Dez anos atrás, a China não era o principal parceiro comercial de nenhuma das economias que formam o Grupo dos 20. Hoje, é o maior parceiro de seis delas (Austrália, Japão, Coreia do Sul, Índia, Rússia e África do Sul), substituiu os Estados Unidos como o maior mercado para exportações de uma sétima (Brasil) e se tornou um dos maiores importadores de todos os demais países do grupo.
"Quando forem escrever a história da nossa era, daqui a 50 ou 100 anos, é improvável que seja sobre a Grande Recessão de 2008 (...) ou sobre os problemas fiscais enfrentados pelos EUA na segunda década do século XXI. Será sobre como o mundo se ajustou ao movimento da história convergindo para a China", diz Lawrence Summers, economista da Universidade de Harvard e ex-assessor do presidente americano Barack Obama.
O crescimento da China é sentido em praticamente todos os cantos do globo - de maneiras nem sempre bem-vindas. Sua ascensão como uma potência comercial está moldando outras economias, modificando modelos nacionais de negócios da manufatura para as matérias-primas, empurrando moedas em direções às vezes indesejadas e gerando preocupação nos EUA com os salários.
A China, que divulgou déficit comercial em fevereiro, em parte por causa da data do Ano-Novo Lunar, informou que as exportações dos dois primeiros meses do ano foram 21,3% maiores que as de um ano antes; as importações subiram 36%. Já os EUA divulgaram ontem um déficit comercial com a China em janeiro maior que com qualquer outro país. Em janeiro, pelo câmbio atual, as exportações chinesas foram 35% maiores que as americanas. Suas importações foram 14% menores.
Há indícios abundantes do novo poder comercial da China.
No Japão, a maior fabricante de equipamentos de construção civil, a Komatsu, obtinha 2,3% de seu faturamento na China há dez anos; hoje obtém 19%. Os novos contratados, recém-formados, fazem um curso rápido de duas semanas de chinês, que substituiu as aulas de inglês que a empresa exigia.
A China fornece agora metade das roupas importadas da África do Sul e mais de dois terços dos brinquedos. Em troca, os consumidores chineses desfrutam de vinho sul-africano, sem falar de laranjas egípcias e cacau ganês.
No Brasil, o apetite insaciável da China por matérias-primas está mudando o cenário - literalmente. O homem mais rico do Brasil, Eike Batista, está construindo um porto de US$ 2,6 bilhões na Baía de Sepetiba, no Rio, para os supercargueiros com rumo à China. O Brasil e o Peru quase concluíram uma rodovia para o transporte de produtos das fazendas brasileiras pela Amazônia e pelos Andes para os portos do Peru no Oceano Pacífico.
A máquina comercial chinesa já mostra sinais de desaceleração. Após caírem em 2009, quando o comércio mundial secou durante a crise financeira, as exportações e importações chinesas se recuperaram em 2010. O fluxo de investimento chinês no exterior e de investimento de multinacionais na China vai impulsionar mais o comércio com outros países, se a história servir de guia.
Para os mercados emergentes, o aumento da renda propiciado pela exportação à China é bem-vindo, mas há temores quanto aos efeitos colaterais indesejados.
Durante anos, o Brasil e seus vizinhos tentaram reduzir a dependência dos EUA com o fortalecimento da indústria local e a promoção de um mercado regional em que os países forneceriam todo tipo de mercadoria um ao outro. Agora, o boom de exportações para a China está fazendo com que o Brasil se dedique menos aos produtos manufaturados de alto valor e volte às commodities. Em 2000, menos de 2% das exportações brasileiras seguiam para a China; em 2009, a parcela tinha crescido para 12,5%, segundo o Fundo Monetário Internacional.
Segundo dados do governo brasileiro, cerca de 80% das exportações brasileiras para a China são de commodities agrícolas e minerais; cerca de 90% das importações vindas da China são de produtos manufaturados, muitos deles itens que o Brasil não pode produzir tão barato quanto a China pois seus salários são mais altos. Autoridades brasileiras argumentam com mais veemência que a China usa o yuan desvalorizado para dar uma vantagem às suas exportações.
