Cientes de que não será possível abrir mão dos hidrocarbonetos até 2050, as grandes petroleiras internacionais, especialmente as europeias, vêm adotando uma estratégia mista de investir progressivamente em renováveis e, paralelamente, reduzir suas emissões na produção de óleo e gás (O&G), no Brasil e no mundo. A Shell está investindo US$ 3 bilhões (cerca de R$ 15 bilhões) anuais em renováveis, parte deles no Brasil.
Nessa ponta das renováveis, a Petrobras atravessou um período de desinvestimentos, como a venda do Complexo Eólico Mangue Seco, no Rio Grande do Norte, no primeiro semestre do ano passado, focando em óleo e gás como estratégia para redução do endividamento, mas anunciou recentemente parceria com a norueguesa Equinor para pesquisar oportunidades em eólicas offshore.
PUBLICIDADE
A gerente sênior de relações corporativas e assuntos regulatórios da Shell Brasil, Monique Gonçalves, disse saber que o investimento de US$ 3 bilhões/ano é pouco, considerando que a empresa atua em 70 países, mas assegura que ele irá crescer progressivamente, em sintonia com os objetivos globais de descarbonização. Ao mesmo tempo que aumentará os investimentos em renováveis, a tendência é reduzir em O&G. “O portfólio de hoje não será o mesmo em dez ou 15 anos”, pondera, ressaltando que o petróleo não vai deixar de ser produzido em 2050, apesar do compromisso de carbono zero, daí a necessidade de investir na descarbonização do segmento de O&G.
O portfólio de renováveis da Shell Brasil inclui outorga já obtida para 800 megawatts em Minas Gerais, sendo 260 MW em parceria com o grupo Gerdau. Outros seis projetos aguardam resposta aos pedidos de outorga, sendo cinco em Minas Gerais e um na Paraíba, totalizando 2.605 MW, todos de energia solar fotovoltaica.
Outra gigante do petróleo com objetivo de inserção maior na área de renováveis é a Equinor. Segundo Verônica Coelho, presidente da filial brasileira do grupo norueguês, a ambição da empresa é “liderar a transição energética global” fincada em três pilares: reduzir as emissões das operações em O&G, investir em renováveis e em soluções de baixo carbono.
A meta da companhia na área de renováveis é alcançar até 2030 um portfólio de 12 mil a 16 mil MW de capacidade instalada no mundo, o que pode significar mais de uma hidrelétrica de Itaipu (14 mil MW). “O amplo potencial de recursos energéticos do Brasil faz do país uma das áreas-chave para nós”, afirma. Desde 2018, a Equinor tem em operação no Ceará o Complexo Solar Apodi, com 162 MW de capacidade instalada. No segmento eólico, a principal aposta da Equinor no Brasil é na geração offshore. Segundo Coelho, tramitam no Ibama seis pedidos para parques offshore no Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil. O maior de todos com potencial de 4 mil MW.
A portuguesa Galp, que vinha atuando no Brasil apenas em óleo e gás, com foco no pré-sal, acaba de anunciar um plano ambicioso de 4,8 mil MW em energias renováveis no país, em projetos amadurecidos por outras empresas. Segundo Georgios Papadimitriou, diretor de operações de energias renováveis e de novos negócios do grupo, 4,6 mil MW serão de energia solar, em contrato assinado com a SER Energia, e 216 MW em projeto da Casa dos Ventos.
A Galp possui atualmente 1,2 mil MW em geração renovável. De acordo com Papadimitriou, o objetivo do grupo é alcançar 4 mil MW até 2025 e 12 mil até 2030. A empresa também pretende colocar em funcionamento até 2025 um eletrolisador para a produção de hidrogênio verde, projetando produção de mil MW até 2030.
Luiz Barroso, presidente da PSR, consultoria energética, explica que a estratégia de descarbonização está hoje no foco de todas as empresas de petróleo, não necessariamente com a mesma receita. Parte está mais focada em descarbonizar os próprios processos e outras buscam nas energias renováveis “a âncora para a imagem de descarbonização”.
Barroso destacou que, para a transição energética, essas empresas possuem sinergias claras que começam a ser exploradas, seja com termelétricas a gás, que não eliminam, mas reduzem as emissões, seja com eólicas offshore, aproveitando os conhecimentos acumulados com a produção de petróleo no mar.
Alexandre Viana, sócio e diretor da Thymos Energia, diz que o Brasil é um destino natural no “inevitável” movimento das petroleiras rumo ao segmento de energias renováveis, seja pelo tamanho do seu mercado, seja pelos avanços regulatórios já alcançados. Além da produção de energia elétrica, especialmente nos segmentos com os quais possui sinergia, como o de eólica offshore, Viana vislumbra uma futura atração dessas empresas pelo mercado varejista.
Fonte: Valor