Nessa cidade rodeada de colinas a 32 quilômetros de Belo Horizonte, trabalhadores estão construindo algo que é uma raridade na América Latina: uma fábrica com tecnologia de ponta para produzir semicondutores apoiada pelo governo e por empresas como a International Business Machines Corp. Segundo as autoridades, o projeto ilustra como o Estado e o setor privado podem colaborar para modernizar a indústria no Brasil.
Mas o futuro da fábrica ficou muito mais incerto desde o colapso de um de seus principais parceiros, Eike Batista, o empresário cujo império de matérias-primas de US$ 30 bilhões ruiu este ano numa das mais notórias implosões financeiras da história.
Batista está tentando se desfazer de sua participação na fabricante de chips para captar recursos em meio às dificuldades financeiras que suas empresas de petróleo, transporte e outras firmas enfrentam. O projeto de chips enfrenta atrasos enquanto os outros investidores buscam um substituto para Batista.
Representantes do governo procuraram Batista, inicialmente, para ajudar a garantir o sucesso da iniciativa. Agora, a incursão do empresário na produção de chips ilustra quanto o governo brasileiro dependia dele para levar adiante suas ambições industriais e como essa estratégia saiu pela culatra.
"Por que diabos um conglomerado de energia, mineração e logística como (o de Batista) se envolveria com semicondutores?", perguntou em janeiro Milton Torres, um sócio do empresário e então presidente do projeto de chips durante um discurso no Vale do Silício, parte de uma iniciativa para recrutar engenheiros para a fábrica. "Quanto maior o desafio, mais atraente ele é para o nosso chefe. Se parece uma 'Missão Impossível', então ele não consegue ficar de fora."
Batista não quis fazer comentários para este artigo.
É difícil subestimar o peso de Batista na economia brasileira antes de seu colapso. Quando a presidente Dilma Rousseff precisou de ajuda para persuadir a Foxconn, fabricante chinesa dos iPhones e iPads da Apple Inc., a instalar uma fábrica no Brasil em 2011, ela procurou Batista. Ele recebeu o diretor-presidente da Foxconn, Terry Gou, e disse a repórteres em 2012 que a Foxconn iria investir bilhões de dólares no Brasil, embora ela nunca tenha feito o investimento e Gou tenha criticado publicamente o país como um lugar difícil para se fazer negócios.
Uma questão-chave hoje sobre o colapso de Eike Batista é se ele fornece pistas mais reveladoras sobre o futuro econômico do Brasil ou se é apenas o caso isolado de um empresário com talento para captar dinheiro para suas ideias que não foi capaz de entregar o prometido.
A ascensão e queda de Batista lançam luz sobre como o capitalismo gerenciado pelo Estado funciona no Brasil. Nos últimos anos, ele e outros empresários se beneficiaram com empréstimos estatais com grandes descontos, que faziam parte da estratégia do governo para apoiar empresas consideradas estratégicas para a ascensão do país como potência global. Desde 2009, o Brasil contraiu cerca de R$ 100 bilhões em dívida para conceder esses empréstimos, segundo estimativas de analistas.
As empresas de Batista não são as únicas apoiadas pelo governo que estão em apuros. O país também ajudou o processador de carnes Marfrig Alimentos SA em sua onda global de aquisições. Agora a empresa enfrenta dificuldades para pagar sua dívida e está vendendo ativos. O governo também ajudou a criar a gigante de telecomunicações Oi SA, vendida recentemente à Portugal Telecom depois de enfrentar problemas financeiros. E o grupo de laticínios LBR Lácteos Brasil SA entrou com pedido de recuperação judicial este ano.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) administra essa estratégia do governo. Batista recebeu cerca de US$ 3 bilhões em empréstimos do BNDES e US$ 2,5 bilhões de outras instituições governamentais como a Marinha Mercante.
A carteira de empréstimos em circulação do BNDES subiu para US$ 229 bilhões, superando a do Banco Mundial. Em parte por isso, a agência de classificação de crédito Moody's rebaixou sua dívida em um degrau este ano.
