Enquanto muitas fábricas americanas e europeias transferiram a produção para países com mão de obra barata na Ásia e na América Latina nos últimos anos, a gigante industrial britânica Rolls-Royce PLC foi na direção contrária. A empresa é atraída para locais com altos salários.
A fornecedora de turbinas tem fábricas no Reino Unido, nos Estados Unidos e na Alemanha, onde comprou recentemente uma fabricante de motores por mais de US$ 2 bilhões. Na Ásia, a Rolls-Royce tem como foco Cingapura, onde os salários são gigantes se comparados aos de países vizinhos. Mas poucos lugares podem competir com os custos operacionais de Alesund, uma cidade na costa norueguesa cercada de fiordes e atividades de pesca.
Aqui, uma lata de refrigerante custa cerca de US$ 4, um par de jeans comum é vendido por US$ 150 e os salários por hora são aproximadamente 75% mais altos do que a média da União Europeia. Ainda assim a Rolls-Royce comanda uma operação marítima rentável, apoiada em uma combinação de ciência, conhecimento local e uma equipe bem-paga que pode tirar proveito dos dois fatores.
Graças a fortes resultados em suas divisões de turbinas e energia, a Rolls-Royce está impulsionando a produção como nunca. Nos últimos cinco anos, as vendas da Rolls-Royce deram um salto de 55%. No primeiro semestre deste ano, a empresa teve lucro líquido de 842 milhões de libras esterlinas (US$ 1,3 bilhão), comparados com um prejuízo de 331 milhões de libras esterlinas um ano antes, devido a flutuações do câmbio.
A capacidade da companhia de defender seu espaço no brutalmente competitivo setor global de construção de navios oferece lições de como os fabricantes de economias "pós-industrializadas" podem enfrentar a ascensão de novas potências econômicas como a China. Embora a Rolls-Royce tenha se sobressaído ao focar-se em nichos de mercado, manter empregos fabris de elite em países de alto custo traz implicações mais amplas para economias ocidentais em crise.
A Rolls-Royce aposta que seus cérebros podem se equiparar aos músculos de competidores de baixo-custo. Mas a expansão agressiva da fabricante de turbinas enfrenta uma ameaça crescente. A empresa está com dificuldades para manter empregados altamente qualificados. Mesmo pagando muito bem, a Rolls-Royce tem de disputar talentos com muitos empregadores, entre bancos e empresas de software, muitos dos quais pagam até melhor. E em muitos países desenvolvidos, a empresa também lida com uma queda no número de estudantes de ciências, engenharia e matemática em busca de carreiras técnicas. Em Alesund, a Rolls-Royce foi forçada a oferecer benefícios como aulas de iatismo grátis para segurar empregados, além de realocar funcionários de outros países para preencher cargos técnicos.
Esses fatores podem reduzir a capacidade da Rolls-Royce de manter os empregos próximos à matriz. Dos mais de 6.000 candidatos recentes para a divisão de energia nuclear nos Estados Unidos e no Reino Unido, por exemplo, menos de 10% tinham a experiência necessária para pelo menos serem entrevistados, dizem representantes da empresa. "As qualificações exigidas para montar nosso negócio simplesmente não estão disponíveis na extensão e profundidade que necessitamos", disse Ken Fulton, diretor de recursos humanos para a unidade nuclear da Rolls-Royce.
Em resposta, a companhia está treinando centenas de novatos anualmente e fechou parcerias com 28 universidades no mundo todo. A Rolls-Royce também está abrindo filiais em regiões distantes, tais como a nova fábrica em Cingapura, onde a empresa há muitos anos faz a manutenção de motores de aviões.
Executivos dizem que a linha de montagem em Cingapura vai atender à crescente demanda na Ásia, permitir contato com uma nova rede de fornecedores locais e atrair mão de obra altamente qualificada. Mas a fábrica de bilhões de dólares, programada para entrar em operação em breve, também representa um grande salto. Pela primeira vez, a Rolls-Royce produzirá fora do Reino Unido uma de suas tecnologias de mais prestígio: pás de ventilador de turbinas feitas de titânio. Os componentes precisam ser fabricados em níveis de tolerância inferiores a um fio de cabelo, usando processos avançados ainda não encontrados na antiga colônia britânica. Para apoiar a Rolls-Royce, o governo de Cingapura está ajudando a treinar 500 novos empregados.
