Robert Wright, Financial Times
Thomas Mann reconheceria muitos elementos no escritório de um armador contemporâneo do norte da Alemanha. O ar de calma refinada, os modelos de barcos e o prolongado controle familiar de muitos deles seria reconhecido pelo escritor de "Os Buddenbrooks", a saga de uma família de armadores da Lübeck do século XIX.
Muitos proprietários de navios têm escritórios às margens do Elba em Hamburgo, ainda desfrutando - curiosamente, numa era de portos industriais para contêineres - vistas de embarcações passando.
A maioria dos armadores do norte da Alemanha, porém, atualmente conduz negócios globais, não as operações regionais que Mann descreveu. Eles controlam 35% dos navios porta-contêineres do mundo, administrando grande parte dos navios que facilitaram a forte expansão das exportações da China da década passada. Eles lidam com companhias de navegação taiwanesas ou chilenas ou com estaleiros coreanos com a mesma facilidade com a qual Thomas Buddenbrook lidava com parceiros comerciais através do Báltico em Riga.
Por isso, o norte da Alemanha enfrenta a maior tempestade que já atingiu a navegação de transporte de carga. A prosperidade dos cidadãos comuns, de vários grandes bancos e até dos Estados federais corre risco, junto com a prosperidade dos ricos armadores.
A questão é até que ponto os governos estaduais da região - e o governo federal da Alemanha - podem ou devem proteger o setor de uma crise que, no tempo dos Buddenbrooks, eles teriam de suportar por si sós.
"Vemos os efeitos da crise financeira e econômica global", disse o ministro das Finanças do governo do Estado de Hamburgo, Axel Gedaschko, disse na semana passada sobre o financiamento de navios. "Talvez vocês possam senti-los com maior intensidade no norte da Alemanha do que em qualquer outro lugar."
A maioria dos proprietários alemães, em vez de prospectar clientes e organizar os itinerários por si mesmos, fretam seus navios por longos períodos para Maersk Line, Mediterranean Shipping Company e outras operadoras de porta-contêineres. As operadoras, porém, passaram a não renovar os contratos quando os volumes e os preços dos contêineres desabaram em outubro de 2008. As taxas pagas quando os fretamentos são renovados são muito mais baixas do que antes, e centenas de navios permanecem atracados sem uso.
Os alemães comuns estão sofrendo por causa dos fundos KG - companhias com baixa tributação pertencentes a empresa e investidores proprietários de navios das categorias de renda mais elevada. Os fundos vêm pedindo cada vez mais recursos novos dos acionistas para financiar a manutenção das embarcações. Muitos tiveram de vender navios ou desabaram de vez depois que os investidores se recusaram.
Para bancos, um excesso de encomendas pendentes de navios representa uma tempestade em formação ainda mais cruel. Instituições regionais, especialmente o HSH Nordbank, maior banco de financiamento de navegação do mundo, controlado pelos Estados de Schleswig-Holstein e Hamburgo, forneceram recursos para uma farra de encomendas durante a forte expansão dos navios porta-contêineres entre 2001 e 2008. Alguns navios foram encomendados especulativamente, sem fretamentos acertados e não têm nenhuma perspectiva imediata de contratação. Quase todo o ônus de pagar as dezenas de bilhões de euros devidos aos estaleiros parece que acabará recaindo sobre os bancos.
Hamburgo e Schleswig-Holstein já destinaram € 3 bilhões em capital novo ao HSH Nordbank e € 10 bilhões em garantias de empréstimos, mas é provável que seja necessário prover apoio adicional.
A maioria dos envolvidos está tentando "empurrar com a barriga", conforme descreveu um dos participantes do fórum em Hamburgo as tentativas de retardar as entregas de navios, rever acordos de empréstimos e tomar outras iniciativas para adiar uma crise.
O momento mais próximo de uma catástrofe ocorreu em maio, quando os armadores de Hamburgo e do HSH Nordbank precisaram socorrer conjuntamente a CSAV, uma companhia chilena de transporte de carga que havia fretado 90 navios de armadores alemães e quase faliu.
Jochen Döhle, sócio da Peter Döhle Schiffsfahrt, uma das maiores armadoras, rejeita queixas de que o acordo teria amparado uma companhia enferma. "Não seria esse um sinal positivo de que o setor de navegação aprendeu com o erro da falência do Lehman?"
Poucos no norte da Alemanha, porém, acreditam que a região possa absorver as dezenas de bilhões de euros em valor que estão sendo destruídos. Peter Döhle e Claus-Peter Offen, dois dos maiores armadores, recorreram no ano passado ao governo federal para obter garantias de empréstimos. Eles recuaram depois de serem informados que seriam rejeitados.
Gedaschko acredita que muitos alemães do Sul no governo federal não conseguiram captar a importância econômica da navegação. Ele gostaria que o Estado oferecesse ajuda aos armadores e fornecesse garantias para escorar os créditos bancários dos fundos KG. Seis Estados do norte da Alemanha irão a Berlim este mês para discutir uma possível ajuda.
"Acreditamos que precisaremos de dois a três anos de apoio a esse setor e passado esse tempo o setor poderá tomar conta de si", ele diz.
Seja qual for o apoio futuro, a tradição e experiência de armadores da região manterá o setor vivo. Os futuros executivos, porém, precisarão se comportar mais como os sóbrios patriarcas do clã dos Buddenbrooks, que como seus membros mais jovens e estouvados. (fonte: Valor)
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