Criadas na década passada com objetivo de viabilizar investimentos em serviços públicos, as parcerias público-privadas (PPPs) têm ainda hoje um grau incipiente de implementação no Brasil, em particular em nível federal, a despeito de suas reconhecidas vantagens. O valor total das PPPs já firmadas, de cerca de R$ 23 bilhões, representa apenas 0,55% do Produto Interno Bruto (PIB), muito pouco quando se sabe que 3% é a média do investimento necessário apenas para manutenção da infraestrutura.
Com organização direta do governo federal, existe apenas uma PPP em andamento, além de quatro projetos em fase de análise. Já os Estados montaram 17 PPPs, com destaque para estádios de futebol (cinco), saneamento básico, rodovias, complexos prisionais, centros administrativos e sistemas metroviários, todos com dois cada, enquanto os municípios têm 30 projetos em andamento ou em formatação. Somados, os contratos estaduais já firmados representam R$ 14,7 bilhões. Em nível municipal, destaca-se o Porto Maravilha, na cidade do Rio de Janeiro, no valor de R$ 8 bilhões.
São várias as razões para o baixo uso das PPPs, a começar pela falta de um marco regulatório robusto e claro. A publicação prévia pelos governos dos manuais e parâmetros sobre as decisões a serem tomadas pelos gestores públicos, como ocorre em vários países, tornaria o processo mais ágil e eficiente. Embora viesse a limitar a autonomia do gestor, evitaria idas e vindas excessivas dos editais e poderia reduzir a frequência dos questionamentos pelo setor privado, pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Contas.
O valor total das PPPs firmadas, próximo de R$ 23 bilhões, representa apenas 0,55% do PIB
Outro problema é o valor mínimo de R$ 20 milhões para estruturação de uma PPP. É certo que o limite evita a banalização, uma vez que a lei visa projetos de infraestrutura de grande porte. Mas também limita a aplicação do instrumento por Estados e municípios, uma vez que a ordem de grandeza dos projetos e empreendimentos levados a efeito no âmbito federal é consideravelmente maior que a da maioria dos demais entes federativos.
Também falta criatividade no uso de recursos federais para estimular as PPPs em nível estadual e municipal. O governo poderia estimular os investimentos em infraestrutura caso desenvolvesse uma política de distribuição dos investimentos federais vinculada à celebração de PPPs pelos Estados. Dessa forma, incentivaria projetos também em setores em que a participação privada é menos tradicional - como sistema prisional, hospitais, centros administrativos e habitação. Além disso, reduziria os incentivos para propostas com visão de curto prazo, melhoraria a qualidade dos projetos básicos e capacitaria os Estados para analisar custos e investimentos globais.
À União caberia estabelecer o modo como os Estados poderiam pleitear os recursos vinculados às PPPs. Teria, assim, um papel mais ativo no estabelecimento de modelos de contratos, de editais, de qualificação técnica, de qualificação econômico-financeira, de indicadores de desempenho, de curva de amortização e depreciação dos ativos em função do montante de investimento demandado, entre outros pontos. A eficácia desse modelo foi comprovada em experiências internacionais, em particular nos Estados Unidos e no Canadá.
De acordo com o instituto PPP Brasil, existem medidas tão importantes quanto alteração ou criação de leis, mas de fácil implementação, uma vez que independem de alterações normativas, como a descentralização de recursos vinculadas à celebração de contratos de PPPs. A União faria programas de repasse de recursos vinculados ao compromisso de os Estados usarem as PPPs como veículo para a realização dos investimentos. Seria um incentivo para o desenvolvimento de um banco nacional de projetos de infraestrutura, que competiriam pelos recursos federais. Os Estados poderiam desenvolver políticas semelhantes em relação aos municípios com maior capacidade institucional.
No que diz respeito à transparência das informações, a criação de relatórios de fiscalização e de indicadores de desempenho, disponíveis em meio eletrônico, permitiria acompanhar a evolução das etapas de construção, os valores das contraprestações e dos ativos no tempo. Sugere-se ainda a instituição de novas cláusulas ao longo do tempo que acompanhem tendências de celebração de contratos. Um exemplo são as cláusulas de saída ("exit/bail-outoptions"), fórmula matemática para determinar eventuais compensações recíprocas entre as partes quando do término antecipado do contrato.
Outra medida refere-se a uma etapa anterior à licitação para estruturação da PPP, na qual as concorrentes elaboram estudos técnicos e financeiros. A empresa ou o consórcio de empresas que apresente estudos técnicos e financeiros relativos à PPP da qual deseja participar, caso não vença o processo licitatório, poderia ter ressarcidos os custos relativos à elaboração dos estudos pelo vencedor.
O incentivo às PPPs poderia vir finalmente de mudanças na legislação, como a proposta do deputado federal Arnaldo Jardim (PPS/SP) que altera a Lei Federal 11.079/2004 com o objetivo de aprimorar as regras que regem as PPPs, estimulando assim o seu uso como forma de ampliar os investimentos em infraestrutura. Entre as mudanças propostas, destacam-se a inclusão de obrigações de PPPs de Estados e municípios no Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas (FGP); a vinculação de receitas tributárias diretamente arrecadadas e provenientes de transferências constitucionais como contragarantia; e a redução a zero da Cofins e do Pis/Pasep incidentes sobre a contraprestação ou indenizações pagas no âmbito dos contratos de concessão.
Mauro Viegas Filho é presidente da Associação Brasileira de Consultores de Engenharia (ABCE).
Fonte: Valor Econômico/Genilson Araújo/Agência O Globo
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