Investir em treinamento e ao mesmo tempo controlar os custos "é como andar numa corda bamba", disse o diretor-presidente, John Rishton, em entrevista recente. "Enfrentamos esses problemas a todo momento."
A falta de talentos está atingindo a Rolls-Royce na mesma medida em que os concorrentes estão se expandindo agressivamente em países com mão de obra barata. O grupo aeroespacial francês Safran SA opera filiais em Marrocos e na América Latina. A europeia Aeronautics Defence & Space Co. está fabricando jatos Airbus na China.
A General Electric Co., maior competidor da Rolls-Royce, em breve vai abrir um grande centro de pesquisa no Brasil para complementar laboratórios na China e na Índia. Em 2009, a divisão aeroespacial da GE criou uma joint-venture com a AVIC, uma empresa estatal chinesa, e com isso garantiu um papel importante no primeiro grande programa de fabricação de aviões da China. "Queremos participar, não apenas vender produtos na China", diz o porta-voz da GE Aviation, Rick Kennedy.
A Rolls-Royce, por outro lado, transferiu poucas posições de alta qualificação para mercados emergentes. Em vez disso, a empresa está entre um pequeno grupo de companhias, incluindo a Whirlpool Corp. e a Caterpillar Inc., que está levando cargos qualificados de volta à matriz ou mantendo em países ocidentais. A maioria desses fabricantes dá ênfase ao know-how e à eficiência de produção em vez do custo trabalhista.
Fabricar em casa evita um crescente problema para a maioria das grandes empresas na China e em outros mercados em desenvolvimento: a proteção da propriedade intelectual. Os principais executivos de empresas como as americanas GE e Microsoft Corp. e as alemãs BASF SE e Siemens AG criticaram a China por não proteger as informações de propriedade de empresas estrangeiras, custando a essas companhias bilhões de dólares. A Câmara Americana de Comércio da China revelou recentemente que 85% dos seus membros consideram a proteção de propriedade intelectual na China como ineficaz.
Representantes da Rolls-Royce se recusaram a discutir publicamente a proteção de propriedade intelectual na China, dizendo apenas que o foco da empresa são países que promovem investimentos. "Para ter uma engenharia complexa, de alto valor, é preciso uma boa fonte de pessoas qualificadas e apoio dos governos", disse Rishton.
Esse apoio é vital porque a China e a Índia estão treinando exércitos de engenheiros para ajudar grupos industriais locais a aumentar o valor de seus produtos. Com o avanço desses futuros concorrentes, a Rolls-Royce enfrentaria um enorme problema caso sua produtividade ou mão de obra diminuíssem. Esse risco se concretizou em 4 de novembro do ano passado, quando uma turbina da Rolls-Royce em um Airbus A380 explodiu num voo saindo de Cingapura. O superjumbo da Qantas Airways, com 466 pessoas a bordo, pousou sem problemas. Investigadores colocaram a culpa num pequeno defeito de fabricação. Um porta-voz da Rolls-Royce disse que "as lições foram aprendidas" e destacou que um incidente como esse ocorreu pela última vez em uma de suas turbinas em 1994. A Rolls-Royce informou que o incidente custou US$ 88,5 milhões.
Para ampliar sua competitividade, a Rolls-Royce está aumentando tanto a eficiência de suas fábricas como o valor de seus produtos. Na Noruega, por exemplo, a divisão marítima da Rolls-Royce está buscando oportunidades lucrativas na indústria de petróleo em alto mar, que precisa cada vez mais de equipamentos avançados para ajudar a encontrar e extrair petróleo escondido em águas ultra-profundas.
