A Usiminas vive uma crise dentro de sua própria crise, e justamente em um momento de crise no Brasil. Os desafios da siderúrgica se acumulam e se sobrepõe.
A briga dos sócios controladores, a japonesa Nippon Steel & Sumitomo e o grupo ítalo-argentino Ternium-Techint, completa um ano neste mês, desde a súbito e barulhento afastamento da diretoria. Os japoneses tiraram os sócios da gestão, após alegarem pagamentos excessivos de benefícios à alta cúpula executiva.
De lá para cá, os números operacionais e financeiros, com a deterioração do mercado no país, tiveram piora relevante, conforme o Valor apurou. A deterioração vai se tornar mais evidente no balanço do terceiro trimestre e explica porque os sócios estão em silêncio há meses. Estão evitando movimentos bruscos. Se a Usiminas perder mais de seu valor pela piora dos fundamentos, o prejuízo é de ambos. Antes da agonia atual, a empresa já busca, sem sucesso, uma reestruturação interna.
A aparente calmaria não significa realinhamento entre os acionistas. Só a suspensão de atos dramáticos e o foco nas operações.
Nippon Steel considera possível compra de 12% da CSN; Ternium avalia ir à Justiça pedir fim de acordo de acionistas
Em outubro, os dois principais nomes dos acionistas - Paolo Rocca, da Techint, e Kosei Shindo, da Nippon Steel - devem se encontrar em Chicago, nos EUA, no começo de outubro, durante congresso da Worldsteel. É meio de caminho para ambos e território neutro para uma conversa sobre o que pode ser feito diante das discordâncias e da falta de confiança recíproca que se criou.
Na falta de um caminho claro, a Ternium está pronta para brigar pelo fim do acordo de acionistas na Justiça, apurou o Valor.
É típico que conflitos societários tenham um clímax nas tensões antes da solução definitiva. Medidas fortes acabam, por vezes, provocando a construção de uma saída. O acordo foi firmado em 2011, quando o grupo ítalo-argentino entrou no bloco de controle da Usiminas ao pagar R$ 5,1 bilhões, equivalente a R$ 36 por ação ON.
O dilema atual - e argumento à Justiça - seria justamente o fato de o contrato não oferecer formas para lidar com diferenças de opinião. Na falta de consenso dentro do bloco de controle, os votos dessa maioria no conselho de administração são todos contrários. O avanço e as decisões ficam evidentemente comprometidos.
Para a Ternium, a empresa tem sofrido pela ausência do exercício do controle. Ninguém estaria no comando de fato. E o acordo têm vida longa: dura até 2031. Sua dissolução - ainda que temporária, por liminar - daria à Ternium uma posição mais confortável. O grupo tem 37,8% do total das ordinárias após comprar cerca de 10% da Previ (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil).
A Nippon detém 29,45%. Nesse cenário, as ações em bolsa e a fatia de 12% do capital votante detida pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) ganhariam importância. Segundo o Valor apurou, os japoneses têm conversa com a CSN, que colocou a fatia à venda. Procurada, a Nippon Steel não se pronuncia sobre o assunto.
O valor de mercado da empresa reflete o problema. Desde o fim de agosto de 2014, antes da troca na direção, já perdeu R$ 800 milhões de sua capitalização em bolsa - de R$ 7,9 bilhões para R$ 7,1 bilhões.
A avaliação total só não é pior porque as ações ordinárias (ON) compensam parte da perda das preferenciais (PNA). Nesse período, as PNA caíram quase 75%, para R$ 3,46. Já as ON subiram 40%, para R$ 10,50 - na máxima, chegaram perto de R$ 23, à espera de que restasse só um dos sócios no controle.
Desde o fim de 2014, a Usiminas rompeu dois de seus seis compromissos financeiros com credores. A empresa vem recebendo o perdão ("waiver", no jargão financeiro") por estar com a relação entre a dívida bruta e o Ebitda (lucro antes de juros, depreciação e amortização) fora do parâmetro de segurança estabelecido. No fim de junho, também a equação entre a dívida líquida e o Ebitda estourou o limite e foi igualmente perdoada.
Ultrapassar esses limites contratuais, chamados de "covenant", dá ao financiador o direito de antecipar o vencimento da dívida e pedir seu pagamento imediato. Nenhum credor tem interesse nisso agora - daí os perdões sucessivos, ainda mais na atual conjuntura do país. Execuções ocorrem em situações sem qualquer espaço para melhoria ou reestruturação.
No fim de junho, a Usiminas tinha R$ 7,6 bilhões de dívidas totais - ante R$ 6,7 bilhões doze meses antes. O caixa estável em R$ 2,9 bilhões fez a dívida líquida subir no mesmo montante, de R$ 3,8 bilhões para R$ 4,7 bilhões.
O Ebitda recorrente do semestre, porém, está pela metade: caiu de R$ 1,2 bilhão para pouco mais de R$ 500 milhões, na comparação até junho entre 2015 e 2014. Considerando o período de 12 meses até junho, a relação sobre Ebitda recorrente, da dívida bruta, estava em 6 vezes e, da líquida, em 3,7 vezes. Os parâmetros usados pelos credores não são conhecidos.
No terceiro trimestre, não há medição para verificar cumprimento de "covenants". Mas o horizonte para dezembro preocupa.
As principais cadeias de clientes da Usiminas sofrem forte retração e vivem suas crises particulares - como construção, indústria automobilística, linha branca e máquinas e equipamentos, sem contar o grave dilema dos estaleiros à espera de uma solução para Sete Brasil.
A fotografia nada animadora tem feito a Ternium segurar seus planos mais duros sobre como lidar com a crise societária.
O Valor apurou que o lado oriental do controle não espera disputa pelo fim do acordo. Além disso, se diz convicto da força do acordo, sem espaço para anulações ou cancelamentos.
As conversas entre os sócios são até frequentes, mas nada avança para uma negociação efetiva. Já houve duas tentativas de compra e venda e duas de revisão de acordo. Tudo frustrado.
Nippon e Ternium não conseguem sequer estabelecer um caminho comum para se engajarem. Na Usiminas desde 1956, a Nippon não tem intenção de sair agora. E, se sim, cobraria fortunas.
A Ternium, por sua vez, não quer dar meia volta e amargar um grande prejuízo. Pelo dólar da época, a ítalo-argentina pagou US$ 19,35 por ação ON da Usiminas. Ao câmbio atual, tal valor só seria recuperado com a ação acima de R$ 70 - o valor nada razoável é quase sete vezes a cotação em bolsa atualmente.
Os caminhos alternativos que cada lado gostaria não prosperam.
A Nippon queria adotar um regime de alternância de poder, o que a Ternium descarta por completo. Os ítalo-argentinos preferiam negociar uma cláusula de saída no acordo de acionistas, para situações como a atual - o que os japoneses julgam impossível justamente pelo cenário vigente.
Fonte: Valor Econômico/Graziella Valenti e Ivo Ribeiro | De São Paulo
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