A ArcelorMittal e a Posco estão liderando investimentos de US$ 80 bilhões na Índia que transformarão o país no segundo maior produtor de aço do mundo, roubando o posto do Japão. No meio do caminho estão agricultores e seus meios de fornecimento de água.
Os agricultores se recusam a mudar de terras irrigadas em três estados que possuem mais de metade das reservas de minério de ferro da Índia, material-chave na produção do aço. Isso bem frustrando as ambições do primeiro-ministro Manmohan Singh de mais que triplicar a capacidade de produção de aço da Índia para 232 milhões de toneladas métricas.
"Não permitiremos que o governo pegue as terras e a água e dê para a Posco", diz Prasanth Paikare, porta-voz do grupo Posco Prathirodh Sangram Samiti, que se opõe à medida e afirma representar 25 mil agricultores. "O governo nos prometeu terras em outros lugares, mas não existem terras boas disponíveis no estado e não haverá água suficiente para as plantações nessas terras", disse Paikare em Bhubaneswar, no estado de Orissa.
A preocupação dos agricultores com a água para suas plantações vem adiando os planos da ArcelorMittal, da Posco e de pelo menos cinco concorrentes que se beneficiariam do mercado siderúrgico, que cresceu mais de 55% desde 2005, depois que as importações indianas triplicaram no mesmo período. A proposta da Posco de construir uma unidade de produção de US$ 12 bilhões em Orissa está parada há cinco anos, porque a companhia da Coreia do Sul não consegue convencer os agricultores a abrir mão de suas terras.
"Os repetidos atrasos estão deixando os investidores preocupados com a capacidade da Posco de construir a unidade", disse Im Jeong Jae, que ajuda a gerenciar US$ 26,3 bilhões em ativos, incluindo ações da terceira maior companhia siderúrgica do mundo, na Shinham BNP Paribas Asset Management. "A Índia é importante porque tem o melhor potencial de crescimento da demanda por aço depois da China, e a Posco também pode suprir o país com minério de ferro e matérias-primas."
A produção de 160 milhões de toneladas de aço consumiria 640 bilhões de galões de água por ano
O mais recente obstáculo é um relatório do Ministério do Meio Ambiente, que será divulgado este mês, sobre o impacto do projeto da Posco. Desde que o estudo foi anunciado, o executivo-chefe da companhia, Joon Yang, disse que ela tem planos de investimentos para a Indonésia e o Vietnã, uma vez que ela está atrás do grupo siderúrgico chinês Baosteel Group.
A capacidade de produção de 160 milhões de toneladas de aço planejada para a Índia consumiria 640 bilhões de galões de água por ano, com base no consumo médio das siderúrgicas americanas apontado por um estudo do Departamento de Energia dos EUA. Isso é suficiente para abastecer com água potável 133 milhões de pessoas no Índia durante um ano, segundo números do governo.
O nível de consumo de água seria suficiente para produzir 1 milhão de toneladas de arroz por ano, que ao atual preço de US$ 299 a tonelada alcançaria 0,3% do valor do aço produzido e seria suficiente para alimentar 9 milhões de indianos por um ano, segundo estimativas da Food and Agriculture Organization das Nações Unidas.
"A Posco quer nossas terras e nossa água", diz Makar Kandi, 75 anos, que sustenta oito pessoas com um lote de 4.000 metros quadrados na vila de Dhinkia, estado de Orissa, onde cultiva bétel (um tipo de pimenta). "A Agricultura é nosso único meio de subsistência. Sem ela, não temos como sobreviver."
A Índia aumentou sua produção anual de aço em 34 milhões de toneladas de 2005, comparado aos 219 milhões de toneladas da China, a maior produtora mundial.
Uma tonelada de bobina de aço enrolado a quente, uma referência do setor siderúrgico, é vendida por cerca de US$ 685, ante US$ 299 a tonelada de uma variedade comum de arroz na Índia.
A ArcelorMittal, maior siderúrgica do mundo, enfrenta atrasos na construção de uma unidade de produção de US$ 10 bilhões em Orissa e no estado de Jharkhand. Projetos da Tata Steel, maior produtora de aço da Índia, não estão se saindo melhor nos dois estados e em Chhattisgarh.
Segundo um acordo com o estado de Jharkhand, a ArcelorMittal terá acesso a 20 milhões de toneladas de minério de ferro ao ano por 30 anos. Isso é suficiente para aumentar em 33% sua autossuficiência nesta matéria-prima. Os preços do minério de ferro aumentaram em dois dos três primeiros trimestres deste ano.
"Garantir minério de ferro tornou-se importante para as companhias siderúrgicas, uma vez que os preços contratuais e nos mercados à vista [spot] estão muito voláteis" diz Elora Sahoo, analista do Dhanlaxmi Bank. "Ter seu próprio minério de ferro ajudará as companhias a se protegerem contra as oscilações de preço no mercado e controlar o custo da produção."
A ArcelorMittal está agora tentando conseguir um terreno em outro lugar em Jharkhand, segundo disse a porta-voz Mandakini Sud. Está havendo um "bom" progresso no convencimento dos moradores locais, a maioria formada por pessoas não envolvidas com a agricultura, para que elas renunciem às suas terras, disse ela.
"Como mais de 60% da população da Índia depende das monções para sua subsistência, há uma concentração populacional e grande competição em áreas com água", diz Rahul Jain, da RBS Equities.
O que está tornando a situação pior para a Posco é a redução das chuvas no distrito de Jagatsinghpur, onde ela pretende construir sua unidade de produção. Durante o período das monções, que vai de junho a setembro, as chuvas diminuíram 26% de 2007 para 2009, segundo dados do departamento climático do país.
Isso está forçando os agricultores a competirem com indústrias por água do rio Mahanadi. A Posco pretende garantir água através de dutos partindo da represa de Jobra, localizada nesse rio. "A oposição ao projeto não tem fundamento. Não vamos usar água local. Há água suficiente em Jobra", diz o gerente-geral da Posco India Ltd. Simanta Mohanty.
Em junho, as siderúrgicas começaram a explorar locações no estado de Karnataka, no sul da Índia, que possui o segundo maior depósito de minério de ferro do país. O problema? Falta de água. "O estado decidiu adquirir terras secas e áridas, que proporcionam pouco ou nenhum retorno para os agricultores", diz V. P. Baligar, secretário da Indústria de Karnataka.
Fonte: Valor Economico/Abhishek Shanker | Bloomberg
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