O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) confirmou ao Valor que vai abrir hoje uma consulta pública para reconhecer o Estado de Santa Catarina como livre de várias doenças que afetam bovinos e suínos, na prática tirando da gaveta um processo que pode levar à abertura de exportações de carnes para o mercado americano.
Essa é uma das precondições para a assinatura, no dia 22, em Brasília, do memorando de entendimento que pode levar a acordo temporário de suspensão da sanção que o Brasil planejava impor contra produtos americanos no contencioso do algodão. Negociadores dos dois países têm feito consultas intensas por telefone, procurando afinar detalhes.
O USDA informou que está prevista a publicação no Registro Federal da abertura da consulta para comentários do público para reconhecer Santa Catarina como livre de febre aftosa, de peste bovina, de peste suína clássica, de peste suína africana e da doença vesicular suína.
O prazo da consulta é de 60 dias, mas pode ser estendido. Em seguida, o Serviço de Inspeção Animal e Vegetal dos EUA (Aphis, na sigla em inglês) vai analisar os comentários e definir se publica uma decisão final para habilitar a exportação de carnes do Estado para o mercado americano. O USDA não comenta quanto tempo levará para uma decisão final, mas até lá as exportações de Santa Catarina para os EUA seguem bloqueadas.
Os produtores de carnes de Santa Catarina na prática ganham uma carona na disputa do algodão. Há meses que o Brasil pede para os EUA abrirem a consulta pública para que Santa Catarina possa exportar carne suína ao mercado americano. Só agora, sob ameaça de retaliação, é que Washington aceitou tirar a questão sanitária da gaveta, na prática mostrando que a decisão é mais política do que científica.
Washington prometeu também completar a avaliação de risco que está em curso e identificar "medidas apropriadas de mitigação" para determinar se carne bovina fresca pode ser importada do Brasil sem risco de introdução de febre aftosa nos EUA.
O reconhecimento de Santa Catarina como área livre de aftosa sem vacinação deve beneficiar exportadores de carne suína, mas tem efeito praticamente nulo no caso das exportações de carne bovina, já que o Estado não exporta o produto, observa Otávio Cançado, diretor da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne Bovina (Abiec). Mas o reconhecimento é importante, diz, porque abre caminho para que no futuro os EUA venham a aceitar carne bovina de áreas livres de aftosa com vacinação.
Outra precondição para um acordo no caso do algodão é o fundo de compensação de US$ 147 milhões para os cotonicultores brasileiros, cujo formato continua em discussão. Deverá incluir tanto programa para combater a praga do bicudo como pesquisas para o setor, como vinha sendo discutido há tempos entre os setores privados dos dois países.
Países africanos seguem com especial interesse a criação do fundo, depois de terem preferido apostar na Rodada Doha para conseguir mais mercado a seus cotonicultores. Estudo publicado ontem calcula que os produtores africanos teriam ganho com alta de 3,5% no preço internacional do algodão se os EUA já tivessem implementado as decisões da OMC na disputa aberta pelo Brasil, a começar pela retirada dos subsídios domésticos condenados, que os EUA só pensam em discutir em 2012 - por isso estão pagando compensação ao Brasil pelo prejuízo.
O estudo foi encomendado pelo Centro Internacional para Comércio e Desenvolvimento Sustentável (ICTSD, em inglês) para Mario Jales, da Universidade de Cornell (EUA). Se a proposta de profundos cortes nos subsídios fosse aprovada na OMC, algo que os EUA rejeitam, a produção da commodity poderia cair até 15% nos EUA e 30% na União Europeia. Por sua vez, as exportações americanas declinariam 16%, enquanto as vendas do Brasil e Índia poderiam aumentar 12%, mas os africanos só ampliariam seu negócio em cerca de 3%.
Atualmente, 95% dos importadores de algodão são países em desenvolvimento e somente a China dá acesso sem tarifas para os produtores de nações pobres. Apesar dos subsídios americanos, o Brasil passou a exportador nos últimos anos, com fatia de 5% no mercado mundial. Já os africanos continuam perdendo terreno.
O impacto do acordo Brasil-EUA deverá estar também na discussão entre o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, e o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, no sábado em Brasília. No começo da semana, o Grupo de Cairns, de grandes produtores agrícolas, vai se reunir em Punta del Este, Uruguai, para conclamar pela conclusão rápida da Rodada Doha.
Nos dias 27 e 28, em Paris, negociadores do Brasil, EUA, UE, China e Índia vão discutir como tentar retomar Doha. Os EUA organizam o encontro, que será na verdade realizado primeiro na embaixada do Brasil e depois da Índia. (Colaborou Alda do Amaral Rocha, de São Paulo)
Fonte: Valor Econômico/Assis Moreira, de Genebra
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