O presidente da Abenav, Augusto Mendonça, reafirma crença na viabilidade no conteúdo nacional para a indústria naval brasileira
O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Construção Naval e Offshore (Abenav), Augusto Ribeiro Mendonça Neto, tem certeza de que o país se tornará o principal elemento da indústria offshore em alguns anos. Para ele, é uma questão de tempo o Brasil superar seus gargalos industriais e passar à condição de exportador, tanto de navios e plataformas
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quanto de navipeças. Augusto Mendonça, como é mais conhecido, é engenheiro elétrico e diretor da Setal Óleo e Gás. É também vice-presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) e da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib), além de integrar o corpo diretivo do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp).
Porto e Navios — Quais são os principais objetivos da Abenav?
Augusto Mendonça — O objetivo da Abenav é fazer com que as nossas empresas, nossos fornecedores participem do desenvolvimento do pré-sal. E a única garantia que a gente acredita é a competitividade. No que a gente for competitivo, nós vamos ter um mercado efetivamente para nós. O melhor antídoto que existe para a baixa competitividade é exportação. Aliás, lá na frente é o que a gente vai querer fazer.
PN — Exportação de navios, construir para o mercado externo?
AM — Todas as atividades do setor: construção de navios, construção de navios de apoio e construção de plataformas. Essa é a nossa meta para o futuro.
PN — Isso inclui fornecedores?
AM — O fato é o seguinte: para um estaleiro ser competitivo, toda cadeia tem que ser competitiva, porque senão chega lá na frente e o preço não fica bom. Quando eu exporto significa que tenho o preço e o produto no estado da arte. O país vai querer exportar porque o mercado brasileiro vai ser fantástico, vai ser certamente o maior do mundo nos próximos 30 anos, 50 anos. Não vou dizer que será o maior do mundo, porque não sabemos que outras descobertas haverão, mas se não houver nenhuma descoberta do tamanho do Brasil, o mercado brasileiro vai ser disparadamente o maior mercado mundial nos próximos 30 a 50 anos. É massa suficiente para você preparar as empresas para ir buscar os outros mercados, principalmente a costa oeste da África, que é de uma proximidade física muito grande e uma proximidade cultural também grande.
PN — Então, aproveitando o conhecimento que será adquirido com a ocupação garantida, o str. acha que os estaleiros estarão em condições de exportar? Em quanto tempo?
AM — Vão ter que estar. Esse é o nosso objetivo, que eles tenham condições de buscar o mercado internacional. Em quanto tempo? Essa pergunta é muito boa, porque quando falamos de estaleiros, temos três atividades bem distintas: construção de navios, construção de navios de apoio e construção de plataformas. É muito difícil um estaleiro que atue nas três atividades, praticamente não tem nenhum, e é muito difícil um estaleiro que atue com competência, com competitividade, em duas delas, porque são bem distintos os requisitos.
PN — Então, terá de haver uma segmentação?
AM — Sim, existe isso no mundo, se pegar os grandes estaleiros coreanos, que são os primeiros da construção naval, eles têm fabricação ‘offshore’, porém são empresas separadas.
PN — Dentre esses três segmentos, em quais o Brasil tem mais chances de se firmar e conquistar espaço lá fora?
AM — Eu acho que tanto na construção de plataformas quanto na construção de barcos de apoio o Brasil tem 100% de chances de vir a ser um grande ‘player’ mundial. Estou muito convencido disso, no curto prazo até, talvez seja coisa de 10 anos. Na construção naval também tem chances, só que a curva de aprendizado é um pouco maior, porque a construção naval parou na década de 70.
PN — Quais são os entraves para que o Brasil consiga exportar? Antes disso tem de desenvolver a cadeia de fornecedores, fornecer com o preço atual do dólar...
AM — Eu visitei os países que deram certo. Noruega, Coreia, Inglaterra, Cingapura. Esses países tiveram boas experiências. Quando você vai lá olhar o que aconteceu, você vê que a presença do governo ainda é muito forte na indústria, em termos de apoio. Na Coreia, por exemplo, o governo dá garantia de 100% dos valores de adiantamento, ou seja, quando o empreendedor compra o navio, ele vai pagando até o navio ficar pronto. Quando o navio fica pronto, ele faz o pagamento final. O governo da Coreia dá garantia para o comprador de 100% dos valores que ele pagou ao longo da construção e se lá no final, antes da entrega, tiver algum rompimento de cláusula contratual, se o navio tiver algum problema que caiba ao armador cancelar o pedido, o valor gasto é devolvido.
