Produzir ferro-gusa é o negócio da família de Gustavo Costa Paulino desde os anos 70. Foi nessa época que seu pai, Afonso Paulino, fundou com sócios uma siderúrgica no município de Sete Lagoas, a noroeste de Belo Horizonte. Os primeiros clientes eram empresas de São Paulo e Santa Catarina. Mas logo o ferro-gusa da Siderúrgica Paulino (Siderpa) começaria a ser exportado para os EUA e Europa. A empresa passou de 60 funcionários para cerca de 500, ganhou altos-fornos mais potentes - passando a ter um com capacidade para produzir 7 mil toneladas e o outro para 11 mil. Como todo o setor, os Paulino passaram pelas oscilações que são a marca registrada da indústria de gusa e, como todo o setor, chegaram a 2008 com a produção beirando os 100% de sua capacidade.
Mas então veio a crise financeira mundial. A Siderpa parou de abril a outubro de 2009. Foi a primeira paralisação desde 1970. Quando voltou a operar, retornou só com um dos fornos, o menor.
Com câmbio desfavorável, com apetite externo reduzido e com custos do carvão e do minério de ferro nas alturas, o setor ficou de cabeça para baixo. A maior parte das empresas não se recuperou do tombo. E produzir gusa é hoje um negócio duvidoso. "Nos últimos anos, passou a valer mais a pena produzir e vender carvão vegetal do que ferro-gusa", diz Gustavo Paulino, superintendente comercial da Siderpa.
Com as grandes economias patinando e horizonte de mais crise, as perspectivas para o gusa são nada positivas
Ferro-gusa é o primeiro estágio de transformação do minério de ferro. Ele é produzido a partir da fusão entre o minério de ferro bruto e o carvão, além de calcário e outros materiais fundentes, em fornos que passam dos 1.300 graus Celsius. Os lingotes de gusa são usados por aciarias (que o beneficiam para produzir aço) ou por empresas de fundição que agregam outros materiais para fabricar peças fundidas, por exemplo, de motores de carro. Como gostam de dizer os produtores, com gusa se faz de alfinete (que é de aço) a motores de navio e turbinas (que são fundidos).
Minas Gerais, com suas 64 usinas de gusa é o maior produtor do país. Responde por cerca de 60% da produção nacional. O Brasil não importa ferro-gusa. Ao contrário, é um grande exportador.
Em 2007, antes da crise encolher a indústria, as usinas do Estado empregavam direta e indiretamente 50 mil trabalhadores. Naquele ano, a produção chegou a 5,5 milhões de toneladas. Em 2011, as usinas de Minas empregam menos da metade de trabalhadores do que há quatro anos e deverão fechar o ano produzindo 3,5 milhões de toneladas, segundo estima o Sindicato da Indústria do Ferro no Estado de Minas Gerais (Sindifer). O faturamento esperado para este ano é de cerca de R$ 4 bilhões, ante os quase R$ 6,5 bilhões de 2007. Cidades que cresceram nas últimas décadas com o impulso da economia guseira se desorganizaram. Sete Lagoas, por exemplo, viu de repente 4 mil trabalhadores na rua.
"É um setor que está agonizando", diz Sebastião Maciel, porta-voz da Itasider, outra siderúrgica de gusa com sede em Sete Lagoas. "Desde a crise, todos os cinco fornos das usinas estão abafados porque não vale a pena, você paga para produzir." Dos cerca de 800 funcionários, sobraram uns 60.
Vários "guseiros" de Minas Gerais estão desde a crise de 2008 parados, como a Itasider. Outros conseguiram voltar a operar, mas apenas com parte de sua capacidade. Todos eles foram vítimas de uma sequência desastrosa de ocorrências.
O que, em resumo, atropelou o setor foi: os produtores de gusa de Minas e também os do norte do país tinham uma grande dependência do mercado externo, em particular dos EUA e da Europa - mercado que minguou. Sem tanto apetite desses dois compradores, o mundo passou a ter excesso de aço e isso enfraqueceu ainda mais a demanda por gusa.
Ao mesmo tempo, com os preços do minério de ferro e do carvão nas alturas - muito em função da demanda chinesa -, as margens de ganho dos produtores de gusa despencou. Ferro e carvão são os elementos chave dos guseiros. E para coroar o desastre, o câmbio minou as energias do setor que, em Minas, exportava metade do que produzia.
Em setembro, veio a primeira boa notícia em anos: o dólar voltou a se valorizar frente ao real. "O problema do gusa é o câmbio. Rússia e Ucrânia, por exemplo, que também são produtores, mantêm suas moedas desvalorizadas e se protegem", disse Antonio Pontes, outro empresário do setor, há décadas no ramo. Para o Sindifer, com o dólar na casa de R$ 1,70 a R$ 1,80, o setor consegue ao menos equilibrar as contas mesmo com um mercado ainda desaquecido.
