A Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP) decidiu atuar administrativamente na discussão com a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), a Secretaria Especial de Portos e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), para tentar desfazer os efeitos da Portaria 24. Se essa estratégia não for bem-sucedida, a associação planeja tomar medidas judiciais. Outra possibilidade, adianta o presidente da ABTP, Wilen Manteli, é recorrer ao Congresso Nacional.
O secretário-geral da Câmara Interamericana de Transporte (CIT), Paulo Caleffi, acredita que há chances de reversão dessa decisão na esfera política. Ele salienta que o foco do governo deveria ser a desoneração do setor produtivo e não o contrário. Caleffi classifica o Decreto-Lei 9.760/46, uma das bases da nova portaria, como antigo. “Nós considerávamos uma lei morta, pois ela não tinha viabilidade de execução em um País que pensa mudar sua matriz de transporte, que hoje é plenamente rodoviária”, argumenta o secretário-geral da Câmara Interamericana de Transporte.
Caleffi acrescenta que a utilização da água implica retirar o líquido do seu leito natural, mas, no caso de terminais portuários, isso não se verifica. “Então, a cobrança está prevista no uso de algo que não se tira”, ressalta o dirigente. Para ele, se o governo quer incentivar o transporte aquaviário, é necessário conceder benefícios e não taxar o uso de um modal que pode ser dos mais promissores para o transporte no País.
Conforme Caleffi, o Brasil ao adotar uma medida como essa pode influenciar outras nações a tomarem atitudes similares. O secretário diz que desconhece uma ação semelhante aplicada em outro país. Em abril, a Câmara Interamericana de Transportes (que agrega representantes de 19 nações) realizará uma reunião, em Buenos Aires, na Argentina, e essa nova situação criada no País deverá ser debatida no encontro.
Advogados sugerem às companhias adoção de medidas jurídicas para defesa de direitos
As empresas que exploram terminais portuários de uso privativo devem se proteger judicialmente para evitar qualquer autuação enquanto discutem a legalidade da taxa sobre o uso do espelho d’água, recomenda o advogado Thiago Miller, sócio da Advocacia Ruy de Mello Miller, especializada em Direito Marítimo e Portuário. “Parece-nos um equívoco estratégico onerar a infraestrutura portuária, que necessita de incentivos e segurança jurídica para investir e conseguir superar e equacionar a demanda e o crescimento do País nos próximos anos”, argumenta. Miller acredita que o conceito original da cobrança era destinado ao setor náutico (de lazer e turismo), que é uma atividade eminentemente privada, desvinculada do segmento produtivo.
Da forma como foi editada, a Portaria 24 atingirá os terminais de uso privativo, que são aquelas estruturas que pertencem às indústrias, exportadoras e dependentes de insumos importados, que verticalizaram suas operações para reduzir o custo de seu produto final. Para Miller, essa cobrança será transferida para o serviço portuário e, consequentemente, repassado para o preço do produto exportado e para os insumos e equipamentos importados pela indústria nacional.
Os critérios previstos como base de cálculo desta cobrança são tamanho da área, preço do terreno e valor do investimento. “Penso que o preço do terreno e o valor do investimento deveriam ser irrelevantes para a fixação de critério da cobrança da cessão de uso, pois estão desvinculados do uso ou benefício”, sustenta Miller. Ele prevê que esse ponto será objeto de contestação judicial. Ele também espera que haja uma reversão dessa decisão e, se isso não ocorrer, a cobrança será discutida judicialmente, pois o setor não assimilará este ônus.
O advogado Leandro Souza de Oliveira, da Law Offices Carl Kincaid Mendes Vianna Advogados Associados, complementa que as empresas poderão discutir a legalidade da cobrança através de tutelas individuais ou coletivas. Para ele, em princípio, haverá dois reflexos imediatos da portaria: primeiro, o burocrático, pois as companhias deverão se regularizar em 180 dias. “Neste aspecto, fica o questionamento se a Secretaria do Patrimônio da União teria condições de atender e responder a todos os interessados em um prazo tão exíguo”, pergunta Oliveira. O segundo impacto é o aumento do custo do setor logístico, que, possivelmente, poderá gerar retração de investimentos no segmento.
“Apesar de a SPU agora invocar legislação bastante antiga para a cobrança de tal taxa, de fato não era a prática da secretaria de efetuar tal cobrança por cessão de uso a utilização das águas”, diz Oliveira. “Ou seja, significa um retrocesso legal com caráter arrecadador”. Ele ainda destaca a previsão de revisão dos valores a cada cinco anos do contrato de cessão ou sempre que a SPU entender que houve alteração das condições utilizadas para o cálculo inicial, o que também gera preocupação aos interessados, devido a sua subjetividade.
Em nota explicativa, a Secretaria do Patrimônio da União informa que “a Portaria 24 não pretende esgotar o tema, apenas lança as bases para regulamentação dos procedimentos afins, abrindo os canais de diálogo para contribuições e críticas que, quando pertinentes, a seu tempo, poderão ser incorporadas em revisões”.
Fonte: Jornal do Commercio (RS)/ANA PAULA APRATO/JC
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