A desaceleração chinesa com o surto mortal de coronavírus tirou o setor de navegação mundial do rumo, derrubando as tarifas de frete para seus menores patamares históricos e levando muitos portos a recusar a entrada de navios.
Todos os segmentos da navegação, desde petroleiros até navios de contêineres, vêm sendo afetados pelo impacto econômico da suspensão de atividade em fábricas e das restrições a viagens que a China colocou em vigor para controlar a disseminação do vírus.
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Na semana passada, o índice Capsize, que acompanha o custo de frete dos maiores navios do commodities secas a granel, como minério de ferro, carvão e grãos, caiu para território negativo pela primeira vez desde sua criação em 1999, indicando que algumas empresas de navegação vêm operando certas rotas com prejuízo.
Corretores de navios e analistas dizem que a queda na demanda para transportar bens para dentro ou fora da China — maior consumidor mundial de muitas commodities — vai continuar deixando suas marcas nos setores de navegação e de comercialização de commodities por vários meses.
“Está uma bagunça, realmente”, disse Erik Haavaldsen, chefe de análises no banco de investimento Pareto Securities, que tem sede em Oslo. “A China é muito importante para tudo relacionado à navegação.”
Desde que as suspensões de atividades começaram, alguns estaleiros ficaram sem trabalhadores, resultando em prejuízo para donos e construtores, que veem os navios ociosos, na fila para receber atendimento. Um dos maiores estaleiros da China, em Jiangjiang, perto de Xangai, teve duas solicitações seguidas para reabrir recusadas pelo governo local. “Não temos condições de continuar em férias por muito tempo”, disse um técnico da operadora, no início da semana.
No porto de Wuhan, no rio Yangtzé, outro técnico disse que a maior preocupação das autoridades são os remédios e os itens de primeira necessidade. “Não temos capacidade para lidar com outras mercadorias”, disse.
O uso da capacidade dos principais portos chineses está entre 20% a 50% abaixo do normal e cerca de 35% dos portos informaram que as instalações de armazenamento estão mais de 90% cheias, segundo uma pesquisa, realizada na semana passada, pelo centro de estudos Shanghai International Shipping Institute, financiado pelo governo chinês.
Os impactos no setor de navegação provavelmente serão duradouros. Um técnico da China Merchants Port, uma importante operadora de portos de Hong Kong, disse que a epidemia vai reduzir a receita anual de 10% a 25% se for controlada até o fim de março — se durar mais, a proporção será ainda maior.
Tripulações presas
No mar, tripulações estão presas dentro de navios em estaleiros chineses ou em portos como o de Cingapura, que adotaram regras rigorosas de quarentena sobre embarcações provenientes da China. Guy Platten, secretário-geral da Câmara Internacional de Navegação, disse que alguns navios ancorados estão ficando sem alimentos.
Tripulantes chineses, uma das nacionalidades mais frequentes entre os marinheiros, vêm sendo obrigados a ficar períodos mais longos no mar — que normalmente não passariam de seis meses — uma vez que as restrições das quarentenas dificultam a troca das tripulações, segundo corretores.
As commodities também sofrem com o surto. Executivos chineses da área de energia estimaram que o consumo doméstico de petróleo poderá cair até 25% em fevereiro, o que representaria um impacto de 3% na demanda mundial. Essas preocupações já derrubaram o preço do barril de petróleo do tipo Brent em cerca de 15% neste ano.
Como resultado, as tarifas dos superpetroleiros que transportam petróleo caíram 75% nos últimos 30 dias, para US$ 23 mil por dia, uma drástica diferença em relação aos US$ 140 mil por dia de quatro meses antes.
“O coronavírus vem tendo um grande impacto desestabilizador no mercado e em nossos negócios”, disse Brian Gallagher, chefe de relações com os investidores da Euronav, uma das maiores empresas de petroleiros do mundo.
O vírus não é a única força negativa agindo no mercado de petroleiros. Há mais embarcações disponíveis para uso desde que, no fim de janeiro, uma unidade da Cosco, maior proprietária de petroleiros da China, foi eximida das sanções dos Estados Unidos contra o Irã. A pressão sobre os preços dos fretes é amplificada pela tendência de queda na demanda depois do Ano-Novo Lunar chinês.
Uma possível boa notícia para as operadoras de petroleiros é a perspectiva de que os navios possam ser usados para armazenar petróleo no mar, uma vez que as instalações em terra estão sem muita capacidade. Gallagher disse ter recebido algumas sondagens para prestar esse serviço, mas que, por enquanto, ainda não vale a pena economicamente.
Outros segmentos da navegação também foram afetados. A AP Moller-Maersk, uma grande empresa de navios de contêineres, cancelou 20 saídas da China desde o início do surto. Alguns donos de navios não vêm permitindo que seus barcos se dirijam à China, em razão dos riscos, enquanto outros vêm cobrando a mais para ir ao país, segundo um corretor que trabalha na Ásia.
Os mais otimistas preveem a recuperação do setor graças aos esperados anúncios de estímulos econômicos pelo governo da China, uma vez que o vírus estiver contido. Mas uma desestabilização econômica prolongada pode, em última medida, levar empresas de vários setores, incluindo o de navegação, a repensar o excesso de dependência em relação a apenas um país e estudar realocar algumas operações fora da China.
“Você tem a guerra comercial e, em cima disso, o surto de coronavírus”, disse Erik Broekhuizen, chefe de análises do mercado de petroleiros da Poten & Partners, uma corretora. “Você vai ter pessoas dizendo ‘espera aí... precisamos de um plano B’.”
Fonte: Folha SP