Produtores rurais de Estados como Mato Grosso, Bahia e Paraná têm formado cooperativas para financiar projetos de infraestrutura, como alternativa à crise fiscal de Estados e municípios pós-covid
O produtor Edoardo Del Missier espera com ansiedade a conclusão da pavimentação de uma estrada próxima à sua propriedade, em Luís Eduardo Magalhães, zona agrícola no oeste da Bahia. Integrante de uma associação rural que paga pela recuperação de vias públicas na região, ele conta que a chegada do asfalto vai valorizar a terra e reduzir os custos operacionais, especialmente com a manutenção de máquinas e veículos.
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“Devo ter uma redução de 10% a 15% no custo do frete, após o asfaltamento. Tínhamos sempre veículos atolados, tombamentos e problemas mecânicos. Para percorrer 25 km até a minha propriedade, a partir da BR-020, a gente costumava levar uma hora em dias chuvosos. Agora, vamos demorar a metade do tempo”, comemora.
Com a arrecadação de Estados e municípios em baixa, por conta da pandemia do novo coronavírus, e o agronegócio sendo um dos poucos setores da economia que se saiu bem este ano, mesmo nos piores momentos da crise, grupos de produtores de diferentes cantos do País têm se reunido para administrar – eles próprios ou em associação com governos – obras de infraestrutura em suas regiões.
PPPs caipiras
Para facilitar o escoamento de grãos e reduzir os custos de produção, as associações de produtores se organizam para custear do asfaltamento e recuperação de estradas à revitalização de um porto fluvial na fronteira com a Bolívia, por meio de Parcerias Público-Privadas (PPPs), concessões ou doações para prefeituras da região. São as chamadas “PPPs caipiras”.
O apelido vem de um projeto que surgiu em Mato Grosso há quase duas décadas, em que o governo do Estado e os agricultores se uniam para a pavimentação e conservação de estradas da região. Após um hiato de dez anos, o projeto voltou no ano passado, com o lançamento de um programa de PPPs sociais.
Agricultor da região de Sorriso (MT), o gaúcho Sadi Bedelli conta que os produtores levam os projetos de recuperação das vias até o governo e arcam com 20% dos custos.
O restante vem do Fundo Estadual de Transporte e Habitação (Fethab), que incide sobre a comercialização de commodities, como soja e milho. “As estradas continuam sendo públicas, mas trechos de maior movimento podem ser eventualmente pedagiados.”
Segundo o Estado, são 22 mil quilômetros de estradas não pavimentadas, além de 2,4 mil pontes de madeira em rodovias estaduais. “O governo continua investindo em obras, mas economiza recursos que podem ser destinados a regiões e municípios que ainda sofrem com a falta de logística.”
Na fronteira agrícola do Matopiba (acrônimo formado com as iniciais dos Estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), os produtores de Luís Eduardo Magalhães recuperaram até outubro trechos de 17 estradas rurais, totalizando 914 quilômetros. A previsão é de investimentos de R$ 180 milhões em três anos, com as obras em parceria com o poder público.
Caminhoneiros que trabalham na região também comemoram a melhoria das estradas vicinais. “Na época da chuva não tem jeito, mas aqui na região o próprio fazendeiro cuida da estrada, não espera pelo município”, afirma Erenito José Teixeira, motorista há 41 anos.
Pandemia forçou a busca por alternativa
O tranco na economia causado pela covid-19 jogou luz sobre uma preocupação antiga dos produtores rurais: como resolver a necessidade de reduzir custos de transporte do agronegócio, em um contexto de orçamentos cada vez mais enxutos. Para Sandro Cabral, especialista do Insper em concessões e PPPs, as parcerias caipiras podem ser a saída.
“Às vezes, algumas estradas não têm interesse comercial para serem privatizadas para uma grande operadora, mas é do interesse dos produtores que elas tenham o mínimo de condição de uso. No oeste da Bahia, por exemplo, está sendo feita a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), mas é preciso ter boas estradas para a soja chegar lá.”
De acordo com o pesquisador, as iniciativas de projetos de infraestrutura por parte dos produtores ainda é difícil de ser dimensionada, mas tende a aumentar por todo o País, na medida em que os recursos públicos disponíveis não acompanham a necessidade de escoar a produção agrícola. Ainda assim, alguns economistas também ponderam que iniciativas do gênero resolvem só problemas específicos e, por ora, não têm escala.
Os produtores de Mato Grosso, por exemplo, inspiraram uma associação rural em Toledo, no oeste do Paraná, a fazer o mesmo. Lá, o município custeia 70% das obras nas estradas e eles doam os 30% restantes, conta o presidente do sindicato rural da cidade, Nelson Paludo. “Hoje, são os produtores de outras cidades do sul que nos procuram para ver o que fizemos.”
O secretário de Agricultura do município, Lídio Michels, lembra que 380 km foram pavimentados nos últimos 15 anos e que a queda da arrecadação por conta da covid-19 fez a parceria ganhar importância. “O município até poderia fazer sozinho, mas conseguiria asfaltar muito menos.”
Porto em MT deve acelerar exportações
Em Cáceres, município de Mato Grosso que é dono do maior rebanho bovino do Estado, a Associação dos Produtores do Rio Paraguai obteve a concessão do Estado para reformar o porto fluvial da cidade e administrá-lo. Os produtores investiram R$ 1,5 milhão no local, que estava cedido à Companhia Mato-grossense de Mineração (Metamat), mas parado há dez anos.
Francis Maris Cruz (PSDB), prefeito do município, conta que a prefeitura tinha recursos e interesse de entrar na concessão do porto. “Chegamos a fazer um convênio para passar o porto para o município, mas desavenças políticas nos deixaram de fora do projeto”, diz.
Apesar disso, o prefeito diz que o seu interesse é que o porto funcione e traga benefícios para a economia local. Cruz explica que cidades da porção do meio-norte do Estado, a 400 km de distância de Cáceres, poderão viabilizar a exportação de produtos agropecuários pelo porto. “Serão US$ 100 a menos por carreta transportada, dinheiro que o produtor poderá reinvestir na atividade.”
De Cáceres até o Uruguai, são 2.400 quilômetros navegáveis. Por terra, o trajeto é mais longo e mais caro. Quando o porto começar a operar, o que é esperado no início de 2021, deve movimentar a cidade, gerando empregos, arrecadação de impostos e impulsionando o comércio e o setor de serviços.
Fonte: Estadão