"Nos últimos três anos, trabalhamos com rentabilidade zero ou algum prejuízo; isso ocorreu com todos nós. Só subsistimos baixando os custos e cortando pessoal ", diz Pontes numa sala de reunião da sede de sua empresa, o grupo Calsete, em Sete Lagoas. "Do mês passado para cá, com o dólar mais alto, passamos a ter uma rentabilidade de 8%", afirma.
O clima, no entanto, ainda é de cautela, com muitos produtores se perguntando se a taxa de câmbio de fato se manterá mesmo num patamar mais elevado. Não só isso: com as grandes economias do mundo patinando e com um horizonte de novas recessões, as perspectivas para o gusa parecem nada positivas.
"Não estamos vendo uma mudança muito grande no patamar de câmbio [que vinha vigorando antes da alta] e ao mesmo tempo há uma tendência de queda nos preços internacionais de gusa devido à redução global do consumo de aço", prevê Pontes.
"Para as usinas de ferro-gusa não integradas [aquelas que não pertencem a empresas que atuam em toda a cadeia do aço], as perspectivas não são favoráveis", diz ele. Para as usinas integradas, a situação é melhor porque o custo do gusa na fabricação do aço não é tão significativo quanto é o custo do minério e do carvão para as siderúrgicas que só fabricam gusa, acrescenta Pontes.
O empresário deixou de produzir ferro-gusa na usina de Sete Lagoas e passou a fazê-lo no município de Bacabeiras, no Maranhão. Foi uma permuta de ativos com o grupo Gerdau. Para Pontes, que vende 85% de sua produção para os EUA, a mudança reduziu as distâncias entre a planta e seus clientes.
Mas a crise o alcançou no Maranhão. Sua nova usina ficou parada praticamente todo o ano de 2008 e retomou as operações com apenas um de seus dois fornos. Seu faturamento desmoronou de R$ 120 milhões antes da crise para atuais R$ 50 milhões. "Ferro-gusa não é um grande negócio. Não tem muita rentabilidade porque os insumos são muito caros", resume.
Os custos do carvão aumentaram para 65% na fabricação de gusa; os do minério representam 20%, segundo estimativas do setor. Hoje a tonelada do carvão (tipo vegetal) já está em torno dos R$ 300; a de minério, R$ 150.
No fim de 2008, Pontes começou a diversificar seus negócios. Associou-se à BR Malls como minoritário na construção de um shopping (o primeiro e único) em Sete Lagoas. E passou também a investir em reflorestamento.
É o que também fizeram os Paulino, da Siderpa. Formaram uma floresta de eucaliptos de 20 mil hectares em uma área que abrange seis municípios da região centro-norte de Minas. Trata-se de uma fonte valiosa de carvão vegetal. Entre os produtores de gusa de Minas Gerais, uma visão que parece estar se tornando consensual é que se há alguma luz no fim do túnel para os produtores não integrados ela passa necessariamente pela aquisição e formação de florestas para que possa garantir uma fonte sustentável de carvão. O problema é que na época das vagas gordas, muitos acharam que isso não era prioridade. Agora, descapitalizados, quantos poderão fazer investimentos em florestas?
Uma lei estadual sancionada em 2009 estabelece que a partir de 2017 fica proibido o corte de mais de 5% da floresta nativa de cada propriedade para a produção de carvão. "Nós investimos com mais intensidade em floresta desde 2000. Mas ainda se conta nos dedos que tem plantação própria", diz Gustavo Costa Paulino. Com resultados, a Siderpa, segundo ele, atualmente só usa carvão próprio e ainda vende o excedente.
O setor do gusa tem um passado que o condena quando o assunto é carvão. Por décadas se abasteceu de carvão de fontes ilegais, produzidos a partir da derrubada indiscriminada de matas nativas. "Pelo tamanho do parque siderúrgico, Minas sempre consumiu muito carvão, que vem da Bahia, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Maranhão e também do norte de Minas", diz Alison José Coutinho, superintendente do Ibama em Minas Gerais.
E se há ao menos um aspecto positivo relacionado à decadência do ferro-gusa em Minas Gerais, ele aparece nos resultados dos trabalhos de fiscalização da equipe de Coutinho. "Com o setor operando mais lentamente, o consumo de carvão ilegal diminuiu", diz ele. "Quem comprava de fontes clandestinas, passou a comprar de fornecedores legais porque a oferta de carvão aumentou. É uma lei de mercado."
Fonte: Valor Econômico/Marcos de Moura e Souza | De Sete Lagoas e Belo Horizonte
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