A Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres (Abratec) protocolou um pedido de impugnação contra o edital de licitação da Autoridade Portuária de Santos (APS) que prevê a cessão onerosa de uma das últimas áreas públicas de caráter operacional ainda disponíveis na margem direita do Porto de Santos (SP). Segundo a entidade, o redirecionamento do espaço de 260.000 metros quadrados (m²) para a implantação de um condomínio logístico, em vez de ampliar a capacidade de movimentação de contêineres, viola o Plano de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZ) do Porto, aprovado em 2020. A APS destacou a legalidade do processo e que a controvérsia está em uma interpretação que não captura a distinção primordial entre áreas portuárias.
Na avaliação da Abratec, essa intenção ameaça o futuro operacional do complexo portuário em um momento em que a demanda cresce de forma consistente e já se aproxima do limite da infraestrutura instalada. O argumento é que o edital da APS se distancia de critérios essenciais de planejamento e de gestão pública, deixando de observar exigências técnicas, regulatórias e legais.
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A associação entende que a condução do certame impõe riscos graves à lógica de desenvolvimento portuário. A Abratec alega que o edital foi lançado sem apresentação de estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental (EVTEA) e a necessária participação social em audiência pública capazes de demonstrar que o empreendimento proposto atende ao interesse público ou que representa a melhor alternativa para o uso da área.
“Uma iniciativa dessa natureza não pode prescindir de critérios técnicos, planejamento e aderência ao marco regulatório. A destinação inadequada de uma área tão estratégica, que representa o equivalente a um terço da área total destinada ao Tecon Santos 10, coloca em risco o futuro do Porto de Santos e prejudica o interesse público. A revisão imediata é indispensável”, afirmou o diretor executivo da Abratec, Caio Morel.
A Abratec aponta ainda que a APS deixou de submeter a proposta à validação do Ministério de Portos e Aeroportos (MPor) e da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), conforme etapa obrigatória quando há alteração relevante na destinação de áreas portuárias. A associação questiona ainda o prazo definido pelo edital, de 22 dias, entre a publicação e a entrega das propostas, que considera exíguo, para um projeto com investimentos estimados em mais de R$ 1 bilhão.
Para a Abratec, esse intervalo impede que potenciais interessados realizem análises aprofundadas, modelagens financeiras ou estudos consistentes para formulação de propostas competitivas, o que compromete a isonomia e a integridade do processo licitatório. A entidade cobra ainda Estudos de Impacto de Tráfego ou de Vizinhança, levando em conta que o condomínio logístico projetado gerar grande aumento no fluxo de caminhões em uma região já saturada e com acessos terrestres operando no limite.
A APS lançou, no final de outubro, dois editais para cessão onerosa de duas áreas para construção de dois condomínios logísticos, com pátios de caminhões, em um total de 877 vagas. Os terrenos estão localizados na região entre a Alemoa e o Saboó, em Santos, e em Conceiçãozinha, no Guarujá, com área superior a 400.000 metros quadrados (m²), somados. Parte do espaço será utilizada para serviços de apoio à operação portuária.
No terreno de Santos, o projeto abrange a implantação e operação de um condomínio logístico para atender de forma integrada duas frentes de atuação. Uma delas um ‘truck center’ e serviços voltados ao motorista e veículo, destinados à organização do fluxo de entrada e saída de caminhões e ao atendimento das demandas operacionais. Terá de 121.000 m², prevendo, no mínimo, 460 vagas. Também contará com serviços voltados às cargas e contêineres, direcionados à manutenção, certificação, transformação, locação, compra e venda de contêineres, contribuindo para a eficiência e sustentabilidade da cadeia logística. Terá também 121.000 m².
O terreno fica na Avenida Augusto Barata, na altura do terminal da BTP, no lado oposto da via perimetral. A APS destacou que a localização proposta, inserida no cluster de contêineres da margem direita do Porto de Santos, reforça o papel estratégico do empreendimento, uma vez que a área se situa próxima aos eixos rodoviários estruturantes de acesso portuário e a terminais de contêineres (Marimex, BTP e o futuro Tecon Santos 10, além dos depots da Via Anchieta). Para a autoridade portuária, essa condição possibilita elevada sinergia operacional, ao concentrar atividades logísticas complementares em zona de influência direta do porto.
Em nota enviada à Portos e Navios, a APS enfatizou a legalidade e a visão estratégica do Edital de Cessão de Uso Onerosa para o Condomínio Logístico e Truck Center (CLMD). A estruturação do certame está alinhada aos princípios de eficiência, competitividade e, fundamentalmente, à correta aplicação do arcabouço normativo que rege o setor portuário brasileiro e o Plano de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZ).
Para a autoridade portuária a controvérsia está em uma interpretação que não captura a distinção primordial entre áreas portuárias. A APS destacou que o CLMD não é diretamente destinado à movimentação ou armazenagem de mercadorias destinadas ou provenientes do transporte aquaviário. “O empreendimento é, em sua essência, uma plataforma de suporte logístico terrestre, focado na ordenação do fluxo de caminhões (Truck Center) e na oferta de serviços acessórios ao ciclo do contêiner”, ressaltou.
A APS entende que a exigência do regime de arrendamento portuário à afastada devido à ausência de interface direta com instalações de acostagem (cais). A autoridade portuária citou precedentes institucionais, como a conversão do contrato da Ferrovia Interna do Porto de Santos (FIPS) para o modelo de cessão, como demonstração de que a natureza do uso pretendido e a localização do ativo são os pilares para sua classificação, e não a mera menção no PDZ.
A decisão de destinar a área para o CLMD, salientou a APS, é plenamente compatível com as diretrizes do PDZ, que não deve ser visto como um conjunto de restrições rígidas. O planejamento setorial prevê que as destinações pretendidas "não possuem caráter de obrigatoriedade ou restrição", devendo ser avaliadas caso a caso. Acrescenta que a implantação de "áreas para estacionamento" é um uso acessório previsto no PDZ.
A autoridade portuária frisou que age em busca da racionalidade logística imediata, visando descomprimir os acessos viários. E que essa visão de longo prazo é garantida pela inclusão, no contrato, de uma cláusula de reserva técnica de espaço para a futura interligação ferroviária entre os terminais BTP e Tecon Santos 10. “Esta medida preserva um corredor estratégico, assegurando que o empreendimento se mantenha coerente com a expansão multimodal prevista e eliminando riscos de reengenharias futuras”, afirmou.
A APS defendeu que o edital adota salvaguardas rigorosas, como a restrição de participação a operadores de contêineres e a exigência de Plano de Garantias de Neutralidade e Acesso (PGNA). E que tais cláusulas não representam uma contradição jurídica, mas sim uma prudência regulatória fundamental. “A área, devido à sua proximidade crítica aos gates dos principais terminais, é reconhecida como um ativo sistêmico ou infraestrutura essencial de apoio terrestre. O controle desse ativo por um agente verticalizado criaria um risco sistêmico de fechamento de mercado (foreclosure), ameaçando a isonomia e a eficiência de todo o cluster”, justificou a APS.
A autoridade portuária considera que as restrições atuam como remédios estruturais preventivos e asseguram que o CLMD opere sob o princípio FRAND (Fair, Reasonable and Non-Discriminatory), garantindo que todos os transportadores tenham acesso aberto e isonômico. “A APS, ao impor essas regras, age em benefício do usuário final e da competitividade sistêmica do porto, um dever constitucional de preservação da ordem econômica”, finalizou a autoridade portuária em seu comunicado.
Nota da Redação: Matéria atualizada para acréscimo do posicionamento da APS.















