Os países da União Europeia (UE) endossaram um esforço para eliminar as emissões de carbono dos carros novos até 2035 e anunciaram o fim efetivo da era do motor a combustão interna.
Os ministros do Meio Ambiente chegaram a um acordo sobre a proposta depois que a Itália, sede da Ferrari NV e da Automobili Lamborghini SpA, desistiu das exigências de um atraso de cinco anos no plano da UE para que as montadoras limpem sua frota.
PUBLICIDADE
O ministro italiano da Transição Ecológica, Roberto Cingolani, disse a seus colegas na terça-feira (28) que estava "satisfeito" com um compromisso proposto pela Alemanha que poderia permitir o uso de combustíveis neutros em carbono após 2035.
O acordo define a posição de negociação dos Estados membros para novas negociações com o Parlamento da UE e a Comissão Europeia sobre a forma final do chamado pacote de redução de gases de efeito estufa, chamado Fit for 55 , do bloco. Com os legisladores da UE já a favor de abandonar os combustíveis fósseis na indústria automobilística, é altamente provável que a maioria das empresas de automóveis tenha que mudar para a produção de modelos elétricos em pouco mais de uma década.
"Tenho plena confiança de que a indústria automobilística europeia pode administrar [a mudança]", disse Frans Timmermans, vice-presidente executivo da comissão dos ministros do Meio Ambiente, quando as negociações acaloradas estavam chegando ao fim, por volta das 2h da manhã desta quarta-feira (29), em Bruxelas, na Bélgica. “Nossos fabricantes de automóveis estão entre os líderes industriais da Europa e podem continuar sendo assim ao abraçarem essa mudança global.”
Como parte do pacote, os governos também concordaram em fortalecer o Sistema de Comércio de Emissões da UE e reforçar seu mecanismo de controle de preços.
Eles também querem adiar em um ano um novo mercado de carbono para aquecimento e combustível para transporte rodoviário e criar um fundo climático para ajudar a mitigar os custos do novo programa de limite e comércio para os mais vulneráveis.
“Graças a este acordo, a Europa está se colocando em uma posição de liderança em termos de enfrentar os desafios climáticos e a tecnologia”, disse a ministra francesa de Transição de Energia, Agnes Pannier-Runacher. “Também estamos garantindo uma transição justa para cada estado membro, cada território e cada cidadão.”
Juntamente com outros quatro Estados membros, a Itália buscou uma redução de 90% nas emissões das montadoras até 2035, ano em que a Comissão Europeia tem como meta um corte total, bem como uma isenção mais longa para as pequenas montadoras. Ganhou algumas concessões de derrogação para fabricantes de nicho - como Lamborghini - que serão poupados de metas provisórias até o final de 2035, a partir de 2029 proposto pela comissão, segundo a França.
Em uma tentativa de permitir um compromisso, a Alemanha propôs uma adição não vinculativa à lei de emissões de carros que pede à comissão que proponha o registro de veículos movidos exclusivamente a combustíveis neutros em carbono após 2035.
Os ministros também concordaram em endossar os principais parâmetros de uma ampla reforma do mercado de carbono, conforme proposto pela comissão, incluindo uma redução de 61% das emissões no programa cap-and-trade até 2030 em relação aos níveis de 2005.
Eles querem fortalecer um mecanismo que evite picos excessivos de preços para conter a especulação e permitir a liberação de 75 milhões de licenças de carbono no mercado. Isso aconteceria se o preço médio do leilão das licenças em seis meses for superior a 2,5 vezes o preço médio dos dois anos anteriores.
O acordo também limita o tamanho do Fundo Social para o Clima a 59 bilhões de euros (US$ 62 bilhões) dos 72 bilhões de euros propostos pela Comissão Europeia.
Problemas com o desmatamento
Apesar do acordo sobre a emissão de carbono e o fim dos carros com motor a combustão ter sido louvado por todos da UE, as resoluções desta quarta-feira também trouxeram questionamentos, em especial em relação a temas ligados ao desmatamento e ao rastreio da origem dos alimentos.
O novo texto permite que fazendas de gado possam ser identificadas com apenas um ponto de coordenada geográfica ao invés de um mapa da propriedade. Isso faz com que seja mais difícil de identificar os focos de desmatamentos nas áreas, e permite que produtores indiquem pontos sem desmatamento que podem não mostrar a realidade do local.
“Como na Amazônia a maior parte do desmatamento é feito para pastagem, a regulação abre brechas para parte do setor que mais desmata, já que com apenas um ponto de geolocalização não é possível saber se houve ou não desmate em uma área”, disse a ONG Observatório do Clima ao comentar sobre a decisão da UE.
A organização também criticou a eliminação do conceito de “degradação florestal” do texto da UE. Pela proposta, o Conselho Europeu considera como degradação apenas as atividades que causem “mudanças estruturais” numa floresta, como sua substituição por silvicultura. O Observatório do Clima alega que a medida facilita a vida de madeireiros e grileiros na Amazônia.
No texto da Comissão Europeia, a definição de floresta usada é a mesma Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês). Segundo o MapBiomas, a adoção desta definição deixaria uma área equivalente a cinco Franças desprotegida nos biomas não-florestais da América do Sul, como o Cerrado e o Pantanal.
“Organizações do terceiro setor da Europa analisaram a proposta do Conselho e agora se preparam para o próximo round da discussão sobre o regulamento, no Parlamento Europeu. A ideia das ONGs é que os eurodeputados possam reverter os retrocessos inseridos pelos Estados-membros e fechar as brechas aos desmatadores que existiam no texto original da Comissão”, disse o Observatório do Clima ao final de sua nota criticando as resoluções da UE.
Fonte: Valor