Todo profissional ligado ao mercado de gás natural foi ao link da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) resgatar o documento de 282 páginas do Plano Decenal de Expansão da Malha de Transporte Dutoviário do País (Pemat) com uma ansiedade proporcional ao atraso na divulgação do Plano. Afinal, a elaboração do Pemat consta da Lei de Gás, que foi sancionada ainda no governo Lula em 2009.
O fato é que o Pemat frustrou as expectativas ao deixar de abordar as questões mais relevantes que inibem e travam o mercado de gás natural no Brasil. Passar "batido", ignorar os elementos e barreiras que inibem o mercado de gás natural transformou o documento num compêndio. O documento falha ao não apontar novos caminhos. Um trabalho com pouca percepção ou comprometimento com a realidade do mercado de gás natural e dos problemas que impedem o seu desenvolvimento e, consequentemente, a sua possibilidade de atuação como mola propulsora da indústria nacional. Se não foi por deficiência na percepção do mercado, faltou empenho ou vontade política de arbitrar sobre questões mais delicadas, mas que envolvem decisões de governo por serem de interesse da sociedade.
O documento não trouxe respostas às questões essenciais que envolvem o acesso de outros produtores ao sistema de transporte. Desconhecer ou ignorar o assunto significa adiar uma discussão que precede qualquer possibilidade de um Plano de Transporte. Não se pode supor que o trânsito de mercadorias, e com o gás natural não seria diferente, possa merecer qualquer tipo de exclusividade para este ou aquele agente. Deveria preceder a formulação de um Plano de Transporte para o gás natural e de implantação da malha de gasodutos, uma discussão clara, na qual se defina como se deseja que a logística do gás natural funcione.
Não há respostas para questões essenciais que envolvem o acesso de outros produtores ao sistema de transporte
Não se demanda passes de mágica, mas ao menos que a autoridade encarregada da estratégia para a área de energia, que reconhece os méritos da ampliação da utilização do gás natural, saia em campo e promova esta discussão, buscando a convergência entre produtores e consumidores. Uma discussão que obviamente envolve a Petrobras e sua atuação hegemônica. Com certeza, não há um único produtor presente ou futuro de gás natural que tenha opinado nestas 282 páginas. Tirando a Petrobras como "Agente Provocador", claro.
Na realidade, o Pemat deveria ser um anexo de um Plano maior, onde a EPE deveria colocar em discussão uma proposta de política para o gás natural, que envolva questões como:
1. Uma política de preços de gás e energia elétrica que permita conciliar as demandas de produtores de gás natural, comprometidos com a maior linearidade na produção, e de consumidores termoelétricos, que precisam que os leilões permitam "take or pay" elevados;
2. Uma política de preços que permita a definição de relações estáveis de preços entre combustíveis substitutos, de forma a conferir alguma previsibilidade ao mercado e a atração de novos investidores;
3. Uma política para o mercado de gás natural que proporcione o acesso livre e induza a empresa controladora a reduzir a sua participação no transporte ou admitir a possibilidade de uma gestão única da rede de gasodutos, por meio de um operador, a exemplo do que já acontece no setor elétrico com a ONS. É preciso definir um novo contexto, no qual questões operacionais elementares como SWAP, acesso à rede existente e às UPGN's sejam claramente discutidas com o propósito de se definir uma opção que seja de interesse de todos, inclusive da Petrobras.
Na situação em que estamos, que tipo de investidor poderia se interessar em oferecer opções de trajeto se tiver limitações de acesso ao sistema integrado? Nas condições atuais, somente existirão novos investimentos se a utilização ou receita para o negócio for garantida pela Petrobras, o que certamente contribuirá para agravar ainda mais o problema.
Muito há a se avançar - e rapidamente - até que potenciais produtores e agentes comercializadores possam ter acesso à malha de transporte de gás natural. Começa-se com o desarmamento de opiniões carregadas de tendenciosidade de caráter político.
Em agosto de 2013, a própria ANP comentou em audiência pública que "o mercado é altamente concentrado, com presença importante da Petrobras como agente dominante... e a integração entre o transportador e o carregador cria barreiras de entrada de novas empresas no mercado". A partir deste diagnóstico, a ANP publicou a resolução nº 51, em 26/12 /2013, que será aplicada na licitação do gasoduto do Comperj, o único viabilizado no Pemat. Essa regulamentação proíbe que duas empresas controladas pelo mesmo grupo econômico atuem, ao mesmo tempo, como proprietária do gás e do gasoduto.
Em síntese, está na hora da EPE, organismo encarregado de desenhar a política energética para o país, assumir suas funções e definir, claramente, se a posição do governo federal é pela manutenção da Petrobras como provedora de todas as soluções de suprimento em óleo e gás natural, transformando-a em um braço de política econômica oficial, ou se a orientação é pela promoção de uma ampla abertura para o mercado de gás natural. Neste último caso, por meio do acesso a todos os agentes, que podem ou desejam ingressar no mercado de gás natural, criar-se-iam as condições para a diversificação na oferta e para a transparência ampla de custos, levando a uma redução nos preços de gás natural.
A Petrobras haverá de perceber que não há mais sentido algum em controlar o sistema de transporte e dispender recursos necessários ao desenvolvimento do que, essencialmente, faz uma companhia de petróleo rentável: o conhecimento tecnológico aplicado e direcionado para exploração e produção, mais relevantes e ligadas à sua essência. Foi como uma companhia de óleo e gás natural que a Petrobras desenvolveu excelência, ao longo dos 60 anos da sua trajetória histórica de sucesso. O acionista agradece. O país, também.
Fonte: Valor Econômico/Adriano Pires e Marcio B. da Silveira/Adriano Pires é diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE)/Marcio Balthazar da Silveira é sócio da Natgas
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