Apesar da participação das ferrovias ser de apenas 4% da matriz modal de transportes brasileiro, o investimento no desenvolvimento de tecnologias e equipamentos é uma constante no setor ferroviário. Diferentemente do que as pessoas podem imaginar, para garantir a performance das operações ferroviárias, o modal opera com tecnologia de ponta e equipamentos como vagões desenvolvidos especificamente para cada operação. É o caso das concessionárias de transporte ferroviário como a Vale, Ferrovia Tereza Cristina (FTC), Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) e América Latina Logística (ALL).
A empresa Vale deve fechar o ano totalizando R$ 1,2 bilhões investidos em pesquisa e desenvolvimento. De acordo com o gerente-geral de Inovação e Desenvolvimento Ferroviário, Gustavo Mucci, a inovação é um dos fatores que alavancam a performance da empresa. Entre as inovações que estão garantindo ganhos para a empresa estão o simulador de trens e o helper dinâmico.
Provando que o Brasil tem conhecimento para criar tecnologia de ponta, a Vale e a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) desenvolveram o mais moderno simulador de trens do mundo. Apesar da empresa já utilizar simuladores de realidade virtual desde 2001, o novo equipamento consegue um elevado grau de customização através da reprodução fiel, em tecnologia 3D, da malha ferroviária da Vale. Ao todo ela soma 10 mil quilômetros divididos entre linhas das malhas das estradas de ferro Vitória a Minas (EFVM), Carajás (EFC), Norte Sul (FNS) e?Ferrovia Centro-Atlântica (FCA).
A imagem produzida em 3D mostra o comportamento do trem ao longo do trajeto da ferrovia com a simulação de diferentes condições climáticas como sol, neblina e chuva. Por meio de um sistema de georreferenciamento, o simulador também pode criar diferentes?malhas e?projetar?situações de risco como a de animais cruzando a linha do trem durante a noite. Composto por funcionalidades inovadoras como a leitura de dados de latitude e longitude, o equipamento também consegue determinar características topográficas do relevo da malha ferroviária, como curvas acentuadas e desníveis.?
O simulador considera também, em um ambiente de realidade virtual,?todas as características do trem, como aderência das rodas ao trilho, eficiência da frenagem, de tração e do freio dinâmico, tempo de percurso, consumo de combustível e procedimentos de segurança. “Os maquinistas?estarão expostos a situações reais de operação”, afirma Mucci. O software é instalado em módulos de treinamento, que reproduzem a cabine da locomotiva como se os trens estivessem em movimento.
O objetivo principal do investimento de R$ 2,5 milhões aplicado no desenvolvimento da tecnologia, afirma Mucci, é preparar melhor os maquinistas da empresa para garantir mais segurança às operações. Hoje para se tornar maquinista na empresa, o profissional precisa galgar várias posições. Ele inicia a carreira como oficial de operações e aos poucos, conforme o aprendizado, vai subindo de posto até chegar a maquinista. Todo esse processo leva no mínimo 18 meses. Mesmo depois de formados, eles continuam recebendo acompanhamento e monitoramento contínuo e participam de cursos de reciclagem e aprimoramento. “Com o uso do simulador, o treinamento ficou melhor, pois trazemos a realidade de cada ferrovia para estudo”, destaca o gerente-geral de Inovação e Desenvolvimento Ferroviário.
Mas, as vantagens do equipamento vão além. Através da simulação é possível fazer estudos operacionais para aperfeiçoar o uso das composições garantindo melhor desempenho de segurança, economia de combustível e redução de desgaste das locomotivas e vagões. Um dos resultados das análises feitas com o auxílio do simulador foi o aumento de algumas composições de 80 vagões para 84. Outra tecnologia desenvolvida pela Vale é o helper dinâmico , inédita nas ferrovias brasileiras. Mucci explica que em trechos com aclives muito elevados a locomotiva tinha que parar para receber o reforço de outra máquina para garantir a tração da composição.