E alguns brasileiros temem os efeitos de longo prazo. "A China é um mercado importante para o Brasil, mas o Brasil não pode colocar todos os ovos numa única cesta", diz Rubens Ricúpero, ex-ministro da Fazenda e também ex-dirigente da Conferência da ONU para o Comércio e o Desenvolvimento.
Na África do Sul, que enfrenta pressão dos sindicatos, o governo pediu à China no ano passado que limitasse voluntariamente as exportações de têxteis, retomando cotas que tinham sido retiradas em 2008. A China se recusou. "Se as firmas chinesas não venderem à África do Sul, outros países tomarão nosso lugar", disse o embaixador da China no país, Zhong Jianhua, numa entrevista ao Wall Street Journal.
Na Indonésia, os fabricantes de tecidos, móveis e eletrônicos têm reclamado das importações chineses que se seguiram à eliminação de tarifas propiciada por um acordo regional de livre comércio. "Não temos a menor condição de competir, apesar de nossos custos trabalhistas serem menores que os deles", diz Sofjan Wanandi, presidente da Associação de Empregadores da Indonésia. A má infraestrutura e os altos juros aumentam os custos na Indonésia, argumenta. "As pessoas estão fechando as portas e se tornando importadoras de produtos chineses."
Cerca de 30% do comércio chinês é feito com os países em desenvolvimento - ante menos de 20% em 2000, afirma o FMI. Mas a maior parte ainda é com os países desenvolvidos.
A China absorve 25% das exportações australianas, ante 4% há apenas uma década. A demanda por matérias-primas e o superávit comercial relacionado, a valorização do dólar australiano e a alta dos juros estão distorcendo a economia da Austrália, fortalecendo as regiões mineradoras do oeste do país enquanto enfraquecem o turismo e outros setores que não o de mineração.
"Temos recursos de que o mundo precisa. Mas precisamos organizar nossas questões para aproveitar isso ao máximo e superar os problemas de uma economia bipolar", disse recentemente Roger Corbett, ex-diretor-presidente da varejista Woolworths e integrante do conselho do banco central australiano. Ele defende um imposto sobre a indústria de mineração, que, em essência, ele vê como um imposto para a China.
Uma questão bem espinhosa é se a ascensão da China e de outros mercados emergentes está afetando os salários nos EUA. A visão clássica é que o comércio prejudica alguns trabalhadores e ajuda outros, e no fim das contas o resultado é positivo.
Mas alguns economistas argumentam que, quando os países ricos faziam comércio principalmente com outros países desenvolvidos - os EUA com a Alemanha, por exemplo - eles se especializavam mas não concorriam em salários. Eles dizem que a dinâmica do comércio com os países emergentes, onde os salários são baixos, é diferente: mesmo que defendam as virtudes do livre comércio, eles também sugerem que o peso crescente da China e da Índia e o direcionamento cada vez maior para produtos mais sofisticados pode contribuir para a fraca expansão dos salários nos EUA e o abismo crescente entre os beneficiados e os prejudicados no mercado de trabalho.
"Para os países desenvolvidos, cada vez mais importações estão vindo atualmente de países de renda média ou baixa", diz Matthew Slaughter, da Escola de Administração Tuck, da Universidade Dartmouth, e ex-assessor da Casa Branca de George Bush. "Embora esses parceiros comerciais emergentes estejam ficando mais ricos, seus salários são, em média, ainda muito menores que os dos EUA." Os salários americanos de todos exceto os trabalhadores com maior nível educacional - imunes à concorrência da China - estão deprimidos por causa disso, diz ele.
Outros economistas insistem que os indícios ainda não dão suporte à tese de que o comércio, em vez da tecnologia, é o culpado pela decepcionante expansão dos salários americanos. Robert Lawrence, professor da Universidade de Harvard que está escrevendo um livro sobre o assunto, diz que "a economia americana se tornou tão especializada que os trabalhadores com nível educacional menor não concorrem mais em pé de igualdade com os trabalhadores das economias emergentes".
Fonte: Valor Econômico/David Wessel e Paulo Prada | The Wall Street Journal
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