Os executivos brasileiros estavam mais otimistas do que a média de seus pares pelo mundo com os rumos da economia global antes de ficar mais clara a proporção devastadora que o choque do novo coronavírus teria nos países. O estudo “Global Capital Confidence Barometer”, da EY, captou quase em tempo real a deterioração desse cenário.
A pesquisa, realizada há 21 anos, começou a ouvir executivos de empresas de 46 países em 5 de fevereiro. Até por volta do dia 19 daquele mês - quando o índice S&P 500 registrava recordes positivos com a sensação de que a crise do novo coronavírus poderia ser menos grave -, o horizonte era claramente otimista. De todos os entrevistados, 47% disseram que a perspectiva para o crescimento da economia global era positiva. Só entre os brasileiros, a taxa era de 64%.
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No “segundo momento” da pesquisa, encerrada em 26 de março, a proporção dos entrevistados que diziam acreditar em um desempenho positivo da economia global caíra para 23%, mesmo número registrado entre os executivos brasileiros - ou seja, em pontos percentuais, a perda de otimismo dos executivos locais foi maior.
“Estávamos mais otimistas do que o resto do mundo e depois ficamos tão pouco otimistas quanto”, diz Eduardo Tesche, sócio de estratégia e operações da EY. A pesquisa da consultoria ouviu 2.900 executivos pelo mundo, entre presidentes, diretores financeiros e outros cargos de nível semelhante.
Com vulnerabilidades nas cadeias de suprimentos desencadeadas pela interrupção de serviços e setores, 61% dos respondentes brasileiros disseram que precisaram alterar sua configuração de trabalho. “Certamente virão mudanças importantes na forma como enxergamos o mundo e trabalhamos. A dúvida é exatamente para qual direção. Por exemplo, as pessoas podem tanto perceber que é possível trabalhar mais remotamente quanto passarem a valorizar ainda mais o contato presencial”, afirma Tesche.
Entre os executivos brasileiros, 67% acham que a recuperação da crise da covid-19 será em “U”, ou seja, com um período de atividade econômica mais lenta estendendo-se até 2021. Globalmente, essa é a opinião de 54% dos entrevistados. No Brasil, é também menor a fatia daqueles que acham provável uma retomada em “V”, com um retorno da atividade já no terceiro trimestre de 2020: 33% contra 38% a nível global. Os executivos brasileiros não enxergam, no entanto, risco de um efeito em “L”, isto é, um período sustentado de recessão econômica com a atividade sem pegar ritmo até pelo menos 2022. Considerando todos os entrevistados, 8% têm essa visão.
Os números revelam “uma pontinha de otimismo” no Brasil, diz Tesche, embora ele destaque que o levantamento é uma “fotografia” de um momento em que análises têm sido revistas diariamente. A própria pesquisa reflete esse elevado nível de incerteza global. Questionados se hoje está mais difícil prever tendências de mercado, 53% dos executivos globais concordavam com a frase (44% entre os brasileiros).
“Esse mundo da incerteza é algo que estamos vivendo há algum tempo. O ponto é que ninguém imaginava que iria se materializar de um jeito tão diferente quanto em um vírus. Falávamos de crescimento exponencial, disrupção dos negócios. No fim, a grande transformação que está acontecendo não é o fato de os computadores dobrarem de velocidade a cada 18 meses, mas como a disseminação exponencial de um vírus vai mudar o modo como as empresas pensam o futuro”, afirma Tesche.
Mesmo no cenário em que o choque da pandemia estava mais claro, cerca de 28% dos entrevistados brasileiros achavam que o impacto do vírus na economia local seria severo, enquanto globalmente, para os respectivos países dos executivos, esse número ficava em 38%, diz Tesche. “Talvez, e isso é uma especulação minha, o executivo brasileiro tenha criado alguma resiliência, porque passa por crises com uma frequência muito maior do que gostaria“, afirma.
Para o horizonte do mercado de transações (fusões e aquisições entre empresas, por exemplo), outra área em que a EY atua, a percepção de dinamismo aumentou tanto globalmente quanto para os entrevistados brasileiros, mas aqui também há maior otimismo. Após 19 de fevereiro, 61% de todos os executivos achavam que esse mercado melhoraria nos próximos 12 meses - no Brasil, eram 65%.
Fonte: Valor