Os Estados Unidos e outros 27 países aceitaram ontem liberar 60 milhões de barris de petróleo de suas reservas estratégicas, baixando temporariamente a cotação para o menor nível em quatro meses, num esforço polêmico para sustentar a frágil recuperação da economia mundial.
A intervenção foi alvo de críticas da indústria petrolífera, de grupos empresariais e de políticos em Washington. Parlamentares do Partido Republicano, de oposição, acusaram o presidente Barack Obama de ter feito uma escolha política e de apelar para o suprimento de emergência em vez de adotar suas propostas para elevar a produção doméstica de petróleo.
A Casa Branca reagiu alegando que a decisão de liberar parte das reservas - esta é apenas a terceira vez em que reservas estratégicas foram liberadas de maneira coordenada por vários países - visa ajudar a substituir parte dos 140 milhões de barris perdidos por causa da guerra civil que já dura três meses na Líbia e impulsionar a oferta durante a temporada de verão nos EUA, em que o consumo de gasolina atinge o auge.
A ação pode render dividendos para os EUA e seus aliados de outras maneiras, já que deve aumentar a pressão sobre o Irã, que depende da alta cotação da commodity para financiar suas ambições nucleares e seus esforços para expandir a sua influência.
A cotação do petróleo já vinha caindo em relação aos altos níveis do segundo trimestre. Mas as autoridades da Agência Internacional de Energia (AIE), grupo com sede em Paris e que assessora a política energética dos países ricos que são grandes consumidores de petróleo, disseram que as discussões para usar as reservas estratégicas aumentaram depois que a reunião da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), em Viena, terminou no dia 8 sem um acordo para elevar a produção.
Cerca de metade dos 60 milhões de barris virão dos EUA, 30% da Europa e 20% de países asiáticos. A AIE informou que os estoques a serem liberados, que representam menos de 4% dos 1,6 bilhão de barris totais das reservas de emergência, devem começar a chegar ao mercado no fim da semana que vem.
O petróleo fechou em queda de 4,6% na Bolsa Mercantil de Nova York, encerrando o pregão em US$ 91,02 ontem. O barril de brent caiu 6,5%, para US$ 107,26, na bolsa de futuros ICE.
A ausência do petróleo líbio, que é leve, tem pouco enxofre e tem se mostrado difícil de substituir, gerou escassez no mercado, especialmente na Europa, principal mercado da Líbia. Os estoques comerciais do continente estão agora no menor nível dos últimos cinco anos.
Autoridades do governo Obama disseram que os EUA vão analisar o mercado mundial de petróleo no próximo mês e que podem liberar mais uma parcela das reservas estratégicas.
"Espero que essa medida contribua para suprir bem os mercados e para garantir um pouso suave para a economia mundial", disse Nobuo Tanaka, diretor-executivo da AIE, que vai supervisionar a liberação de 30 milhões de barris no mês que vem.
A primeira vez que os membros da AIE resolveram abrir seus estoques foi depois da invasão iraquiana do Kuait, em 1990. A segunda foi em 2005, depois que o furacão Katrina danificou plataformas petrolíferas, oleodutos e refinarias no Golfo do México.
Autoridades do governo Obama disseram que a decisão de liberar uma parte da reserva americana, armazenada em cavernas de sal na costa do Golfo do México, foi adotada com "total consulta" dos países produtores e consumidores de petróleo, e chamou a reserva de "complemento" à promessa da Arábia Saudita, depois da reunião da Opep, de aumentar a sua produção em cerca de 1,5 milhão de barris diários.
Mas a decisão causou estranheza a alguns analistas. "Já se passaram vários meses de turbulência na Líbia e boa parte da reorganização logística do suprimento já ocorreu", disse Guy Caruso, assessor sênior do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais e que dirigiu a Administração de Informações de Energia. "A maioria das refinarias com que conversei parece ter suprimentos adequados."
