram o crash e alongaram o tempo de recuperação.
Navios carregados
O resultado deverá ser tanques de armazenagem cheios até as bordas dentro de meses. Até mesmo os supernavios petroleiros no mar, acionados emergencialmente como depósitos, poderão estar totalmente carregados até o fim do terceiro trimestre.
Um alívio virá somente quando a produção mais cara de petróleo começar a fechar ou os produtores mais fracos começarem a quebrar.
Mas os campos de petróleo não podem ser desligados e religados como um interruptor de luz. Os custos e os riscos de paralisação de uma produção ativa provavelmente levarão a uma maior guerra de desgaste.
Na semana passada o preço do petróleo caiu abaixo de US$ 25 o barril, o menor nível desde 2003, para depois recuperar parte do terreno e ser negociado a cerca de US$ 28 na terça-feira (24). Analistas começam a prever que o preço poderá cair para a faixa de US$ 19 a US$ 13, ou mesmo para um dígito.
Demissões
As demissões em grande escala, que já se encontram altas nos setores de entretenimento, não deverão ficar muito atrás no setor de energia, com relatos esparsos de empreiteiras já mostrando isso.
O crash acontece no pior momento possível para um setor que já não tinha a preferência dos investidores, que temem que a demanda por petróleo possa atingir o pico na próxima década e também se preocupam com os impactos ambientais.
Os poucos investidores resistentes que estão se atendo às grandes empresas de energia foram chamuscados mais uma vez. O preço da ação da BP acumula uma perda de mais de 50% no ano, recuando a um patamar visto pela última vez em 1995, afundando mais até do que quando por ocasião do desastre de Macondo, quando a própria sobrevivência da companhia esteve em dúvida.
A ExxonMobil, outrora a maior companhia aberta do mundo, perdeu 70% de seu valor de mercado nos últimos seis anos.
Se as perspectivas de curto prazo para o setor são, francamente, uma tragédia, as perspectivas de longo prazo não são melhores. A pandemia poderá deixar uma marca no já claudicante crescimento da demanda por petróleo. As viagens internacionais levarão um tempo para se recuperar. As empresas e os trabalhadores que se adaptarem com sucesso ao trabalho à distância deverão fazer disso uma parte maior de seu futuro, mantendo mais carros fora das vias públicas.
Isso deixa o setor com pouca coisa a oferecer além de uma esperança de médio prazo de que o próprio tamanho do crash dos preços acabará privando concorrentes de muitos investimentos e,assim, a produção cairá e os preços aumentarão.
Mas uma recuperação marcada pelo desastre, do crash mais recente ao pico de demanda, não deverá ser considerada particularmente interessante.
Nesse contexto, a decisão da BP de manter seu compromisso de acelerar a transição energética faz todo sentido, apesar dos megacionistas afirmarem que o crash dos preços vai enfraquecer a determinação da companhia. Para atrair novos investidores não basta mais defender os dividendos. O setor precisa de uma nova narrativa.
As companhias nacionais de petróleo também estão revirando as cinzas.
A Arábia Saudita queimou muito sua imagem cuidadosamente cultivada de administradora confiável do mercado de petróleo. Mesmo que o reino surja vitorioso na guerra de preços, com uma parcela maior de um mercado, que em breve vai encolher, aliados políticos verão a confirmação de que palavras acalentadoras sobre a estabilidade pouco significam sob a liderança do príncipe herdeiro Mohammed bin Salman.
Para alguns, o setor petrolífero pode parecer uma vítima merecida. Sua arrogância em relação às mudanças climáticas – somente revertida parcialmente nos últimos anos – lhe custou muitos simpatizantes. Mas é preciso pensar com benevolência no setor para perceber que há uma tragédia anunciada.
Os membros mais fracos da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), como o Iraque e a Nigéria, perseguidos pela maldição do petróleo que semeou a corrupção e a ineficiência em suas economias, enfrentam um grande aperto de caixa. Se a queda dos preços significar que esses produtores mais pobres terão dificuldades para bancar suas próprias respostas nacionais à pandemia do coronavírus, a crise para eles será sentida de modo ainda mais intenso.
Fonte: Valor