O Estaleiro Atlântico Sul (EAS), um dos símbolos da recente tentativa de retomada da indústria naval brasileira, suspendeu suas atividades por tempo indeterminado em Ipojuca (PE). Apesar das dificuldades, os controladores, os grupos Camargo Corrêa e Queiroz Galvão, buscam garantir o futuro do estaleiro. O primeiro passo é renegociar dívida de R$ 1 bilhão com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o principal credor.
No dia 10 vence uma parcela de R$ 20 milhões do estaleiro com o banco, a qual será paga, segundo apurou o Valor. O estaleiro tem hoje em caixa R$ 160 milhões, o que lhe garante sobrevida. O problema é que o EAS está paralisado desde o fim de junho e sem carteira de encomendas capaz de lhe garantir geração de receitas. O último navio construído em suas instalações, parte de uma série de Aframax, foi entregue à Transpetro, subsidiária de logística da Petrobras, em 24 de junho. Em julho, o EAS demitiu a maior parte do seu pessoal em Ipojuca.
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Em 2014, o estaleiro chegou a ter 6 mil funcionários diretos e mais mil terceirizados. Desde 2015, vinha trabalhando com 3,6 mil empregados, e conseguiu aumentar os índices de produtividade, embora não tenha tido sucesso na renovação da carteira de encomendas. Apesar dos ganhos de produtividade, os custos para se fazer navios no Brasil, como porta-contêineres, continuam mais altos do que na Ásia. Restam menos de 150 pessoas no estaleiro, segundo uma fonte próxima, e a tendência é que permaneçam somente cerca de 30 pessoas para fazer a manutenção das instalações.
O futuro do estaleiro, portanto, é de incerteza. Há vários cenários sobre a mesa. Uma recuperação judicial não está descartada, embora essa decisão possa não ser a mais indicada por força de seus reflexos sobre os próprios controladores. Outra fonte afirmou que o estaleiro pode tentar vender ativos e usar o dinheiro para pagar parte da dívida bancária. O total da dívida é de R$ 1,1 bilhão, sendo R$ 1 bilhão somente com o BNDES.
Desse total, R$ 800 milhões têm garantias corporativas dadas por Camargo Corrêa (50%) e Queiroz Galvão (50%). Os controladores estariam contratando consultoria financeira especializada em reestruturação de empresas para ajudá-los nas negociações. Em uma etapa anterior das discussões, chegou a ser apresentada proposta segundo a qual o BNDES aceitava dar dois anos de carência e mais 18 anos para pagamento da dívida desde que a Camargo Corrêa apresentasse garantias reais. Hoje a maior parte da dívida do grupo com o banco relacionado ao EAS tem garantias, com exceção de um contrato feito pelo estaleiro.
Segundo apurou o Valor, o fato de duas subsidiárias da Queiroz Galvão Energia (QGE) estarem em recuperação judicial fez com que coubesse à Camargo Corrêa bancar as garantias, mas o grupo não quis aumentar a sua exposição. Mesmo assim, o BNDES vem discutindo a dívida do EAS com os controladores, e existe certo conforto do banco de que as garantias existentes são robustas, acima da exposição financeira.
Enquanto renegociam a dívida com o BNDES, os controladores do EAS tentam viabilizar encomendas. Essa discussão também passa por uma eventual venda do estaleiro para um novo operador. Fonte disse, no entanto, que a oportunidade de uma operação de fusão e aquisição depende da renegociação da dívida do estaleiro. Nos últimos anos, sob o comando de Harro Burmann, presidente do EAS que teve seu contrato encerrado em 31 de julho, o estaleiro esteve envolvido em discussões com a Satco, que tinha interesse na aquisição da empresa. As discussões não evoluíram. A Satco também tentou, sem sucesso, viabilizar a construção de navios no EAS. Burmann foi substituído na presidência do EAS por Nicole Mattar, que era diretora jurídica do estaleiro.
Mais recentemente, o EAS se engajou em tratativas com empresas brasileiras que operam na navegação de cabotagem, as quais poderiam garantir a construção de quatro navios de contêineres, sendo dois para a Mercosul Line e dois para a Aliança Navegação e Logística.
As discussões não chegaram a se transformar, porém, em encomendas firmes em um cenário em que a indústria naval brasileira vive a expectativa de uma medida provisória que deve facilitar a importação de navios novos e usados. Nesse contexto, haveria mais demanda para os estaleiros nacionais na área de reparos, negócio que gera baixo retorno para um estaleiro de grande porte como o EAS. O EAS diz que vem procurando alternativas para continuar suas operações. "As tratativas com os interessados estão em fase de desenvolvimento, portanto ainda não firmes."
No fim de 2018, o EAS tinha em caixa R$ 205 milhões, o que lhe garante certo fôlego. No entanto, a empresa não nega que possa recorrer a um pedido de recuperação judicial para renegociar a dívida total de R$ 1,1 bilhão. "A diretoria do EAS continua a trabalhar com o objetivo de encontrar um caminho que melhor atenda aos interesses da companhia e seus stakeholders, incluindo acionistas, agentes financeiros, e a comunidade pernambucana", disse o EAS, quando questionado sobre a possibilidade de recuperação judicial.
Desde que foi criado, em 2005, o EAS acumula prejuízo de mais de R$ 1 bilhão. Os sócios vinham injetando capital na companhia sucessivamente para garantir as operações e honrar cláusulas contratuais com bancos. Apesar do cenário hostil, a empresa apresentou, nos últimos anos, melhorias operacionais. Antes da despesas com juros e impostos, o EAS apresentou lucro de R$ 38,4 milhões em 2018, ganho totalmente consumido por uma despesa financeira (com encargos da dívida), que somou mais de R$ 108 milhões. No fim das contas, o EAS teve prejuízo líquido de R$ 70,1 milhões em 2018.
Fonte: Valor