Laudo preliminar feito a pedido do IABr aponta que produto apresentou trincas nos ensaios de dobramento
Sob suspeita - Aço importado está parado no porto de Vitória desde 10 de dezembro do ano passado
Um carregamento de 15 mil toneladas de aço longo (os vergalhões, usados na construção civil), trazido pelo navio de bandeira turca Senanur Cebi , está confinado no cais de Capuaba, no porto de Vitória, sob a suspeita de má qualidade. A carga é o centro de uma disputa entre o Instituto Aço Brasil (IABr, o antigo IBS), entidade que representa as empresas nacionais de siderurgia, e a Intermesa, uma das maiores tradings do setor, responsável pela importação.
O navio chegou a Vitória em 10 de dezembro. O IABr entrou com ação cautelar de produção antecipada de provas na Justiça de Vitória para apreensão da mercadoria e realização de prova pericial. Com uma liminar, o instituto conseguiu que os vergalhões não fossem desembaraçados antes da perícia.
Segundo laudo preliminar do perito José Lage Moreira, nomeado pela Justiça, há uma série de problemas, como falha de padrão nas bitolas dos feixes de aço - todas fora das especificações do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro). Moreira agora prepara um segundo laudo, mais completo.
O mais grave é que as barras de 10 milímetros "apresentaram trincas quando submetidas ao ensaio de dobramento." Ainda de acordo com o laudo, "colocar no mercado barras que não atendem às propriedades mecânicas estabelecidas pela norma brasileira coloca em suspeição a segurança de edificações construídas com esse material". Em outras palavras, segundo Marco Polo de Mello Lopes, presidente do instituto, "prédios construídos com esse material podem cair".
Os vergalhões foram produzidos pela siderúrgica turca Kaptan Demir e importados pela Intermesa, que os negociaria no Brasil. Executivos da importadora foram procurados nos escritórios de São Paulo, Rio e Belo Horizonte, mas não foram localizados. A empresa entrou com recurso. As 15 mil toneladas de vergalhão, segundo cálculo do IABr, seriam suficientes para a construção de 120 prédios populares, com 100 apartamentos de 50 m².
GUERRA COMERCIAL
Desde o ano passado, o IABr tem se armado contra o aumento de produtos siderúrgicos importados. Como efeito da retração no consumo, o mercado internacional registra uma superoferta, com excedente de 600 milhões de toneladas de aço. O Brasil começou a se recuperar mais cedo que mercados tradicionais, como EUA e China, mas ainda consome 20% menos aço que em 2008.
Em junho passado, a entidade conseguiu que o governo brasileiro fixasse uma tarifa de importação para vários tipos de aço. As importações recuaram, mas ainda incomodam a indústria nacional. Lopes afirma que a preocupação com a qualidade não se refere apenas ao produto importado. "Nosso foco é no material usado no mercado interno, seja lá de onde venha", diz.
O IABr fez, em 2008, 18 denúncias para que o Inmetro verificasse a qualidade do aço vendido no País. No ano passado foram 84, entre produtos nacionais e importados. O problema mais comum, segundo Lopes, é o recondicionamento e transformação dos perfilados de arame em vergalhões, que têm características completamente diferentes.
O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), Paulo Safady, estranhou a ação do IABr. "A carga ainda estava dentro do porto. Como o IABr já comprovou a qualidade do material? Me preocupa que as importações estejam sendo abordadas desse jeito", reclama.
Ele argumenta que as importações de aço aumentaram porque os preços internacionais são mais competitivos. Ele próprio diz pagar R$ 1,8 mil a tonelada do aço importado (incluindo impostos), enquanto o produto nacional custa R$ 3 mil. "Devemos aproveitar. Mesmo porque, com a previsão de crescimento com os programas de incentivo como o Minha Casa, Minha Vida, precisamos de alternativas, caso a indústria nacional não possa suprir a demanda", comenta. E provoca: "Será que somos tão incompetentes que não conseguimos produzir um aço mais barato?" Mas Safady acredita que o caso do aço turco, se comprovado, servirá de alerta. Hoje, 10 cooperativas ligadas à câmara negociam a compra de materiais importados, entre eles o aço.
Para Lopes, do IABr, a diferença de preço ocorre por causa de "práticas predatórias e da tentativa de colocar esses lixos no Brasil."(Fonte: O Estado de S.Paulo/Paula Pacheco)
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