A transição da economia global para fontes mais limpas de energia está ganhando força à medida que a pandemia de covid-19 acelera uma mudança nos investimentos em combustíveis fósseis, disse a Agência Internacional de Energia (AIE) nesta terça-feira (13).
Em um relatório anual sobre o futuro da indústria, divulgado hoje, a entidade, com sede em Paris, afirmou que os gastos de capital com energia neste ano devem cair 18%. Em parte, isso ocorrerá porque a AIE projeta um recuo de 5% na demanda global por energia em 2020, algo que não ocorre desde a Segunda Guerra Mundial.
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Mas os cortes de investimento previstos são altamente desiguais, segundo a AIE, que destacou que empresas, mercados e investidores estão divergindo sobre o que estão dispostos a financiar no futuro. Os gastos com novos suprimentos de petróleo e gás sofreram os maiores impactos, enquanto as energias renováveis se mantiveram melhor do que qualquer outra fonte.
A pandemia prejudicou as receitas corporativas e aumentou a incerteza sobre a demanda futura de combustíveis, estimulando os cortes recordes em investimentos no setor de petróleo e gás. Por outro lado, de acordo com o relatório, os projetos de energia solar e eólica estão se beneficiando de uma queda nos custos, além do amplo apoio dado por governos e de políticas monetárias que garantem baixas taxas de juros.
Desta forma, a AIE espera que as energias renováveis forneçam 80% do crescimento da demanda global de eletricidade até 2030. “[A energia] solar é, agora, o novo rei dos mercados de eletricidade”, disse o diretor-executivo da entidade, Fatih Birol.
Mark Florian, chefe dos fundos globais de energia e infraestrutura de energia da BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo, disse que alguns investidores foram atraídos pelos retornos estáveis que os projetos renováveis podem fornecer, mas ressaltou que este sentimento não é universal.
“Definitivamente, vemos um maior crescimento em energia renovável”, disse ele. “Certos investidores institucionais querem se esforçar mais, mas eu não diria que isso é onipresente.”
Demanda por petróleo
A AIE, um órgão consultivo dos 37 países que fazem parte da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), também conhecida como “clube dos ricos”, disse que a demanda anual por petróleo de seus membros já atingiu o pico nos países desenvolvidos, como EUA, Japão e os membros da União Europeia. Para a entidade, é pouco provável que a busca por barris retorne aos níveis pré-pandêmicos no futuro.
Porém, a AIE espera que a demanda por petróleo continue crescendo em economias em desenvolvimento, casos de China e Índia, fazendo com que os níveis pré-pandêmicos sejam recuperados em 2023.
A previsão é de que a demanda por petróleo nos mercados emergentes aumente em 9 milhões de barris por dia até 2030, compensando a queda no mundo desenvolvido, que acelera a transição para fontes de energia limpa.
Assim, mesmo com a projeção de um maior apoio governamental a projetos de baixo carbono, a AIE prevê que o petróleo e o gás natural representem quase metade da matriz energética global em 2040.
Carvão
Para os produtores de carvão, porém, as perspectivas são mais sombrias. No relatório, a AIE estima que a demanda global pelo produto não ultrapassará mais o pico atingido em 2014. Em 2014, a previsão é que o carvão represente menos de 20% da matriz energética global, algo inédito desde a revolução industrial.
Birol afirmou que atender à nova demanda por energias renováveis não será suficiente para reduzir as emissões de gases estufa. Segundo ele, antes de serem definitivamente aposentadas, instalações existentes de energia e de indústria pesada lançariam, na atmosfera, carbono suficiente para prejudicar as metas que visam conter a elevação das temperaturas globais.
Pelos cálculos da AIE, o uso dessas instalações deve provocar um aumento de 1,65ºC, tornando quase impossíveis os esforços internacionais para manter a alta da temperatura abaixo de 2ºC, como prevê o Acordo de Paris.
“Daqui pra frente, o que construirmos de novo deve ser limpo”, disse ele. “Em segundo lugar, temos que lidar com a infraestrutura de energia existente que, se for deixada de lado, colocará todas as nossas metas climáticas fora de alcance”, explicou o diretor-executivo da AIE.
Emissões globais de carbono x metas climáticas
A crise provocada pela pandemia vai reduzir as emissões globais de carbono para o menor nível da década, mas o aumento da demanda por combustíveis fósseis em países em desenvolvimento no longo prazo pode fazer o mundo descumprir metas climáticas importantes para o futuro.
A entidade afirmou que as proibições de viagens e os “lockdowns” adotados para mitigar a propagação da covid-19 contribuíram para uma queda de 5% na demanda global por energia.
No relatório, a AIE incluiu uma modelagem de cenário para ações que governos e empresas teriam que tomar para zerar as emissões de carbono até 2050.
Ainda que a covid-19 tenha atrasado o crescimento da demanda global de petróleo em dois anos e meio, ela deve crescer e se estabilizar na próxima década, principalmente por causa dos emergentes. Somente em 2040, a entidade prevê que a procura por barris seja 7% menor que a registrada em 2019, antes da pandemia.
“O número crescente de países e empresas que se comprometem em zerar as emissões líquidas [de carbono] é um desenvolvimento profundamente importante”, disse Birol. “As enormes somas de dinheiro que eles estão investindo para estimular a recuperação econômica são uma oportunidade histórica para acelerar significativamente as transições em direção a um futuro energético mais limpo e resiliente”, acrescentou.
A AIE também projeta que a transição energética será desigual entre os diferentes setores da economia. Nos transportes, por exemplo, espera-se que a transformação da indústria marítima seja a mais lenta, com os combustíveis fósseis respondendo por mais de 97% da demanda por energia até 2030. Enquanto isso, as vendas de carros convencionais devem atingir o pico em meados da próxima década.
Fonte: Valor