As linhas de crédito para exportação e importação, em grande parte abastecidas pela oferta de moeda estrangeira por bancos internacionais, já refletem os impactos da crise europeia. Além de mais caras, as linhas de longo prazo dão os primeiros sinais de redução de disponibilidade. Em resposta, alguns bancos passaram a moderar a oferta de "trade finance" e a exigir mais garantias.
A situação está longe de ser dramática, até porque as grandes empresas brasileiras estão bem capitalizadas. A demanda por crédito nesse segmento, inclusive, vem diminuindo de dois meses para cá, de acordo com executivos de mercado. Um agravamento do cenário externo, entretanto, preocupa.
"O desenrolar da crise vai determinar o preço e a disponibilidade de recursos", observa Fernando Freiberger, responsável pelo "corporate banking" do HSBC. "Os impactos já existem, mas podem se exacerbar."
O primeiro efeito colateral aparece no preço. Freiberger conta que as linhas de curto prazo, com vencimento em até um ano, estão entre 0,2 e 0,3 ponto percentual mais caras; as linhas de um a três anos subiram de 0,3 a 0,5 ponto percentual e, aquelas acima de três anos, "marginalmente mais escassas", tiveram aumento entre 0,5 e 0,8 ponto percentual.
Esses custos tendem a se manter em patamar elevado, na visão de Freiberger. "Se houver uma solução melhor para o problema da Grécia, imaginando que Alemanha e França aceitem suportar o país, as linhas devem ficar no preço atual, talvez mais caras, mas sem agravamento na disponibilidade", diz. "Num cenário de 'default', a elevação de preço e a escassez serão concomitantes e imediatas."
Por enquanto, problemas de liquidez não estão na ordem do dia. "Em 2008 o mercado praticamente parou, houve empoçamento dos recursos. Hoje, há uma maior seletividade em função do momento de incertezas", compara João Consiglio, diretor de corporate e empresas do Santander. "Prudentemente, o banco não quer aumentar sua exposição", afirma.
Na prática, o Santander tem limitado a oferta de linhas de financiamento para importação e exportação somente para esses fins. "Recursos com prazo mais longo e o dólar até pouco tempo atrás favorável propiciavam a tomada de crédito dedicado ao comércio, mas que acabavam sendo aplicados em investimentos", explica Consiglio.
A demanda por essas linhas, de fato, sempre foi além do mero financiamento ao comércio exterior. Com taxas de juro atreladas à Libor, em pisos históricos, muitos exportadores tomavam esses empréstimos até para especular com a taxa de juro interna brasileira, ganhando com a diferença entre elas.
Os bancos estrangeiros tendem a sentir primeiro os efeitos da crise, pela ligação direta que têm com o exterior. Mas os impactos não estão restritos a essas instituições. A renovação de "funding" para as linhas existentes de Adiantamento sobre Contratos de Câmbio (ACC) ficou mais complicada, conta o diretor de um banco médio brasileiro. "Desde meados de junho está mais difícil captar dinheiro lá fora para ACC", diz a fonte. No ano, até o dia 16 de setembro, as concessões de ACC somavam US$ 38,9 bilhões.
O desaquecimento do mercado externo acende ainda outro sinal de alerta por conta da possível redução das exportações. As vendas para o exterior são a principal garantia dessas linhas. Segundo pessoas que operam no segmento de trade finance, as instituições estrangeiras que liberam os recursos para os bancos aqui no Brasil estão pedindo mais garantias, pois sabem que as vendas das companhias para o exterior vão recuar com a desaceleração econômica do mundo desenvolvido.
Além disso, não foram apenas as linhas para comércio exterior que apresentaram retração. O mercado para captações externas está fechado e os chamados empréstimos sindicalizados, quando um "pool" de bancos se junta para financiar investimentos ou aquisições de grandes companhias, também secaram no exterior. "Essas linhas eram oferecidas majoritariamente por bancos europeus, que hoje enfrentam as maiores dificuldade", diz um investidor estrangeiro.
Em geral, as empresas estão muito capitalizadas e não precisam, no momento, buscar dinheiro no exterior. A percepção dos executivos de bancos é de que as companhias brasileiras passaram a se preocupar mais com o planejamento financeiro de longo prazo desde a crise de 2008. "O mercado ficou mais maduro, muitas companhias aproveitaram o ano passado para alongar suas dívidas", diz Consiglio, do Santander. "Só vai acessar quem precisa", completa.
Mas para o longo prazo a situação começa a preocupar, especialmente quem tem projetos de investimento. Até mesmo o investimento estrangeiro direto (IED) pode recuar, acreditam analistas de mercado, dada a piora da crise. Fala-se numa queda de recursos pela metade.
Para Consiglio, do Santander, as empresas vão acabar se voltando para o mercado local na hora de captar recursos, já que a liquidez internacional diminui e a atividade econômica brasileira não dá sinais de estagnação.
O Banco Central (BC) identificou que está havendo uma migração na oferta de linhas de comércio para o Brasil de bancos europeus para instituições americanas e asiáticas. Vitimados pela gravíssima crise de dívidas soberanas, os bancos europeus rarearam e encareceram a oferta de linhas externas para o país, encolhendo também seus prazos de vencimentos. Os exportadores brasileiros já estão buscando esses financiamentos nos bancos americanos e da Ásia, onde a liquidez é abundante e o sistema bancário está bem mais sólido do que na Europa. No governo, afirma-se que a crise bancária na zona do euro não se traduziu numa escassez de oferta de ACC para o país. Mas já causou o deslocamento da oferta.
Fonte: Valor Econômico/Aline Lima, Fernando Travaglini e Claudia Safatle | De São Paulo e Brasília
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