O BNDES nega que escolha empresas "campeãs nacionais" para apoiar e afirma que o banco desempenha um papel crucial na concessão de crédito em um país onde muitas vezes é difícil obter empréstimos de longo prazo. Paulo Braga, porta-voz do BNDES, diz que as empresas que ficaram em apuros após receber financiamento representam uma pequena parte da carteira de empréstimos do BNDES e não representam risco para o banco.
O Brasil também tem um longo histórico de iniciar indústrias do zero usando financiamento estatal, incluindo a fundação petrolífera estatal Petróleos Brasileiros SA, em 1953, e uma indústria de etanol bem-sucedida.
Por quase uma década, as autoridades brasileiras manifestaram interesse em ter uma indústria de semicondutores que funcionasse como a espinha dorsal de um setor de tecnologia mais amplo e pudesse acelerar a escalada do Brasil em direção à modernidade. "Acreditamos que ela pode incentivar a inovação em toda a economia", diz Julio Ramundo, um dos diretores do BNDES.
Para isso, o Brasil adotou a mesma estratégia que usou para criar sua indústria automobilística: proteger os fabricantes locais até que eles possam seguir com as próprias pernas. O governo eliminou todos os impostos sobre fabricantes de semicondutores que decidissem estabelecer-se no Brasil e está exigindo que os fabricantes de telefones usem peças produzidas localmente.
Mas a construção de uma indústria de semicondutores em um país em desenvolvimento é um desafio, diz Sergis Mushell, analista do setor da firma de pesquisa Gartner. A fabricação de semicondutores já é dominada por empresas extremamente competitivas e no Brasil e em outros países emergentes não há os engenheiros e projetistas necessários para competir nos mercados de nicho mais sofisticados de design de chips especializados.
Nada disso dissuadiu o empresário brasileiro Frederico Blumenschein, que começou a promover seu projeto de semicondutores no Brasil há nove anos. Um banco estatal concordou em colocar parte do capital e a IBM autorizou o licenciamento de sua tecnologia. Mas Blumenschein precisava de um grande financiador, como o BNDES.
Em 2011, o banco concordou em investir, mas queria o envolvimento de outro sócio com experiência em gestão, infraestrutura corporativa e cofres cheios. Um porta-voz do banco diz que o BNDES apresentou o negócio a vários investidores, incluindo Batista. Batista assumiu uma participação de um terço do projeto e concordou em investir cerca de US$ 110 milhões. A empresa foi batizada de Six Semicondutores SA, alinhando-se às outras companhias do empresário, cujos nomes terminam em "X" para simbolizar a multiplicação de riqueza.
Ele convenceu a então recém-nomeada diretora-presidente da IBM, Virginia Rometty, a assumir uma participação de 18% no projeto, por um valor não divulgado, dizem pessoas a par da transação. Até então, a IBM tinha tido um papel menor, simplesmente licenciando a tecnologia para o projeto. A IBM não comentou.
A Six ainda tem que definir que tipo de semicondutores vai produzir e quem vai comprá-los. Blumenschein garante que entre os potenciais mercados estão a agricultura e os setores de equipamentos médicos de alta tecnologia, cartões inteligentes e eletrônicos de consumo.
Parte de sua estratégia original envolvia usar a reputação global de Batista para convencer engenheiros brasileiros trabalhando em empresas do Vale do Silício a voltar ao Brasil para participar do projeto. Mas tudo isso mudou agora que o império de Batista desmoronou. Blumenschein disse que era impossível saber em 2012 que Batista seria incapaz de cumprir suas promessas.
Hoje, o empresário está buscando um investidor que possa substituir Batista. Enquanto isso, o BNDES garante que continua apoiando o projeto e está considerando injetar mais dinheiro. Ainda assim, Blumenschein espera que a empresa seja um sucesso quando iniciar a produção no segundo semestre de 2015.
"Estamos fazendo uma limonada com os limões", conclui.
Fonte: Valor Econômico/John Lyons e Loretta Chao | The Wall Street Journal, de Ribeirão das Neves, Minas Gerais
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