Adoção de medidas para reverter o processo de desindustrialização, estimular o consumo interno e tornar o aço brasileiro mais competitivo no mercado. Estas três reivindicações compõem o conjunto que o economista Marco Polo de Mello Lopes, presidente executivo do Instituto Aço Brasil, classifica como "mantra do setor do aço" no Brasil. "O setor siderúrgico sofre de maneira direta o impacto da economia mundial", afirma.
Além da desaceleração econômica mundial iniciada em 2008 nos EUA e aprofundada em 2011 com a crise europeia, outros fatores causaram apreensão entre as companhias siderúrgicas, como a alta nos preços do minério de ferro e do carvão, maior custo da mão de obra e, principalmente, a entrada do aço importado com redução de ICMS, medida adotada sobretudo pelos governos de Santa Catarina e do Espírito Santo com o objetivo de aumentar o fluxo em seus terminais portuários, prática que ficou conhecida como "guerra dos portos".
Os dados mais preocupantes vieram da World Steel Association (WSA). De acordo com dados acumulados de 62 países produtores, a principal entidade mundial do setor concluiu que há um excedente de 526 milhões de toneladas de aço no planeta. Há cerca de dois anos, técnicos da WSA previram que o consumo nos EUA e na União Europeia estaria, já em 2012, nos mesmos níveis de 2007, período imediatamente anterior à crise americana. "Agora, a expectativa é que aquele patamar seja alcançado em 2014", diz Lopes.
A incerteza aumenta quando se procura descobrir para quais mercados estão sendo desviados esses excedentes, boa parte produzida na China e emergentes como Rússia e Índia. Um dos destinos preferidos vem sendo o Brasil.
Em 2011, as importações de aço atingiram 8,49 milhões de toneladas, praticamente 1/3 do consumo aparente (vendas internas somadas às importações) no país. "Historicamente, as importações ficavam sempre em torno de 5%", diz. A entrada do aço chinês pegou o Brasil em um momento de baixo crescimento da indústria.
O parque industrial brasileiro é composto por 29 usinas, administradas por 11 grandes grupos nacionais e estrangeiros. Os principais players são a CSN, Usiminas, Gerdau, Arcelor Mittal e ThyssenKrupp, que detém o controle acionário da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) em sociedade com a Vale. A capacidade instalada é de 47,8 milhões de toneladas/ano, o que coloca o Brasil na nona posição do ranking mundial, dominado pela China, que detém cerca de 46% da produção mundial. A demanda interna atingiu 27,8 bilhões de toneladas em 2010.
Segundo Lopes, o consumo per capita de aço no Brasil é de 145 quilos de aço bruto/habitante, parâmetro considerado baixo se comparado aos países em desenvolvimento, que estão na faixa de 200 kg/pessoa. Como exemplo, ele cita o consumo per capita chinês, que era de 34,1 kg/habitante em 1980, período em que o consumo do brasileiro era de 100 kg, e hoje é de 486 kg. Para Lopes, as grandes expectativas do setor estão nas obras dos grandes eventos (Copa e Olimpíada), projetos habitacionais, como o Minha Casa, Minha Vida, que deve movimentar o segmento de aços longos, e ainda o estímulo à indústria naval e o setor petrolífero, com o pré-sal.
A estagnação do consumo do aço fez com que as companhias inibissem os seus investimentos na construção de novos alto-fornos, onde ocorre a fusão do ferro. Os custos na construção de usinas são elevados e exigem que haja segurança no escoamento da produção. Segundo estudo da entidade, no Brasil, os custos para a construção de uma siderúrgica são de US$ 1,8 mil por tonelada a ser produzida; na Índia, este valor cai para US$ 1 mil por tonelada e na China a relação é de apenas US$ 550. No caso de aços planos (usados na indústria automobilística, bens de capital e bens domésticos), é necessário um intervalo de três meses entre o desligamento dos fornos, limpeza das paredes e posterior funcionamento quando da retomada da produção.
"É um setor fundamental na economia brasileira", diz Lopes. De acordo com estudo da Fundação Getúlio Vargas, a siderurgia gera um impacto de 4% sobre o PIB. O estudo revela que o setor absorve 138 mil empregos diretos e gera mais de 3,11 milhões de empregos indiretos. Trata-se de uma mão de obra especializada e não houve demissões em massa nos últimos tempos, salvo em casos em que algumas usinas foram obrigadas a desligar os fornos por longo período. Mas, o setor se queixa dos altos custos resultantes da lei trabalhista.
Para os próximos meses, Lopes não acredita que haja mudanças substanciais no cenário. O executivo acredita que o dólar se manterá nos níveis da segunda quinzena de junho, o que pode inibir as importações, mas, por outro lado, eleva os custos do minério de ferro e do carvão, que são dolarizados. "Espero que o governo volte mais os seus olhos para a indústria nacional e adote medidas na linha do que é feito nos Estados Unidos quanto à compra de produtos nacionais". Para ele uma política nos termos "Buy Brazilian" seria uma forma de conter a falta de reciprocidade nas relações entre o Brasil e a China.
"Eles chegam no Brasil, compram minas de ferro, empresas de energia, prospectam terras. Mas não permitem que investidores estrangeiros tenham controle de uma siderúrgica ou de uma mineradora de carvão".
Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China (CCIBC) rebate as declarações. "A Baosteel (siderúrgica chinesa) lutou durante sete anos para implantar uma planta no país e não conseguiu". Ele ironiza as dificuldades encontradas no Brasil. "Os vizinhos latino-americanos e os países africanos agradecem esta postura do governo brasileiro".
Além do câmbio mais favorável, o setor espera que haja uma retomada da produção a partir de janeiro do próximo ano, quando entra em vigor a Resolução 72/10, que unificou para 4% as alíquotas de ICMS de bens e mercadorias vindas do exterior.
Fonte: Valor Econômico/Por Guilherme Meirelles | Para o Valor, de São Paulo
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