A polêmica em torno da mudança da regra de distribuição dos royalties do petróleo, decidida pela Câmara dos Deputados em votação na madrugada de ontem, trouxe novamente à tona um conflito federativo e ofuscou as comemorações do governo federal pela aprovação do novo marco regulatório da exploração dos poços do pré-sal.
Exceto pela questão dos royalties - que será vetada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo seus líderes -, o projeto deu ao governo o que ele queria: a aprovação do sistema de partilha como novo modelo de exploração do petróleo em camada profunda e a regulamentação do fundo social.
A possibilidade de Lula transformar em lei a regra de divisão dos royalties do petróleo aprovada pelos deputados (e, antes, pelos senadores) não existe, segundo o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP). "Já estava certo que o presidente vetaria esse dispositivo, se fosse aprovado. Essa não era a discussão central do projeto. O essencial era o modelo de partilha e o fundo social", afirmou.
O governo agora acena com negociação envolvendo Congresso, governadores eleitos e prefeitos em busca de uma regra consensual para repartição dos royalties do petróleo. "Majoritariamente, o Congresso não deseja a divisão como está. Mas não está consenso em torno da matéria. Uma nova regra precisa ser construída, mas não pode ser imposta aos Estados, nem o problema pode ser resolvido com recursos do fundo", afirmou o deputado Antonio Palocci (PT-SP), relator. Ele propôs a supressão dos dispositivos do projeto que tratavam de royalties, fazendo um alerta: a nova regra proposta por emenda do senador Pedro Simon (PMDB-RS) "aniquila" o fundo social.
Isso porque o critério prevê distribuição mais equânime dos royalties do petróleo encontrado em plataforma continental, pré-sal ou não, inclusive nos contratos já licitados, e determina que a União compense os Estados e municípios produtores pelas perdas, utilizando para isso seus próprios recursos dos royalties e participações especiais (PE). O problema é que, pelo mesmo projeto aprovado ontem, esse dinheiro seria destinado à composição do fundo social.
Pelas regras atualmente em vigor, Estados produtores confrontantes (principalmente Rio de Janeiro, seguido do Espírito Santo) ficam com 26,25% dos royalties oriundos do petróleo encontrado em plataforma continental, municípios produtores confrontantes também recebem o mesmo percentual (26,25%) e municípios afetados por operações de embarque e desembarque têm direito a 8,75%. À União, são destinados 30% desses recursos, enquanto o restante dos Estados e municípios do país têm direito apenas a um fundo especial, que fica com 8,75% dos royalties.
Pela regra da emenda Simon, mantida pela Câmara, todo o dinheiro dos royalties destinados a Estados e municípios serão repartidos a eles pelas regras dos fundos de participação dos Estados (FPE) e dos municípios (FPM), sem distinção de produtores ou não. A maior perda é a do Rio de Janeiro, que hoje recebe mais de 70% dos recursos destinados aos produtores.
"A medida aprovada pela Câmara é imoral, indecente, ilegal, inconstucional. É a maior agressão que o Rio já sofreu no Império e na República", reagiu o senador Francisco Dornelles (PP-PP), representando o sentimento manifestado pelos parlamentares dos Estados produtores.
A revolta maior é com o fato de a regra não se limitar aos futuros contratos. Ela atinge também os campos já licitados, inclusive fora do pré-sal. Ou seja, se a regra entrasse em vigor, o Rio e o Espírito Santo perderiam recursos expressivos já incorporados à sua receita. "Não se pode mexer nas regras dos royalties de campos já licitados. Isso é regido pela legislação em vigor no dia em que foi assinado o contrato de concessão. Essa norma não resiste ao menor questionamento jurídico", afirmou Dornelles.
Assim como na primeira vez em que o projeto passou pelo plenário da Câmara, a discussão no plenário girou em torno dos royalties. Praticamente não houve discussão de mérito da substituição do contrato de concessão, adotado hoje, pelo modelo de partilha de produção - medida contra a qual a oposição votou, mas foi derrotada. Na votação de ontem, líderes do PSDB, do DEM e do PPS, os partidos de oposição, aliaram-se aos parlamentares da base governista que queriam aprovar a emenda Simon. À frente desse grupo, estavam os deputados Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) e Humberto Souto (PPS-MG), autores da primeira emenda aprovada na Câmara com novo critério de divisão dos royalties.
"Os deputados que têm compromisso com os seus municípios, com as suas bases, com os seus Estados, não vão aceitar essa catilinária, essa miscelânea, essa sopa de números, que quer confundir. O que está em discussão? Queremos que os royalties sejam distribuídos para os Estados e Municípios, ou entendemos que devam continuar como estão, com dois Estados apenas recebendo todos os royalties do País? É isto que está em jogo", disse Souto. "Compreendo que o governador Paulo Hartung, o governador Sérgio Cabral, meus companheiros de partido, defendam os seus Estados. Espero que eles compreendam que os deputados e senadores também estão aqui defendendo os seus Estados", afirmou Pinheiro.
Fonte: Valor Econômico/Raquel Ulhôa | De Brasília
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