Um dos mais tradicionais polos de produção de aço do país amarga os efeitos de uma crise tripla. Os problemas recentes do chamado Vale do Aço, em Minas Gerais, começaram quando o grupo do empresário Eike Batista começou a fraquejar. A situação se agravou com a Operação Lava-Jato, envolvendo a Petrobras, e, em seguida, com o aprofundamento da retração da economia.
Empresas locais vêm cortando empregos e algumas já fecharam as portas. Investimentos foram engavetados, a arrecadação pública caiu e a companhia que sempre foi o motor da região, a Usiminas, põe a população em suspense. O medo é que ela inicie uma temporada de demissões após desligar um de seus fornos na região e ter proposto redução de salário e de jornada para parte da sua mão de obra.
Ipatinga, a "capital" do Vale do Aço, região que abrange quatro municípios no leste de Minas Gerais (ou mais, dependendo do critério), é a que mais sente o golpe.
A história da industrialização de Minas Gerais e do Brasil tem relação com a história da empresa na cidade. A Usiminas foi criada como parte do plano de desenvolvimento do presidente Juscelino Kubitschek. Mas coube a João Goulart, em 1962, ver o início das operações da siderúrgica. Nos anos iniciais, a empresa não fez apenas aço, fez parte da própria cidade. Bairros inteiros, além de escolas, hospital, clubes, praças e outras obras têm assinatura da empresa. A siderúrgica tornou-se um ímã para uma variedade de empresas do setor metal mecânico, que prosperou junto com ela.
De símbolo de uma época, a Usiminas passou a ser a maior produtora de aço plano da América Latina, um tipo de produto usado por montadoras de automóveis e fabricantes de autopeças e também em obras de infraestrutura. Só em Ipatinga, ela emprega cerca de 6 mil pessoas. A cadeia da Usiminas é a maior empregadora da cidade. No Brasil, só dela são 20 mil funcionários.
Na vizinha Timóteo, outra importante siderúrgica, a Aperam, maior produtora de aço inox da América Latina, com sede em Luxemburgo, também tenta absorver os efeitos da apatia da economia. A cerca de 70 km de Ipatinga, em João Monlevade, há uma usina de aço da ArcelorMittal.
A crise do setor chegou ao Vale do Aço de uma forma muito particular. Os empresários do setor metal mecânico, além de tradicionalmente atenderem a Usiminas e também a empresas de mineração, haviam diversificado seus clientes. Na década passada, investiram, treinaram mão de obra e começaram a produzir peças para a indústria naval.
A região foi a única de um Estado sem mar que a Petrobras selecionou como polo industrial para a cadeia da construção de navios. Ou outros estão no Rio Grande do Sul, Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Embalados pelo entusiasmo com o pré-sal, os mineiros de Ipatinga passaram a fabricar blocos de navios e outras partes demandadas pela indústria do petróleo. Um dos novos e promissores clientes do Vale nesse setor foi o grupo do empresário Eike Batista.
"O ramo siderúrgico tinha entrado em estagnação e em 2008 começamos a trabalhar para o setor naval. Mesmo com os custos com transporte, ganhamos competitividade quando o governo de Minas reduziu a zero o nosso ICMS", lembra Flaviano Gaggiato, de 59 anos, diretor-presidente da Viga, uma das maiores empresas de metal mecânica do Vale do Aço, sediada em Santana do Paraíso.
Poucos apostam que a Usiminas volte a ser, no médio prazo, o motor acelerado que já foi da economia da região
A Viga acumulara experiência fabricando peças e fazendo serviços para a Usiminas desde os anos 70. Investiu cerca de R$ 4 milhões para se ajustar e começar a fazer blocos de cascos de navio e outras partes e fez sucesso no novo ramo. Entre seus clientes, os estaleiros Atlântico Sul, São Miguel, ETP e o OSX, este de Eike. Em 2011, ano de bonança, a Viga faturou cerca de R$ 30 milhões - quase R$ 12 milhões com a indústria naval. Tudo ia bem até que o grupo de Eike começou a desmoronar.
"No nosso pátio, temos ainda hoje 54 colunas de flotação que iriam para a OSX. Recebemos só uma parte do pagamento [a empresa Eriez foi que tratou o pedido com a Viga] e não concluímos o serviço". A pendência foi para a Justiça. Este ano, a Viga deve faturar de R$ 12 milhões a R$ 15 milhões. A parcela do setor naval dificilmente chegará a R$ 3 milhões.
Assim como a Viga, outras empresas de Ipatinga também sentiram o rebate do grupo X. E quando imaginavam que outros estaleiros segurariam a demanda, veio a segunda onda: a operação Lava-Jato da Polícia Federal, que começou a desbaratar um mega esquema de propinas envolvendo grandes construtoras do país e a Petrobras.
"Desde outubro, diversos estaleiros deixam de pagar os fornecedores. Isso afetou a gente demais", diz Jeferson Coelho. Sócio-diretor da indústria mecânica Líder, empresa de Ipatinga, ele vendeu para estaleiros no Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia e Santa Catarina. "A minha empresa abriu uma filial em Recife no ano passado e agora vamos encerrar as atividades lá", disse. O estaleiro local simplesmente deixou de pagar, diz ele.
Coelho teve um papel de articulador do setor metal-mecânico do Vale e alimentou a ideia de as empresas entrarem em negócios alternativos e novos aos de Usiminas, Aperam e ArcelorMittal.
Essas empresas âncoras, com destaque para a Usiminas, continuaram, no entanto, sendo demandante de mão de obra, de serviços, peças etc. Mas com a indústria de carros enfrentando uma retração de mais 20%; e a de caminhões e ônibus, de 50%, e com uma economia que, segundo o Boletim Focus, deve encolher 1,45% este ano, a Usiminas diminuiu seu ritmo. Além do alto-forno de Ipatinga (do total de três) fechou outro em Cubatão (SP). Com produção menor, caiu a demanda por peças e serviços.
"O problema é que, de repente, mudou tudo", diz Luciano Araújo, coordenador regional da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). "A região sempre dependeu muito da Usiminas. E quem não foi para a indústria naval e de petróleo a gás e continuou aqui com a siderurgia, enfrenta grande retração da demanda."
A mistura do fracasso da petroleira e do estaleiro de Eike com a Lava-Jato e a fraqueza da indústria do aço, mais a retração da economia do país, já provocou 1.500 demissões, ou 15% das vagas, no setor metal-mecânico no Vale do Aço, estima Jeferson Coelho, da Líder. A empresa cortou 30%. Já a Viga, quase 40% em um ano, restando 140 empregados. A Aço Vale, de Timóteo, cortou 30%, e está com 20.
Para uma região tradicionalmente rica e que esbanjou empregos nesse segmento, é uma guinada. De janeiro a maio, a prefeitura de Ipatinga arrecadou R$ 61 milhões em ICMS, R$ 8,5 milhões a menos do que o valor de igual período do ano passado.
Empresários do Vale do Aço se apegam à ideia de que a indústria naval e de óleo e gás se recuperará e que a região voltará a ficar aquecida. O atual presidente do sindicato das empresas metal mecânica da região (Sindimiva), Carlos Afonso de Carvalho, estuda com seus pares o mercado da agroindústria. Outra opção à vista é o setor de energia elétrica.
Mas poucos parecem apostar que a Usiminas volte a ser, no médio prazo, o motor acelerado que já foi da economia do Vale do Aço.
Fonte: Valor Econômico/Marcos de Moura e Souza | De Ipatinga (MG)
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