O  primeiro leilão específico do pré-sal ocorre em 28 de novembro, mas  ainda não se sabe se até lá a regra para a distribuição dos royalties  gerados pela exploração do petróleo já estará definida. A decisão sobre a  nova forma de partilha dos recursos, pagos pelas empresas titulares do  direito de explorar as novas áreas, está nas mãos do Supremo Tribunal  Federal (STF).
Embora o tema seja de interesse exclusivo das  diferentes unidades da federação - já que são elas as destinatárias dos  valores, que para as empresas são líquidos e certos -, a possibilidade  de que Estados produtores venham a criar novos tributos para o setor,  diante da eventual perda de arrecadação com uma nova divisão, não é  descartada. O cenário de incerteza em relação aos royalties é o que se  chama, no mercado, de insegurança jurídica, termo usado para definir a  instabilidade de regras que, quando não afasta investimentos, leva as  empresas a darem peso extra ao fator "risco" no cálculo da taxa de  retorno e na equação de formação do preço de seus produtos.
A  situação não é exatamente nova. Afora as alterações legislativas  promovidas frequentemente pelo Executivo e Legislativo, o Judiciário vem  aumentando seu quinhão na divisão de tarefas entre os poderes da  República num movimento crescente desde a Constituição de 1988. Pela  Justiça têm passado inúmeras questões que afetam diretamente o mercado -  o caso dos royalties é apenas um exemplo de mudança na lei que cai no  colo do Judiciário tão logo é promovida.
Mas, se há algum tempo a  indefinição que perdura enquanto a Justiça não define a validade de uma  norma posta sob seu crivo era apontada como um dos principais motivos a  afugentar investimentos do país, hoje a insegurança jurídica desafia o  desejável investidor de longo prazo. "Com a mudança de classificação da  economia brasileira, o Brasil passou a atrair nvestimentos a despeito  da insegurança jurídica", afirma o jurista Fábio Ulhoa Coelho, professor  de direito comercial da PUC de São Paulo. "Só que o investidor atraído é  aquele mais afeito ao risco", diz.
Segundo ele, mesmo o  investidor de longo prazo precisa ajustar sua lógica para um  investimento mais arriscado, já que o retorno tem que ser proporcional  ao risco. "E para ter um retorno maior, o preço do produto tem que ser  maior. É por isso que, mesmo tirando os impostos, o produto aqui é mais  caro", explica Ulhoa Coelho.
No caso dos royalties do petróleo, a  mudança nas regras de distribuição foi feita pelo Congresso Nacional,  que em 2012 aprovou a Lei nº 12.734. Submetida à sanção presidencial, a  legislação foi parcialmente vetada pela presidente Dilma Rousseff, mas  seus vetos foram derrubados no Congresso. Diante do impasse nas  negociações entre os Estados produtores - Rio e Espírito Santo - e os  demais, o tema foi parar no Supremo. Neste caso, diz o advogado Saul  Tourinho, responsável pelo acompanhamento de processos no STF e no  Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Pinheiro Neto Advogados, foram  testados todos os instrumentos que a Constituição oferece: a lei saiu do  Legislativo, foi vetada pelo Executivo e os vetos foram derrubados pelo  Parlamento. "Mesmo assim, a solução do problema caiu no colo do  Supremo", afirma. "É um momento de efervescência dos tribunais", diz.
É  possível que o Supremo dê uma resposta ao vácuo jurídico relacionado  aos royalties a tempo do leilão do pré-sal. Mas nem sempre isso  acontece. No mês passado, a Corte definiu, ainda que de forma parcial,  uma gigantesca disputa entre o fisco e os contribuintes em torno da  incidência do Imposto de Renda e da Contribuição Sobre o Lucro Líquido  (CSLL) de coligadas no exterior, derrubando a tributação e mantendo-a  apenas para as empresas que estão em paraísos fiscais. A decisão era  aguardada há nada menos do que 12 anos por um sem número de companhias  brasileiras de porte que mantêm coligadas fora do país: a Medida  Provisória nº 2.158, que deu início à tributação, é de 2001.
