Retração nas vendas internas e no consumo aparente, demissões de funcionários, desligamento de alto-fornos e aciarias. O retrato da indústria siderúrgica em 2015 encontra, guardadas proporções, semelhança com o 2009 pós-colapso econômico global, quando seis alto-fornos foram fechados e os principais indicadores do segmento tiveram quedas de dois dígitos. "Mas a situação econômica era melhor e as medidas anticíclicas para ativar o consumo e turbinar o crédito levaram a uma rápida recuperação", diz o CEO da ArcelorMittal Brasil, Benjamin Baptista Filho. "O que vivenciamos agora, ao que tudo indica, nos acompanhará por um período ainda longo", completa Marco Polo de Mello Lopes, presidente-executivo do Instituto Aço Brasil.
Os fatores que levam o setor a enfrentar seu momento mais desafiador em meia década são divididos em dois blocos, um conjuntural e um estrutural, na opinião de Lopes. Entre os fatores conjunturais, a desaceleração da atividade econômica, os efeitos do ajuste fiscal e a perspectiva de uma retração de 1,5% no PIB em 2015 assumem o papel de vilões da vez. E a maneira mais simples de detectar esse protagonismo é observar como se comportam os principais demandantes de aços longos e planos das usinas brasileiras: o segmento automobilístico, os fabricantes de máquinas e equipamentos e a construção civil.
"Com os três segmentos, falamos em 80% do consumo de aço no Brasil. O desempenho de todos é bastante ruim", diz Lopes. De fato. A produção nacional de veículos registrou retração de 17,5% no acumulado de janeiro a maio, na comparação com igual período de 2014, mostra a Anfavea, a associação dos fabricantes. A Abimaq, que congrega os fabricantes de máquinas e equipamentos, já prevê nova redução de consumo aparente, após o recuo de 14,4% em 2014. "As projeções de mercado seguem apontando para um cenário desafiador. O segundo semestre não apresenta mudanças significativas em relação ao primeiro e acredito que a recuperação da demanda do mercado interno ocorra em 2016", diz André B. Gerdau Johannpeter, diretor-presidente da Gerdau.
A construção civil, por sua vez, convive com um momento de queima de estoques e represamento de lançamentos nos ramos residencial e comercial em um momento de financiamento escasso e do novo ciclo de aperto monetário. "As grandes obras também estão praticamente paradas, reflexo dos gastos menores do governo e das investigações da Operação Lava-Jato. Com a demanda mais fraca, os distribuidores de aço tiveram, em maio, o maior nível para giro de estoque desde dezembro de 2010", diz Wermeson França, analista da consultoria LCA.
A demanda arrefecida desses e outros setores - linha branca e embalagens industriais, por exemplo - ajuda a compor a queda de 13,6% nas vendas internas de produtos siderúrgicos no acumulado dos cinco primeiros meses do ano, para 8,2 milhões de toneladas. Outro indicador que mede o nível de demanda junto às siderúrgicas também apresenta desempenho negativo no intervalo. O consumo aparente, que agrega às vendas internas as importações por consumidores e distribuidores, recuou 10,9% no período. "É preciso ponderar que a queda desse indicador só não foi maior porque as importações continuam crescendo", diz Baptista Filho, da ArcelorMittal.
Dados do Aço Brasil apontam que as importações de produtos siderúrgicos somaram 1,7 milhão de toneladas de janeiro a maio, acréscimo de 4,9% ante igual período do ano passado. O desempenho aponta para uma leve desaceleração no ritmo verificado até 2014, ano em que as compras externas avançaram 7,4%, um refresco ocasionado pela combinação de demanda interna fraca e real desvalorizado. Ainda assim, é consenso que as importações são a segunda variável conjuntural que explica a perda de competitividade das siderúrgicas em anos recentes.
Há pouca margem para discussão, também, que o país que mais causa "danos" ao Brasil é a China. Números do instituto mostram que, em 2000, o país importou 12 mil toneladas de produtos siderúrgicos chineses, o equivalente a 1,3% das compras brasileiras da categoria. No ano passado, a participação de Pequim na pauta chegou a 52%, em um total de 2,1 milhões de toneladas de aço, montantes que compreendem apenas as importações diretas de aço. "Se somarmos também as indiretas, de produtos que contêm aço, fechamos 2014 com 8,7 milhões de toneladas importadas, o equivalente a uma Usiminas ", diz Lopes. Com empresas estatais fortemente subsidiadas e acusada de práticas predatórias no comércio internacional, a China responde por 425 milhões das 700 milhões de toneladas que ajudam a construir um cenário de sobrecapacidade global de aço.
Às questões conjunturais soma-se um segundo rol de causas, de caráter estrutural, que ajudam a explicar o mau momento das siderúrgicas - em última análise, da própria indústria brasileira de transformação. Um diagnóstico batizado pelo Aço Brasil como "perda da competitividade sistêmica". "São problemas que já estavam na pauta em outros anos, como o custo da energia elétrica, da mão de obra e as questões tributárias, agora agravados pelo fraco desempenho dos setores demandantes de aço", resume o analista da Tendências Consultoria, Felipe Beraldi.
O peso do "custo Brasil" foi captado em uma pesquisa que comparou a competitividade do país com dez países produtores. "O resultado é que, por conta de todos esses fatores, além de juros altos e da burocracia, captados no estudo que encomendamos, as siderúrgicas brasileiras têm custo, em média, 24% superior ao dos concorrentes", afirma o CEO da ArcelorMittal Aços Longos América Central e do Sul, Jefferson De Paula.
Em termos de utilização da capacidade instalada, as usinas brasileiras operam pouco abaixo de 70%. Nos últimos 12 meses até maio, 11.188 funcionários foram demitidos e outros 1.397 tiveram os contratos suspensos. Atualmente, são 20 unidades desativadas ou paralisadas, incluindo dois alto-fornos e quatro aciarias.
Fonte:Valor Econômico/Felipe Datt | Para o Valor, de São Paulo
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