Depois que o petróleo passou dos US$ 100 o barril este ano, Obama determinou em abril a criação de uma força-tarefa especial para desvendar manipulações do mercado. Mas, se a meta da AIE ontem foi expulsar do mercado fundos de hedge e outros especuladores, a medida pode ter chegado tarde demais. Antes mesmo da queda de ontem nos contratos futuros do petróleo em Nova York, o preço já tinha recuado mais de US$ 18 em relação ao pico de abril, e agora acumula queda de 0,4% em 2011.
O declínio na cotação do petróleo ontem não foi simplesmente uma reação à liberação das reservas estratégicas, disse Dave Chatterton, sócio gerente da Powerline Petroleum, de Champaign (Estado de Illinois), que presta assessoria a grandes consumidores de combustível sobre administração de risco. Alto desemprego nos EUA, preocupações com a economia chinesa e a reação aos sinais do Federal Reserve, o banco central americano, de que não vai mais estimular a economia, tudo isso contribuiu para a nova expectativa para a commodity, disse ele.
"Tudo meio que se uniu para dar um sinal ao grande especulador de que é hora de sair do mercado."
O impacto da medida provavelmente será mais psicológico que físico. Os 60 milhões de barris representam menos de um dia de consumo mundial e só três dias de consumo americano.
O presidente do Fed, Ben Bernanke, disse na quarta-feira que o BC americano baixou suas previsões para a economia do país neste e no próximo ano. Prevê agora crescimento entre 2,7% e 2,9% este ano, ante a previsão de crescimento entre 3,1% e 3,3%, feita em abril.
A alta da energia, especialmente os choques do petróleo, prejudicam o crescimento econômico. James Hamilton, professor de economia da Universidade de San Diego, já publicou estudos mostrando que 10 das 11 recessões americanas do pós-guerra foram causadas por choques na cotação do petróleo. "A correlação entre choque do petróleo e recessão econômica parece ser bem forte para ser apenas uma coincidência", escreveu ele num artigo acadêmico publicado este ano.
Muitos países em desenvolvimento sofreram um duplo golpe com a alta do petróleo: o custo de importar combustível mais caro, e o custo de subsidiar para mantê-lo em níveis aceitáveis para o consumo doméstico.
Nos países ricos, a alta da gasolina tem reduzido a capacidade das pessoas de consumir outras coisas. As vendas dos postos de gasolina nos EUA subiram 22,3% nos 12 meses encerrados em maio, enquanto as do restante do varejo subiram apenas 7,7%, informou o governo no mês passado. Os americanos gastaram US$ 45,2 bilhões em postos de gasolina em maio, quase 12% do total gasto no varejo.
A decisão de usar as reservas deu munição a grupos que pressionam por mais produção petrolífera interna nos EUA, especialmente diante do declínio da produção no Golfo do México, mais de um ano depois da explosão da plataforma Deepwater Horizon.
A Câmara de Comércio dos EUA considerou a medida "impensada e não o sinal de que os mercados precisam" e sugeriu que o governo aumente a produção do país. "Uma alta temporária na oferta não substitui uma solução de longo prazo", disse Karen Herbert, presidente do Instituto de Energia da entidade.
A Associação Independente do Petróleo da América, um lobby do setor petrolífero, chamou a medida de "no máximo uma solução de curto prazo" e argumentou que o governo precisa agilizar os procedimentos de licença de exploração de petróleo e gás.
As autoridades americanas defenderam a medida, citando a turbulência no Oriente Médio.
"Os EUA mantêm uma Reserva Estratégia de Petróleo precisamente para esse propósito: para reagir a uma escassez doméstica ou internacional de energia, interrupções de abrangência e duração significativas" que pode afetar a economia, disse uma autoridade.
Mas alguns analistas disseram que a medida de ontem foi claramente política, já que há eleições no horizonte dos EUA e da França e os políticos estão na defensiva por causa do alto preço da gasolina nas bombas.
(Fonte: Valor Econômico/Keith Johnson e Guy Chazan | The Wall Street Journal/Colaborou Liam Pleven)
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