Com a utilização do helper dinâmico, a locomotiva consegue se acoplar sem necessidade de parar o trem. A locomotiva extra aguarda em um pátio de apoio e, quando a composição se aproxima, o helper a “persegue” na linha, sincroniza a velocidade e realiza o engate com o trem em movimento. O sistema funciona por meio de aproximação dinâmica e o alinhamento dos engates é feito por sinal a laser. Como o comando é automático, o maquinista acompanha a operação. Mucci revela que houve uma redução no consumo de combustível estimada em 5%. “O maior gasto de diesel acontece com a aceleração e desaceleração e frenagens. Se reduzimos as desacelerações e paramos com as frenagens, automaticamente reduzimos o consumo de energia.”
Ferrovia Tereza Cristina amplia os ganhos com os vagões de plástico
A preservação da natureza foi um dos maiores ganhos obtidos com o desenvolvimento do novo vagão de “plástico” utilizado na Ferrovia Tereza Cristina (FTC), de Santa Catarina. Desenvolvido pela equipe de manutenção de vagões da empresa, a parte interna do equipamento, que era confeccionado em madeira de lei, e o assoalho em chapa de aço, foram substituídos por plástico reciclado.
O gerente da Divisão de Manutenção, Abel Passagnolo destaca que o maior benefício do desenvolvimento da tecnologia é a preservação da mata, pois para a fabricação de cada vagão era necessário sacrificar duas árvores adultas, com diâmetro médio de 90 cm, de madeira de lei como cedro, angelim ou canela. A outra grande vantagem é que a matéria-prima usada para fazer o plástico reciclado é retirada dos lixões. São embalagens de defensivo agrícola, controladas pelo governo, sacos plásticos, tubos de xampus e de sabonetes, todos materiais compostos de polietileno de alta densidade que levariam muitos anos para se decompor se descartados na natureza. “Com a fabricação do vagão damos uma destinação mais nobre para este material, que é lixo”, diz Passagnolo.
Operacionalmente as vantagens também são muitas na comparação com a madeira. “Aumentou a estanqueidade do revestimento. O plástico não incha em contato com a água da chuva. As frestas que se abriam na madeira provocavam muitas perdas. Além disso, o plástico é mais resistente à degradação. A estimativa é que dure mais de 30 anos”, afirma Passagnolo. Sem contar que a madeira, depois de comprada, precisa passar pelo menos oito meses secando para evitar que com o aproveitamento ainda verde ela encolha ou mude sua forma.
Outro ganho foi com a redução de peso. De 22 toneladas, o vagão baixou para a 20,5 toneladas. Com isso, o equipamento que transportava 59,5 de carvão mineral passou a carregar 61 toneladas, o que garante uma importante vantagem econômica. Passagnolo conta que depois de começar a operar com o vagão de “plástico’, foram descobertos ainda novos ganhos operacionais. “Na descarga do material, como o plástico é liso, o carvão desliza com mais facilidade. Quando era revestido internamente com madeira, o produto aderia às paredes do vagão e era necessário usar um vibrador para que o produto se descolasse. “Com a eliminação do uso do vibrador houve uma redução do barulho, ou seja, reduziu-se o impacto ambiental”, afirma Passagnolo.
Como o plástico reciclado já vem pigmentado, o novo vagão não precisa ser pintado, o que representa outro importante ganho econômico, além de ganho ambiental. “Os solventes usados nas tintas liberam gases contaminantes que são emanados para a atmosfera”, explica Passagnolo. “O plástico também pode ser utilizado como revestimento de outros tipos de vagões, substituindo a madeira ou placa compensada, desde que se façam as adequações de engenharia necessárias para o uso do novo material”. Com 164 quilômetros de malha que cortam 12 municípios catarinenses, entre Imbituba e Siderópolis, a FTC utiliza atualmente 62 unidades do vagão de plástico no transporte de uma média de 200 mil toneladas de carvão mineral por mês.
CCO controla todas as operações por satélite
Grande parte da malha ferroviária brasileira é composta por linhas singelas, ou seja, que não possuem mão dupla. Essa característica torna o gerenciamento do tráfego das composições ainda mais complexo. Na Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) toda a coordenação do trânsito das 500 locomotivas e 12 mil vagões que operam nos mais de oito mil quilômetros de malha da empresa - que atravessa os estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Sergipe, Goiás, Bahia, São Paulo e Distrito Federal - é administrada pelo Centro de Controle Operacional (CCO), localizado em Belo Horizonte.
