O primeiro vislumbre oficial do desempenho financeiro da Saudi Aramco confirma que a gigante estatal do petróleo é capaz de gerar lucro como nenhuma outra empresa do planeta: o rendimento líquido da empresa no ano passado foi de US$ 111,1 bilhões (R$ 433 bilhões), o que supera facilmente os resultados de gigantes americanos como a Apple e a ExxonMobil.
Os relatos publicados antes da estreia dos papéis da empresa no mercado internacional de títulos também demonstram que a Aramco - organização que produz cerca de 10% do petróleo cru do planeta - não gera tanto dinheiro por barril extraído quanto outras das grandes empresas petroleiras, como a Royal Dutch Shell, por conta da pesada carga tributária aplicada pelo Estado saudita.
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A venda de títulos, que está sendo veiculada para os investidores esta semana em um "roadshow" mundial, forçou a Aramco a revelar segredos que sempre manteve ocultos desde sua estatização na década de 1970, e esclareceu um pouco a relação entre o reino e o mais importante de seus ativos. As agências de classificação de crédito Fitch Ratings e Moody's Investors Services atribuíram à Saudi Aramco a quinta mais alta classificação de investimento, a mesma aplicada aos títulos de dívida nacional sauditas, mas inferior à de grandes empresas petroleiras como a Exxon, Shell e Chevron.
A empresa está se preparando para colocar títulos de dívida no mercado para pagar pela aquisição de uma participação majoritária no grupo petroquímico saudita Sabic, avaliado em US$ 69 bilhões (R$ 269 bilhões). A transação representa o plano B para gerar dinheiro que banque a agenda econômica saudita, depois que uma oferta pública inicial de ações da Saudi Aramco foi adiada. Na prática, o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman está usando o balanço imaculado da empresa para financiar suas ambições.
A Saudi Aramco vai pagar 50% do custo de aquisição da Sabic quando o negócio for fechado, e o restante em prazo de dois anos, de acordo com uma pessoa que assistiu a uma apresentação feita a potenciais investidores na segunda-feira. A empresa se recusou a comentar.
A dependência do reino quanto à empresa, como fonte de financiamento de gastos sociais e militares, bem como do estilo de vida dispendioso de centenas de príncipes, representa um fardo pesado no fluxo de caixa da Saudi Aramco. A companhia paga imposto de renda de 50% sobre seu lucro, além de um royalty em escala variável que começa em 20% da receita da companhia.
A Saudi Aramco reportou fluxo de caixa operacional de US$ 121 bilhões (R$ 471 bilhões); US$ 35,1 bilhões (R$ 136,7 bilhões) em investimentos de capital; e pagou US$ 58,2 bilhões (R$ 226, 7 bilhões) em dividendos ao governo saudita em 2018, de acordo com a Moody's. Em apresentação aos potenciais investidores em seus títulos de dívida, a empresa informou que seu "dividendo ordinário" foi de US$ 52 bilhões (R$ 202,5 bilhões) no ano passado. Não surgiu uma explicação imediata sobre a diferença entre os dois números.
A Arábia Saudita, líder da Opep, deu sinais de que pretende aliviar a escassez. Porém, ainda teme que a liberação de mais petróleo cause uma queda nos preços. O país também se prepara para abrir o capital da estatal petroleira Saudi Aramco O fato mais recente que tem influenciado a cotação do barril de petróleo foi a decisão de Donald Trump (ao fundo na foto) de deixar as negociações com o Irã
A Fitch anunciou que sua classificação A+ reflete os "fortes vínculos" entre a empresa e o reinado, e a influência que o Estado tem sobre a Saudi Aramco, ao regulamentar seu nível de produção, os tributos que incidem sobre ela e os dividendos.
"Com o tempo, um ambiente de preços baixos para o petróleo pode causar déficit fiscal sustentado na Arábia Saudita, o que poderá representar mudanças futuras no regime fiscal que incide sobre a Aramco", disse Neil Beveridge, analista de energia na corretora Sanford C. Bernstein, em Hong Kong. "Não se pode dissociar o governo nacional da Aramco, dado o relacionamento muito próximo e a contribuição que a Aramco faz para o custeio geral dos gastos sauditas".
