O surto de coronavírus levou partes do setor mundial de navegação à beira da paralisia, com desordenamentos iniciados na China afetando rotas de navegação do outro lado do mundo que não parecem ter correlação natural com o país.
A parada súbita da atividade econômica causou queda acentuada nos preços de fretes de algumas companhias, enquanto outras viram uma disparada de preços causada por escassez de equipamento relacionada à crise. Dados das últimas duas semanas indicam uma recuperação na atividade, mas os analistas acautelam que uma nova queda pode estar a caminho.
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“O mundo está se paralisando”, disse Patrick Berglund, presidente-executivo da Xeneta, uma empresa de Oslo que provê informações sobre tarifas de transporte marítimo em contêineres. O que difere [de choques anteriores no comércio mundial] é que eles costumavam afetar um corredor ou dois. Agora o problema é mundial. Está todo mundo entrado em pânico”.
O índice Baltic Dry – que acompanha o custo de transporte de matérias-primas a granel, como minérios e grãos, e por isso é visto como indicador de atividade econômica mundial futura – caiu em 80% ante o pico atingido em setembro do ano passado.
Ele está abaixo da marca atingida duramente a crise financeira mundial, e se aproxima de sua marca histórica mais baixa, estabelecida no começo de 2016, o mais recente período de contração anualizada no comércio mundial. de acordo com o CPB World Trade Monitor.
O transporte de cargas à China despencou este ano. Dados da VesselsValue, uma companhia que acompanha volumes de carga e outras atividades do setor, demonstram que as importações chinesas de cargas secas despencaram do começo de janeiro para cá.
A parada súbita de boa parte do setor industrial chinês é refletida nas tarifas de frete da China para os Estados Unidos e Europa, diz Berglund. As tarifas médias no mercado spot, nas rotas da China para o norte da Europa, caíram de US$ 2.096 por contêiner de 40 pés, no começo de janeiro, para cerca de US$ 1,62 mil, uma queda de mais de 22%, de acordo com dados da Xeneta.
Interpretar os dados não é simples. As tarifas em rotas da Ásia à Europa e Estados Unidos muitas vezes caem depois de subir, nas rodadas mensais de negociação entre as companhias de navegação e seus clientes.
Mas a expectativa era de que as tarifas se mantivessem firmes depois de sua alta no começo de janeiro. As companhias de navegação reduziram sua capacidade este ano, em um esforço para elevar as tarifas o bastante para compensar os novos regulamentos IMO 2020, que dispõem o uso de combustíveis menos poluentes mas mais dispendiosos.
Em lugar disso, as tarifas no mercado spot para fretes do leste da Ásia despencaram, e o volume continua a cair. A Alphaliner, uma empresa que fornece dados sobre o setor, diz que cerca de 700 mil contêineres foram retirados das rotas entre a Ásia e o norte da Europa nas oito semanas desde o Ano-Novo chinês, mais que o dobro da redução registrada no período do mesmo feriado um ano atrás. Dezenas de partidas de navios foram canceladas.
As tarifas dos contratos de longo prazo, tipicamente muito mais firmes que as do mercado spot, também caíram, e as das rotas entre a China e o norte da Europa mostram queda de 12%, segundo a Xeneta.
Mas os dados da Xeneta também mostram que as tarifas entre a Europa e a China subiram acentuadamente este mês, de US$ 821 a US$ 1.189 por contêiner de 40 pés, à medida que os exportadores asiáticos lutam para encontrar contêineres, que estão se empilhando enquanto esperam para ser transportados para fora de portos dos dois lados do planeta.
Na ponta oposta, dados da VesselsValue mostram que embarques de derivados refinados de petróleo da China para Cingapura, um polo de exportação ao restante do planeta, cresceram este ano em comparação ao período posterior ao feriado de Ano-Novo chinês de 2019, com a queda no consumo chinês de gasolina, diesel e outros combustíveis.
Adrian Economakis, vice-presidente de estratégia da VesselsValue, diz que as consequências dessas perturbações podem ser vistas em todo o mundo, como na acentuada redução nos embarques de produtos refinados de petróleo dos Estados Unidos para o Brasil.
O volume dessas cargas costuma cair nesta época do ano devido a pausas para manutenção nas refinarias, ele disse, mas a queda deste ano se provou persistente e vem sendo exacerbada pela cautela quanto aos efeitos do surto de coronavírus.
Dados diários recentes apontam que a atividade portuária da China está se recuperando depois de um período de colapso. A Clarksons Research Services, que oferece dados sobre navegação, diz que o número de chegadas de navios a portos chineses se recuperou nas últimas duas semanas, porque as companhias de navegação estão trabalhando para reduzir o congestionamento. Mas a análise da empresa acautela que visitas a portos podem estar sendo realizadas por outros motivos, como mudanças de tripulação, e que uma segunda queda é possível assim o acúmulo inicial for superado.
Se a atividade está de fato se recuperando, as tarifas para o transporte de contêineres ainda não o refletem. Berglund, da Xeneta, diz que as tarifas do mercado spot em rotas da China a outros mercados continuam inalteradas esta semana, depois das quedas recentes.
Fonte: Folha SP