“É graças aos licenciamentos fornecidos por esta central que é muito raro acontecer acidentes envolvendo trens. Além disso, a tecnologia auxilia na otimização das operações”, destaca o coordenador de produção do Sistema Centro-Nordeste da FCA, Fabrício Rezende Oliveira. Toda a movimentação dos trens é mostrada em um grande painel existente no CCO que permite à equipe de Automação e Controle de Trens acompanhar, em tempo real, a posição das composições em operação, assim como enviar as coordenadas para os maquinistas.
A troca de informações com o CCO é feita por um sistema de mensagens via satélite que recebe os dados emitidos pelos OBCs (OnBoard Computers – computadores de bordo) instalados em todas as locomotivas. São os controladores que definem o pátio em que devem ocorrer os cruzamentos, qual trem terá que aguardar e quais terão a preferência para seguir viagem. Para os maquinistas, a vantagem dos computadores de bordo é que eles disponibilizam informações sobre velocidade máxima permitida para cada trecho, perfil da linha, integridade do trem e consumo de combustível.
Segundo Oliveira, os investimentos para a implantação dos computadores nas locomotivas e alterações exigidas pelo equipamento, iniciadas no ano passado e concluídas este ano, foram de R$ 20 milhões. Mas o conhecimento e a sensibilidade do maquinista são essenciais. É ele quem analisa se é necessário parar em caso de chuva excessiva ou de queda de uma barreira. O maquinista também avalia como deve agir em trechos muito sinuosos. “Uma composição com cem vagões tem mais de mil metros e transporta carga de 300 caminhões. Como é muito longa haverá trechos em que parte da composição estará subindo e outra já estará descendo, o que requer muita habilidade do maquinista”, explica Oliveira.
Detector acústico de rolamentos evita acidentes
Imagine um equipamento que permite identificar um problema antes mesmo de ele acontecer. Este é o principal objetivo do Detector Acústico de Rolamentos, projeto inovador desenvolvido pela América Latina Logística (ALL) em parceria com a Lactec - centro de pesquisa tecnológica, sem fins lucrativos que promove o desenvolvimento econômico, científico e social com a preservação do meio ambiente.
O equipamento, que é instalado ao lado da via férrea, capta o som dos rolamentos e, a partir do ruído emitido, faz um diagnóstico da vida útil dos componentes mecânicos, identifica problemas e ajuda a evitar acidentes como o descarrilamento de um comboio.
“A falha em apenas um dos rolamentos pode comprometer a segurança de toda a composição”, garante André Ricardo da Costa, coordenador da ALL Rail Technology, empresa que comercializa as tecnologias ferroviárias desenvolvidas pela ALL. Em média, as composições ferroviárias da companhia contam com cerca de 80 vagões. Como cada vagão possui oito rolamentos, significa que no total cada composição tem 640 rolamentos monitorados.
O engenheiro da ALL responsável pelo desenvolvimento do projeto, Cesar Tomba, explica que após captar o som emitido pelos rolamentos, o detector acústico processa as informações e as envia para o sistema de manutenção da ALL, que programa manutenções preventivas no vagão. A transmissão dos dados é feita por GPRS e a identificação dos vagões por meio de tags com tecnologia RFID (radiofrequência).
Segundo Tomba, o detector que avalia o estado do rolamento por meio da temperatura (hot box detector) é menos eficiente que o acústico. “Quando o hot box detecta um rolamento de um vagão em alta temperatura é porque já está em estado crítico, precisando ser retirado de imediato. Já com o detector acústico, o defeito é identificado bem antes, não havendo a necessidade de parar o vagão imediatamente. Com isso, a manutenção pode ser programada, o que traz um ganho enorme para a operação”, explica. Tomba afirma que o monitoramento acústico dos rolamentos “só gera benefícios para a empresa, como a segurança dos equipamentos, o prolongamento da vida útil dos componentes e da infraestrutura, a redução de despesas e também possíveis descarrilamentos.”
Fonte: Jornal doCommercio (RS)/Cláudia Borges
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