Com frota crescente no exterior, uso do GNL como combustível de navios é alternativa para monetizar o gás do pré-sal
Ecologicamente correto e de preço mais atrativo que outros combustíveis fósseis, o Gás Natural Liquefeito (GNL) tem pré-requisitos mais que suficientes para que a indústria marítima nacional embarque nessa onda inovadora. Com o respaldo de estudos feitos por sua empresa, que avaliou os resultados obtidos e os projetos implementados por outros países, o engenheiro naval Sergio Garcia, gerente de desenvolvimento de novos negócios da DNV, é de opinião que “o uso do GNL como o combustível do futuro das embarcações brasileiras faz sentido”. Do ponto de vista tecnológico, diz ele, não existem desafios, já que o sistema está sendo empregado com sucesso em várias embarcações na Noruega há mais de dez anos. Quanto à performance do motor, o gás natural não deve nada aos outros combustíveis. “O GNL como combustível é tecnicamente viável, economicamente benéfico e ambientalmente vantajoso, o que resulta numa combinação imbatível “, aposta Garcia.
Segundo o engenheiro, a utilização da nova tecnologia em navios brasileiros depende da implantação de uma infraestrutura adequada de estocagem e de distribuição. “Notamos que, em todos os países nos quais já existe ou estão desenvolvendo uma infraestrutura, a iniciativa partiu dos governos, direta ou indiretamente. Isso aconteceu na Noruega, na Dinamarca, em Cingapura e na Austrália. Entendo que, no Brasil, não será diferente. Uma vez que for identificada que é uma alternativa real para monetizar o gás do pré-sal, a implementação da infraestrutura necessária pode-se dar em pouco tempo e a baixo custo”, avalia o técnico.
Meio ambiente. Com o crescimento do comércio internacional e a consequente preocupação mundial em relação à poluição do ar por embarcações, o GNL “pode contribuir significativamente para a redução das emissões de gases dos navios”, assegura Garcia. O uso de um combustível mais limpo permite, por exemplo, diminuir de 20% a 25% o gás carbônico (CO2) — principal causador do efeito estufa — emitido por embarcações. Os ganhos ambientais vão além: no caso do óxido de enxofre (SOx) e do óxido de nitrogênio (NOx), o gás natural reduz as emissões em cerca de 100% e de 85%, respectivamente.
As regras fixadas pela Organização Marítima Internacional (IMO) para a redução de gases poluentes reforçam a necessidade de o país discutir o tipo de combustível usado nas embarcações. O limite de teor de enxofre tolerado pela IMO deverá cair para 3,5% m/m em 2012, e para 0,5% m/m em 2020. Conforme o estudo mais recente da IMO, o Second GHG Study, a frota mundial de navios lançou no ar, em 2005, 955 milhões de toneladas de gás carbônico, 23 milhões de toneladas de nitrogênio e 13 milhões de toneladas de enxofre. Em relação a 2000, as emissões aumentaram mais de 20%.
Nos estudos que realizou, a DNV — classificadora de origem norueguesa com 300 escritórios em mais de 100 países — comparou as tecnologias do uso de GNL em embarcações existentes e em desenvolvimento e fez previsões sobre tendências até 2020. Concluiu que o GNL é a alternativa que resulta na melhor relação custo/benefício. Embora sem citar cifras, alegando que os valores dependem do tipo de navio e em que ele é usado, Garcia garante que o GNL reduz o custo de operação. Até 2005, lembra o engenheiro, o preço do gás natural era atrelado ao do petróleo. “Essa correlação não existe mais e a diferença entre os preços vem favorecendo o gás natural. As expectativas são de que a situação continue sendo favorável ao gás natural. Pode-se estimar que o custo por unidade de energia do GNL está em torno de um terço do petróleo”, informa Garcia, citando estimativas da Energy Information Administration (EIA), órgão do Departamento de Energia dos Estados Unidos.
O gás natural também bate os demais combustíveis fósseis no quesito manutenção. De acordo com fabricantes, gasta-se menos para manter motores movidos a GNL do que os operados por derivados de petróleo.
