Um navio que passou no litoral potiguar em 24 de julho e deixou um rastro negro visível numa imagem de satélite não era localizável por meio de transponder na ocasião, sinal de que pode ser uma embarcação fantasma. A informação é da multinacional grega Marine Traffic , que monitora tráfego naval no planeta inteiro.
A pedido do GLOBO, a empresa fez uma busca em seu banco de dados para cruzar com a imagem de satélite, que mostrava a embarcação 40 km ao norte de São Miguel do Gostoso (RN) entre 8h e 8h06 do dia 24 de julho. A foto mostrava três pontos brancos (embarcações), mas os dados de transponder registraram a presença de apenas uma: um cargueiro de veículos americano, que navegava na direção contrária ao rastro observado, portanto não poderia tê-lo gerado.
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O navio é alvo de cientistas na investigação sobre derramamento de óleo no Nordeste. A imagem de satélite em questão foi encontrada pelo Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites (Lapis) , da Universidade Federal do Alagoas, no banco de dados do satélite europeu Sentinel-1A.
Segundo Humberto Barbosa, cientista que lidera o laboratório em Maceió, os sensores usados para fazer a imagem são adequados para capturar o contraste entre óleo e água, porque leem propriedades elétricas da água. O satélite não fez o acompanhamento da embarcação porque aquele sensor específico só registra aquela região do litoral uma vez a cada 12 dias.
A Marine Traffic, que tem sede na Grécia, porém, registrou as trajetórias dos cinco navios gregos que o governo brasileiro destacou como suspeitos pelo derramamento. Mas, segundo o Lapis, nenhum deles teve trajetória que se encaixasse na fotografia. Eles são o Bouboulina (tido pela Marinha como principal suspeito), Maran Apollo, Maran Libra, Cap Pembroke e Minerva Alexandra.
Barbosa, que analisou as rotas levantadas pela Marine Traffic, diz que não acredita, em princípio, na culpabilidade de nenhum deles.
— Datas e outras particularidades eliminam a suspeita — afirma.
Os nomes dos navios foram divulgados pela empresa Delta Tankers , operadora do Bouboulina, que recebeu cópia do ofício que o governo do Brasil enviou à autoridade naval da Grécia.
Registro global
A Marinha Brasileira não informou se enviou ofício a outros países, mas revelou alguns detalhes da investigação, como a busca por navios que estivessem carregando petróleo venezuelano .
Segundo Giorgios Hatzimanolis, porta-voz da Marine Traffic, não é certeza que um navio com transponder desligado esteja necessariamente se escondendo, mas alguns o fazem.
— Na maioria dos casos, estão fazendo algo ilegal ou movendo mercadoria para dentro e para fora de países que sofrem sanções, como a Venezuela — afirma.
Três dos navios gregos investigados passaram pela Venezuela, mostram dados da empresa, mas com o transponder ligado.
Apesar de tomarem direções diferentes, tanto as investigações da HEX — que embasaram a suspeita da Marinha sobre o Bouboulina — quanto as do Lapis sobre o derramamento de óleo no Nordeste usam dados do site grego Marine Traffic. Caso o culpado pela mancha de óleo não seja navio fantasma, sua rota deve estar em algum lugar no mar de dados que a empresa armazena.
— É uma exigência legal da Organização Marítima Internacional que todas as embarcações com tonelagem bruta acima de 25.000 t tenham transponder de AIS (sistema de identificação automático) e transmitam sua posição ao menos uma vez por dia. Muitos transmitem suas posições a cada minuto, por razões de segurança — conta Hatzimanolis.
Segundo ele, os servidores da Marine Traffic armazenam dez anos de dados de tráfego global.
— Temos a maior cobertura, com mais de 3 mil receptores (de transponder) terrestres, e trabalhamos com três empresas de satélites — afirma. — Recebemos posição de 190 mil navios por dia. Num bom dia, esse número pode chegar a 205 mil ou 210 mil.
Segundo a empresa, podem existir de 5 mil a 7 mil navios cada momento que tenham seus transponders desligados, mas só uma pequena fração o faz para esconder ilegalidades.
— Podem ser navios que não estão em serviço, navios em reparos, navios que navegaram para fora da zona de cobertura. Há várias outras razões que levam a isso — afirma Hatzimanolis.
Procurados, a empresa HEX e o Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA, formado por Marinha, ANP e Ibama) não se manifestaram até o fechamento desta edição.
Fonte: O Globo