Flavia Bernardes
As Unidades de Conservação (UC) Refúgio de Vida Silvestre (Revis) Santa Cruz e a Área da Proteção Ambiental (APA) sairão finalmente do papel após mais de dez anos de espera. A criação é uma espécie de moeda de troca para que cessem os argumentos contra a instalação do estaleiro da Jurong dentro da área que deveria ser preservada. Para criar as UCs, portanto, o governo deverá alterar seus limites.
O estaleiro da Jurong será instalado na região contra o desejo da população e de ambientalistas, e até dos técnicos do Iema, que se manifestaram contra o licenciamento do empreendimento, e a criação das UCs só foi proposta após forte resistência da sociedade civil organizada à aprovação do estaleiro.
Neste contexto, a previsão dos ambientalistas é de que as unidades sejam criadas de acordo com as necessidades dos projetos econômicos em desenvolvimento na região e não ao contrário. Ou seja, a criação das UCs não impedirá que a Jurong se instale dentro da área marinha prevista para a criação da Área de Preservação Ambiental (APA) das Algas, que abrange cerca de de 1.162,15 quilômetros quadrados, predominantemente em área marinha confrontante aos municípios da Serra, Fundão e Aracruz.
O que se vê, alertam os ambientalistas, não é a vitória da preservação e sim dos planos do governo do Estado, de instalar a todo custo o estaleiro que deverá viabilizar sondas de exploração petrolífera à Petrobras.
Prova da ausência de preocupação com a preservação da área pela Jurong foi reclamada, inclusive, no princípio do processo de instalação do empreendimento, quando foi deixado de fora da comissão de acompanhamento do estaleiro o representante do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), o oceanógrafo e um dos coordenadores do estudo para a criação das UCs, Roberto Sforza, na tentativa de evitar o debate sobre as áreas de preservação.
Pela Lei n° 9.985/2000, que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), é permitido e é possível o desenvolvimento de atividades econômicas nas APAs, mas para isso é necessário um amplo debate para prever e minimizar os impactos, e não há como ocorrer isso se o principal órgão envolvido com a conservação da área não é convidado a acompanhar os estudos.
Agora, finalmente com a presença do ICMBio no debate, a expectativa é que as alterações previstas pelo governo do Estado para viabilizar a área não permitam que as UCs sejam “engolidas’ pelos empreendimentos. As algas calcárias e o estoque pesqueiro estão entre as prioridades a serem preservadas na região, alertam os ambientalistas.
Uma reunião para discutir a criação das UCs chegou a ser realizada na sede do Iema em Cariacica, na última semana, para discutir a questão da navegação e da pesca na região, a criação de um Conselho Consultivo, critérios para elaboração do Plano de Manejo, a abrangência da Área de Proteção, entre outros assuntos relacionados aos estudos realizados pelo Instituto Chico Mendes para a criação das Unidades. Entretanto, ONGs relacionadas à luta pela preservação da região foram deixadas de fora do debate. Pescadores também reclamaram devido à localização da reunião, que dificultou participação popular no debate.
Na ocasião, discutiram a criação das UCs, segundo o Iema, a secretária de Estado do Meio Ambiente, Maria da Gloria Brito Abaurre; a diretora-presidente do Iema, Sueli Passoni Tonini; o diretor-técnico do Iema, Fernando Aquinoga de Mello; representantes das prefeituras de Aracruz, Serra e Ibiraçu, da Associação dos Municípios do Estado do Espírito Santo (Amunes), das associações de pescadores de Nova Almeida, Jacaraípe e Barra do Riacho, da Agência de Desenvolvimento em Rede do Espírito Santo, do Movimento Empresarial do Espírito Santo e da Federação de Colônias de Pescadores do Estado.
A proposta é de que a unidade Refúgio tenha abrangência de 17.600 hectares, circundando a Rodovia ES-010, com exceção das áreas urbanizadas, e que a APA tenha 114 mil. Um dos objetivos da área do Revis é a restauração e recuperação dos recursos biológicos para sustentabilidade das atividades pesqueiras e atividades de pequena escala praticadas nas comunidades costeiras do entorno, tendo a Área de Proteção como zona de amortecimento.
Segundo Roberto Sforza, a unidade Revis será de proteção integral para garantir a preservação da biodiversidade na região. Entretanto, o Plano de Manejo poderá indicar pontos em que atividades poderão ser permitidas, desde que compatíveis com o objetivo da unidade.
Após a assinatura do decreto de criação das UCs pelo presidente da República, o Plano de Manejo deverá ser elaborado no prazo de três anos. O estaleiro deverá funcionar antes mesmo de o plano ser finalizado.
Revis e APA
O projeto para a criação da APA das Algas corre junto com o processo de criação da área Refúgio de Vida Silvestre (Rebio) de Santa Cruz há mais de dez anos e está parado na Casa Civil, em Brasília, há três anos devido à interferência do setor econômico do Estado quanto à criação das áreas de preservação.
Os projetos foram criados a partir da solicitação de dezenas de entidades capixabas preocupadas com a conservação da área. Na ocasião, as entidades exigiam a proteção da área, que se encontrava em franco processo de destruição.
Além de proteger a biodiversidade em áreas com um certo grau de ocupação humana, dotada de atributos naturais, culturais e estéticos importantes para a qualidade de vida, a APA onde será instalado o estaleiro da Jurong tem, por exemplo, a função de garantir o desenvolvimento equilibrado da área.
Ao todo, os limites das UCs já foram alterados duas vezes para se adequar aos empreendimentos da região e às novas alterações previstas para a instalação do estaleiro. Estes limites serão “ajustados” pela terceira vez.
Em seu formato original, as áreas de preservação garantiriam a preservação de 174 espécies de peixes e 270 espécies de algas, entre as quais laminarias, 60 espécies de poliquetos (vermes marinhos), 69 de crustáceos e 152 espécies de moluscos.
Entre as 174 espécies de peixes, alguns são considerados nobres, como robalo, badejo, cioba e dourado. E outras, mais populares, como corvina, pescada, peroá e sardinha, também são de grande importância econômica. A flora e a fauna da região foram estudadas com a finalidade de precisar a importância ambiental da área, permitindo, assim, entre outros elementos, indicar que a área deveria ser protegida.
A localização em que estão os bancos de laminarias, em águas profundas, de cerca de 1,7 mil metros, fica entre os locais prioritários para a preservação da região. Existem apenas mais dois locais com estas espécies na região Sudeste, um deles no sul do Espírito Santo e o outro em Campos, no Rio de Janeiro, e também as áreas de algas calcárias, para impedir a retirada destas espécies da região.
Desde o primeiro desenho da área compreendida pelas UCs, os especialistas fizeram questão de alertar que as áreas não iriam conflitar com a exploração de petróleo na região, pois foi eliminada a superposição da área a ser protegida com os blocos de petróleo BM-ES 05 e BES - 100, golfinho. Até mesmo o gasoduto Golfinho-Cacimbas ficará fora da área da Revis e da APA. (fonte: Seculo Diário)
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