A Saudi Aramco reportou um fluxo de fundos operacionais - um indicador observado atentamente pelos investidores, e semelhante ao fluxo de caixa operacional - de US$ 26 (R$ 101) por barril de petróleo ou equivalente, de acordo com a Fitch. Isso fica abaixo das marcas atingidas por grandes empresas de petróleo como a Shell (US$ 38/R$ 148) e a Total (US$ 31/R$ 120,7).
"Os fundos operacionais, que representam o fluxo de caixa operacional antes de alterações no capital de trabalho, é a melhor medida para comparar a lucratividade de empresas de petróleo, já que o ebitda [lucros anteriores aos juros, impostos, depreciação e amortização] não leva a tributação em conta", disse Dmitry Marinchenko, diretor sênior da Fitch em Londres, em entrevista.
A Saudi Aramco informou aos potenciais investidores em seus títulos de dívida que gerou fluxo de caixa operacional de US$ 121 bilhões (R$ 471 bilhões) em 2018. Embora o total seja significativamente mais alto que o produzido por outras grandes empresas de petróleo, a diferença não é tão grande quanto a que existe no ebitda ou na receita líquida. A Shell, por exemplo, reportou fluxo de caixa de US$ 53 bilhões (R$ 206 bilhões), a despeito de produção de petróleo e gás natural significativamente inferior à da Saudi Aramco. A Exxon reportou fluxo de caixa de US$ 36 bilhões (R$ 140 bilhões) no ano passado.
A classificação A+ atribuída pela Fitch à Saudi Aramco fica um grau abaixo do AA- da Shell e da Total. No caso da Moody's, a classificação fica bem abaixo da melhor nota possível, Aaa, que a empresa atribuiu à Exxon.
A gigante do petróleo encarregou seus bancos de conduzir um "roadshow" para títulos de dívida denominados em dólares, a partir de 1º de abril, com vencimentos de entre três e 30 anos, de acordo com uma pessoa informada sobre o assunto. A Fitch afirma que a Saudi Aramco planeja pagar por uma participação de 70% na Sabic "em prestações, no período 2019-02021".
A empresa realizará reuniões com investidores nos próximos dias, em cidades que incluem Londres, Nova York, Boston, Cingapura, Hong Kong, Tóquio, Los Angeles e Chicago. A Saudi Aramco está sendo assessorada por diversos bancos, como o JP Morgan Chase e o Morgan Stanley, na oferta de seus títulos.
O plano de emissão de títulos, a obtenção de uma classificação de crédito e a publicação dos primeiros excertos das contas da Saudi Aramco são parte das ambições do príncipe Mohammed, que controla a maior parte das alavancas do poder no reino e quer promover uma abertura de capital como parte de seus planos para preparar a Arábia Saudita para a era pós-petroleira. Mas sua ambição de obter avaliação de mercado de US$ 2 trilhões (R$ 7,8 trilhões) para empresa enfrenta oposição dos investidores mundiais, o que resultou no adiamento da oferta pública inicial.
Se ele atingir sua meta, a oferta arrecadaria o recorde de US$ 100 bilhões (R$ 389,6 bilhões), com a venda de 5% das ações da empresa, o que apequenaria o atual recorde de US$ 25 bilhões (R$ 97,4), estabelecido na abertura de capital do grupo chinês de varejo online Alibaba Group Holding, em 2014.
"A Saudi Aramco tem muitas das características de uma empresa padrão Aaa, com razão mínima entre dívida e fluxo de caixa, produção em larga escala, liderança de mercado e acesso, na Arábia Saudita, a uma das maiores reservas mundiais de hidrocarbonetos", disse Rehan Akbar, da Moody's. "Mas a classificação final se vê restringida pelo grau A1 dos papéis da Arábia Saudita, devido à forte interconexão entre a dívida nacional e a empresa".
Fonte: Folha SP