A nível internacional, o GNL tem na Noruega o seu porto mais seguro. Lá, já existem 21 navios de apoio marítimo e ferry boats utilizando gás natural, e a expectativa é de que esse número dobre até 2014. O uso do gás natural em embarcações argentinas está dando as suas primeiras braçadas, com a construção na Austrália de um ferry boat para carros e passageiros movido a turbina, que alcança 50 nós na travessia entre Buenos Aires e Montevidéu. Existem duas embarcações do tipo ro-ro, destinadas à carga geral, sendo construídas na Índia e preparadas para operar no Mar Báltico. Um navio químico também deve entrar em conversão este ano para operar com GNL como combustível.
Para o engenheiro, a perspectiva do mercado é de expansão. ‘’Vem aumentando o número de fabricantes de motores, projetistas de embarcações e estaleiros construtores, assim como a variedade dos tipos de navios empregando esse sistema. Já existem projetos para VLCCs, VLOCs, porta-contêineres e rebocadores, entre outras embarcações. A DNV tem contribuído no desenvolvimento desses projetos”, explica Garcia.
O GNL pode ser usado em novas embarcações ou em navios em operação, neste caso através de conversão. Garcia não estima custos, mas cita estudos que mostram que a conversão se paga com o preço mais vantajoso do combustível.
Um navio pode funcionar apenas com GNL ou ter um motor bicombustível, a exemplo dos carros que utilizam GNV. A maioria das embarcações em operação e em construção têm tecnologia híbrida.
Brasil. O GNL pode ser utilizado como combustível em qualquer embarcação. No caso de rebocadores, no entanto, a conversão ainda é um desafio por causa do espaço necessário para instalar o tanque. Na avaliação de Garcia, no Brasil a nova tecnologia se aplica melhor às embarcações de apoio marítimo e aos aliviadores de poços de petróleo, que têm rotas curtas e fixas. “O Brasil está vivendo um momento único com uma grande oportunidade pela frente não encontrada em nenhum outro lugar do mundo, por conta da abundância de gás natural num futuro próximo, associada às expectativas de se duplicar até 2020 a frota de 250 embarcações de apoio offshore em águas brasileiras”, esclarece o engenheiro.
O Brasil não produz hoje GNL (gás natural submetido a uma temperatura de menos 162 graus Celsius), mas a Petrobras possui duas unidades flutuantes regaseificadoras instaladas em Pecém (Ceará) e na Baía de Guanabara, que recebem navios com carga de GNL para suprir suas necessidades. Um terceiro terminal será construído na Bahia.
No entanto, para ser economicamente viável como combustível de embarcações, explica o engenheiro, é importante que o GNL seja produzido no Brasil. “Tenho percebido que o caminho começa a clarear, uma vez que a Petrobras tem manifestado a intenção de monetizar o gás em excesso do pré-sal. Ela vem sinalizando que precisa encontrar fórmulas para o aproveitamento desse gás. Um dos desafios da Petrobras na exploração do petróleo na área do pré-sal reside na grande quantidade de gás natural associado. A enorme distância, entre 200 e 350 quilômetros do continente, e a profundidade de até três mil metros tornam desafiador o escoamento do gás pelo oceano através de dutos“, explica Garcia. Portanto, a liquefação desse gás torna-se uma alternativa competitiva.
A Petrobras informou que estuda instalar uma unidade flutuante de liquefação de gás (FLNG) em mar aberto, próxima às plataformas de produção instaladas na área do pré-sal. Esta poderá ser uma das primeiras plantas offshore a produzir GNL em todo o mundo. Quanto à logística, Garcia pondera que em se utilizando o FLNG, a distribuição do GNL como combustível deverá ser feita através de embarcações abastecedoras a serem construídas especialmente para tal.
Pelo cenário apresentado, considerando-se as diversas variáveis favoráveis, estima o engenheiro, “é de se esperar que o Brasil em breve também faça parte do grupo de países que perceberam as vantagens econômicas e ambientais do uso do GNL como combustível para embarcações, e tornaram essa possibilidade uma realidade”.