PN — No Brasil, isso está fora de cogitação.
AM — No Brasil isso não existe ainda, mas estou te falando de programas de apoio. E o governo faz isso e não pega nada em contrapartida dos estaleiros, não tem garantia do estaleiro para esse tipo de seguro. Então a gente percebe que esses países que deram certo tiveram forte presença do governo no estabelecimento de uma política e no apoio às empresas e isso vem acontecendo no Brasil também. O Prominp, que está no seu oitavo ano, foi criado dentro desse conceito, e continua operando. Além do Prominp, você tem iniciativas do MME, do Ministério de Indústria e Comércio para o Desenvolvimento da Indústria Brasileira. Então hoje existem algumas regras de conteúdo nacional, muita coisa definida nas licitações da própria ANP, e muita coisa por uma decisão política do governo, mas isso dá um impulso à indústria.
PN — Os fabricantes de navipeças dizem que ainda não estão conseguindo emplacar seus equipamentos, que mesmo com essa exigência de conteúdo nacional da Petrobras e da Transpetro nos navios e barcos de apoio eles não têm conseguido emplacar outros itens que não os de sempre.
AM — Todo mundo fica reclamando na minha opinião injustamente. Primeiro porque tem essa história de apoio de aprendizado, segundo porque era uma indústria que estava totalmente desarticulada. É difícil realmente competir quando se tem algumas dificuldades, como questão tributária, questão cambial, questão de custo Brasil. São gargalos que precisam ser devorados ao longo do tempo, mas a solução principal para tudo isso nós temos, que é o mercado. À medida que a gente tem mercado e interesse do governo em desenvolver o mercado local, vai acontecer. Se hoje você tem um fabricante de equipamento reclamando que não consegue fornecer, daqui a pouco vai aparecer algum, que vem de dentro ou de fora, que vai conseguir fornecer. O mercado se ajusta.
PN — É crescente a quantidade de empresas estrangeiras interessadas em parceria. Mas na prática são poucas as parcerias que realmente acontecem. O movimento ainda não está um pouco devagar? Há quem diga que muitas companhias internacionais apostam que a Petrobras vai ceder na questão do conteúdo nacional.
AM — Existe ainda muita gente que não acredita que esta exigência do conteúdo local é para valer. Já fomos procurados por associações lá de fora que querem trazer suas mercadorias para o Brasil e nos pedem para nos ajudar a influenciar na abertura dentro dessa exigência de conteúdo local. De maneira nenhuma nós faríamos um negócio desses. A convicção deles é que não vai ter estaleiro, fabricante para atender à demanda. Então o governo teria de abrir para que essas coisas sejam construídas no exterior e trazidas para o Brasil. Nos pediram para ajudá-los nesse sentido. E nós dissemos que não só não iríamos ajudar como vamos lutar contra até o último dia.
PN — Muitos equipamentos não têm similar nacional e não se tem notícia de que isto esteja mudando.
AM — Pode ser que ainda não tenha, mas isso está mudando. Tomemos como exemplo a turbina a gás de grande capacidade. Existem dois fabricantes no mundo que dividem o mercado, são a GE e a Rolls-Royce. Eles diziam que jamais fariam uma fábrica no Brasil. Hoje essa conversa mudou. Os dois estão dizendo que estão com intenção de construir fábrica no Brasil para fazer turbina para plataforma.
PN — Qual é o tamanho da carência de estaleiro para atender à demanda?
AM — A demanda hoje anda junto com a oferta. A quantidade de estaleiros que existe dá conta do que tem no mercado. Mas quando se olha lá pra frente, falta estaleiro. Porém, levando em conta as iniciativas dos estaleiros que estão em implantação, este número é razoável.
PN — Mas o Fundo da Marinha Mercante tem dinheiro para financiar estes empreendimentos depois de passar mais de um ano sem reunião?
AM — Eu tenho convicção de que nunca vai faltar dinheiro no Fundo porque nas vezes em que faltou, o governo fez empréstimo. O Brasil aumentou muito o comércio internacional. Estamos importando e exportando bastante. E o Fundo é formado por um adicional de frete na importação, então é uma coisa que só vai crescendo ao longo do tempo.