Ano passado, a Rolls-Royce completou a aquisição de US$ 350 milhões da ODIM ASA, uma fabricante norueguesa de equipamentos complexos para explorações no fundo do mar e outras atividades de difícil execução em águas profundas. Os equipamentos da ODIM complementam os motores da Rolls-Royce, permitindo à companhia oferecer uma variedade de máquinas caras que são encaixadas em cascos de navios comprados de outros produtores.
Ainda assim, a demanda por equipes especializadas que possam operar tal tecnologia supera a oferta na Noruega, o principal polo de construção de navios. A unidade de design de embarcações de alto mar da Rolls-Royce, sediada em Alesund, tem 20 vagas disponíveis entre 150 cargos, diz o gerente-geral Yrjar Garshol.
A Noruega é líder mundial na construção de navios de ponta em grande parte porque a operação em condições adversas no Mar do Norte e Ártico fez com que os donos de embarcações se tornassem particularmente exigentes. Mas o país também cobra pesados impostos que aumentam o custo de cada empregado para a Rolls-Royce, enquanto um sistema de previdência social elaborado complica as contratações e as demissões. A forte moeda norueguesa também corrói as margens de lucro.
A Rolls-Royce responde com a automação de algumas fábricas e com a terceirização da produção de itens de baixa importância. A empresa compra cascos de navios, que podem responder por apenas 40% do valor da embarcação, de estaleiros de países como China e Malásia. A Rolls-Royce também abriu unidades de design na Croácia e na China, que agora elaboram a maioria dos desenhos técnicos de rotina, enquanto especialistas na Noruega se encarregam da engenharia customizada.
A situação da Rolls-Royce é semelhante no Reino Unido. Cerca de 25% das empresas em busca de engenheiros experientes ou técnicos no Reino Unido têm dificuldade de preencher vagas, de acordo com uma pesquisa do Instituto Britânico de Engenharia e Tecnologia.
Muitos potenciais candidatos estão indo para o setor de finanças. Os salários iniciais em bancos de investimento e gestão de recursos no ano passado estavam aproximadamente 50% mais altos do que nos segmentos de engenharia e grupos industriais, segundo a Associação de Recrutadores de Formandos do Reino Unido. Manter nem que seja uma quantidade limitada de produção altamente qualificada em economias avançadas pode ajudar a conter o ciclo vicioso de êxodo industrial que atinge áreas dos EUA e do Reino Unido. Cada emprego fabril nos setores marítimo ou aeroespacial gera cerca de três empregos entre os fornecedores mais próximos, operações de manutenção e em serviços como design ou finanças, de acordo com estudos.
Até a crise econômica recente, muitas economias avançadas acreditavam que as indústrias de serviços, como tecnologia e finanças, poderiam compensar os empregos perdidos nas fábricas. Mas o efeito da criação de empregos de tais serviços é "efetivamente insignificante", diz John Bryson, professor de empresas e geografia econômica da Universidade de Birmingham, na Inglaterra.
O negócio de motores para aviões da Rolls-Royce, por exemplo, manteve uma rede de fornecedores na cidade industrial inglesa de Derby, onde em 1908 começou a produção do motor de veículos original Silver Ghost de Charles Rolls e Henry Royce.
Em poucos anos, a Rolls-Royce também estava fabricando turbinas para aviões e barcos. Mesmo com o crescimento das marcas de carros de luxo Bentley e Rolls-Royce, o coração do negócio se manteve como uma empresa de motores - e de engenharia. A produção de automóveis foi depois separada e a Rolls-Royce agora licencia suas marcas para montadoras.
A insistência da Rolls-Royce de manter base industrial da divisão marítima na Noruega tem um preço. Hoje, Garshol, da unidade de alto mar, diz que a escassez de empregados o forçou a recusar contratos avaliados em milhões de dólares e ocasionalmente dizer aos clientes que um projeto estava atrasado. "É muito difícil explicar aos clientes que vivem em regiões com desemprego", diz.
Fonte:Valor Econômico/Por Daniel Michaels | The Wall Street Journal, de Alesund, Noruega
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