Planejar a retomada da economia da Venezuela passa obrigatoriamente por repensar em como reerguer o setor petroleiro do país, depois de anos praticamente sem investimento. Especialistas ouvidos pelo Valor estimam que são necessários cerca de US$ 30 bilhões anuais para recuperar o ritmo de produção de 21 anos atrás.
Em 1998, quando o ex-presidente Hugo Chávez foi eleito, a Venezuela produzia 3,5 milhões de barris diários (b/d). Economistas privados estimam que a produção está em 1,1 milhão de b/d - menor nível em quase um século. Com as recentes sanções dos Estados Unidos ao petróleo venezuelano, a expectativa é que a produção caia 43% para 500.000 b/d, segundo a consultoria Oxford Economics.
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"A Venezuela é um país petroleiro. Recuperar o setor não é algo secundário. As sanções foram como uma adaga no coração, pois afetam a capacidade de produção, comercialização, investimento e exportação do país ", afirma Luis Vicente León, presidente da consultoria Datanálisis, em Caracas, ao observar que quanto mais tempo a Venezuela ficar sob sanções, maior será o desastre econômico e humanitário. "Um governo de transição terá de refundar o setor petroleiro, resgatar mercados, atrair investimentos e renegociar a dívida da estatal PDVSA."
José Toro Hardy, economista e ex-diretor da PDVSA, estima que seriam necessários de US$ 25 bilhões a US$ 30 bilhões anuais, durante um período de sete anos, para a Venezuela recuperar a produção que tinha em 1998.
Toro argumenta que a Agência Internacional de Energia estima que nos próximos 20 anos a demanda mundial por petróleo crescerá, mas a partir de 2040 a commodity começará a ser substituída por fontes renováveis. "Os países que podem aproveitar essa janela de oportunidade são os que têm reservas grandes. A Venezuela tem mais reservas do que México, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Argentina e Brasil juntos", afirma.
Com falta de investimento e manutenção, o setor petroleiro encolheu nas últimas décadas. Dos 50 mil poços que operavam na Venezuela, estima-se que entre 25 mil e 30 mil estejam paralisados, afirma Ivan Freites, da Federação Petroleira da Venezuela. Com tecnologia e investimentos necessários, ele acredita que seja possível recuperar 90% da produção dos poços, que costumam perder pressão com a falta de atividade.
Freites diz ainda que as refinarias na Venezuela hoje operam a 25% de sua capacidade instalada e somente uma delas processa gasolina - de um total de seis que o faziam. "Em 2018 produzimos uma média de 70 mil b/d de gasolina e outros 70 mil b/d de diesel. Há 20 anos, a produção média era de 450 mil b/d de gasolina e 400 mil b/d de diesel", diz, ao acrescentar que saques levaram à destruição de 40% das instalações petroleiras.
"A PDVSA hoje é a sombra do que um dia foi", avalia um economista que acompanha a situação da Venezuela e prefere não ser identificado. "A principal empresa de produção de petróleo do país foi quase que inteiramente destruída. Depois da greve petroleira de 2003, houve demissões massivas de altos e médios executivos, e o mandato da empresa foi estendido para além do negócio petroleiro, tranformando-a em um dos principais caixas, quando não executora, dos programas do governo", diz. "O resultado foi a degradação do corpo técnico, a fuga de cérebros, o sub-investimento em infraestrutura."
Entre 2002 e 2003, afirma Toro, o ex-presidente Hugo Chávez demitiu 20 mil trabalhadores da PDVSA, metade dos funcionários da estatal. Muitos foram trabalhar em países como Colômbia, México, Canadá, EUA, Kuwait e Emirados Árabes Unidos.
Com a Lei de Hidrocarbonetos, de 2001, o governo aumentou o imposto de renda sobre atividades com petróleo extrapesado de 34% para 50%, os royalties de 16% para 30% e estabeleceu que a PDVSA seria majoritária nas joint ventures com empresas privadas.
A equipe de Guaidó quer reverter medidas implantadas com a Lei de Hidrocarbonetos e chamar empresas que ainda estão na Venezuela, como a chinesa CNPC, Rosneft, Chevron e Repsol para apresentarem um plano de investimento para o setor.
"O setor, definitivamente, precisa de investimentos privados. Mas, para isso, são necessárias regras mais claras para os investidores", afirma Francisco Rodríguez, diretor da consultoria Torino Capital.
Segundo Rodríguez, algumas restrições teriam de ser flexibilizadas, como permitir que acionistas privados possam ter mais de 50% do capital das empresas mistas. "Também é preciso um esquema que garanta o direito de propriedade e permita que as companhias estrangeiras possam repatriar seus lucros. Sem isso, não vão conseguir atrair investimentos."
Fonte: Valor