"Há  um grau muito grande de insegurança jurídica gerada por problemas de  prazo", diz Décio Zylbertstajn, professor titular e livre docente da  Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo  (FEAUSP) e coautor do livro "Direito e Economia". "Temos que ter um  Judiciário que seja capaz de dar respostas rápidas, em tempo hábil",  afirma. A boa notícia, diz, está em recentes ações que têm como objetivo  garantir maior celeridade processual, como o investimento na  informatização da Justiça. "Mas não é algo que cai do céu, estamos no  meio desse processo, tentando acelerar a tomada de decisões".
Se a  demora na solução de controvérsias provoca insegurança jurídica, não  menos impacto gera a falta de convergência do Poder Judiciário em torno  dos inúmeros temas econômicos submetidos a ele. Tomada ao pé da letra, o  ditado popular que diz que em "cada cabeça, uma sentença" ganha  proporções gigantescas quando se trata de uma Justiça com cerca de 17  mil juízes e 90 milhões de processos. "O problema da insegurança  jurídica não é tanto de uma questão ir ao Judiciário, mas de o  Judiciário ter coerência nas decisões", diz Décio Zylbertstajn, para  quem a maior dificuldade está em termos uma Justiça heterogênea a lidar  com essas questões.
À falta de unidade soma-se uma duvidosa  qualidade das decisões judiciais quando se trata de temas empresariais.  "Há muitas decisões judiciais que não estão de acordo com o que a lei  prevê e acabam interferindo na economia", diz o professor Fábio Ulhoa  Coelho. Um episódio clássico é o que ficou conhecido como o "caso da  soja verde": durante as safras de 2002 a 2004, o preço da saca de soja  atingiu picos elevados no mercado à vista, muito acima do definido na  venda antecipada fechada com tradings ou esmagadoras. Na época, os  produtores foram à Justiça para romper os contratos, com o argumento de  que eles teriam se tornado injustos. A Justiça atendeu o pleito - mas no  ano seguinte, a venda antecipada da safra em Goiás caiu imensamente,  diante do risco de novas liminares. "É um Judiciário que não está  devidamente instrumentalizado para discutir questões de direito  empresarial de forma correta", diz Ulhoa Coelho. "Nem todos os juízes  estão preparados para decidir questões de direito comercial".
Exemplos  não faltam. O advogado Luciano Timm, estudioso das relações entre  direito e economia, cita o entendimento da Justiça brasileira sobre a  desconsideração da personalidade jurídica - em outras palavras, quando  uma decisão judicial permite que os sócios respondam por eventuais  fraudes praticadas pela empresa. "A Justiça do Trabalho criou uma regra  que inibe investimentos", diz. "Já vi uma empresa italiana que deixou de  investir no Brasil porque nunca viu um país com uma extensão tão grande  da responsabilização dos sócios quanto no Brasil", conta.
Luciano  Timm cita outro exemplo, que acaba levando a uma consequência perversa.  Segundo ele, por causa da enorme chance de uma pessoa ir à Justiça para  aumentar a cobertura de seu plano de saúde, muitas empresas hoje só  negociam planos coletivos. "Se uma empresa fecha um contrato com uma  pessoa, não tem como distribuir o risco de ações judiciais; mas se for  um plano coletivo, com 100 pessoas, o risco é embutido no custo",  explica. De acordo com ele, isso ocorre porque a Justiça sempre define  que o plano tem que incluir uma cobertura não prevista no contrato. "O  Judiciário muitas vezes vai além do órgão regulador", afirma. Para ele,  há no Judiciário "uma mentalidade antieconômica". Para o professor Décio  Zylbertstajn, a insegurança jurídica não é apenas o fruto de  imperfeições de um sistema legal, mas principalmente da interpretação  das lei. "E quando isso torna o resultado da aplicação da lei muito  amplo, gera incertezas e vem a insegurança jurídica".
Fonte:VaLOR Econômico/Cristine Prestes | De São Paulo
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