A perspectiva de reativação e de construção de terminais portuários no Rio Grande do Sul anima os defensores da utilização das hidrovias. No entanto, para que o modal desenvolva-se, também é preciso resolver questões como a atração de cargas para os rios, dragagens e a falta de investimentos no setor. Entre os projetos que devem ser desenvolvidos no Estado estão a modernização do porto de Santa Vitória do Palmar e a construção de um novo terminal no município (na localidade conhecida como Arroito) e a revitalização do porto de Cachoeira do Sul. Além desses empreendimentos, a CMPC Celulose Riograndense, que adquiriu a operação da Aracruz no Estado, pretende reconstruir o terminal de Guaíba, para escoar celulose, e implementar outros dois em Rio Pardo e Cachoeira do Sul, para movimentar madeira.
Uma das iniciativas que deve contar ainda neste ano com um aporte de R$ 2,5 milhões, por parte do governo federal, é a melhoria do porto de Santa Vitória do Palmar. O prefeito do município, Eduardo Morrone (PT), informa que somente os dois terminais da cidade deverão absorver um investimento de cerca de R$ 30 milhões. Os complexos estão dentro do planejamento para concretizar a hidrovia do Mercosul, prevista no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que pretende viabilizar a movimentação de cargas, através da Lagoa Mirim, entre o Uruguai e o Brasil. Morrone recorda que a hidrovia do Mercosul deve receber um investimento de mais de R$ 200 milhões. O prefeito diz que no porto antigo de Santa Vitória do Palmar terá que ser instalado um novo cais, construídas vias de acesso terrestre, realizada uma dragagem e aprimorada a estrutura de prédios. A operação dos complexos está prevista para 2014. Entretanto, Morrone afirma que a meta é antecipar esse prazo. “Essa será nossa campanha política e o Uruguai também pressiona nesse sentido.” Um dos pontos que precisa ser tratado para o sucesso do projeto são os licenciamentos ambientais para as dragagens.
O prefeito revela que, em princípio, a administração dos portos ficaria a cargo do município. Porém, ele adianta que pretende discutir essa situação com os governos federal e estadual, pois a prefeitura não tem a condição adequada para tratar dessa atividade complexa. O desejo do prefeito é passar essa função para a União, Estado ou para iniciativa privada.
A hidrovia do Mercosul poderá movimentar produtos agrícolas uruguaios. Na região de Santa Vitória do Palmar, uma das principais atividades que será beneficiada é a orizicultura. Morrone acredita que os portos podem absorver mais da metade do deslocamento da produção. O município tem uma área de plantio de arroz de cerca de 60 mil hectares. O prefeito ressalta ainda que, como Santa Vitória do Palmar localiza-se no extremo Sul do País, distante das grandes cidades, a hidrovia permitirá uma alternativa de acesso a centros como Pelotas e Rio Grande, além do Uruguai.
Falta de recursos para a recuperação de dragas preocupa superintendência
A Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH) conta no momento com quatro dragas e, conforme o superintendente Vanderlan Vasconselos, os equipamentos têm mais de 50 anos e sofrem com problemas operacionais, sendo que uma está parada há sete anos. O dirigente informa que seriam necessários cerca de R$ 4 milhões para fazer a reforma e conserto dessas embarcações e a SPH não conta com recursos, atualmente, para realizar essas ações.
Vasconselos afirma ainda que a previsão orçamentária para as dragagens, este ano, deixada pelo governo passado, é de R$ 50 mil, enquanto o orçamento de 2010 foi de cerca de R$ 3,5 milhões. O engenheiro da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e ex-superintendente da SPH no governo Yeda Crusius, Gilberto Cunha, explica que o valor mais expressivo do ano passado deveu-se à contratação da Enterpa Engenharia para realizar a dragagem continuada, por cinco anos. O acordo envolve a Lagoa dos Patos, o Canal São Gonçalo e o delta do Guaíba. No entanto, os rios Jacuí e Gravataí não estão incluídos nessa programação. Quanto à questão das dragas, Cunha admite que são máquinas antigas, o que dificulta suas atividades.
Uma das medidas que está sendo tomada para atenuar essa situação, relata Vasconselos, é a doação de um motor de uma locomotiva do porto do Rio Grande, que deverá ser colocado em uma das dragas. A falta de recursos atrapalha a realização das dragagens e, por sua vez, o não cumprimento desse serviço prejudica a arrecadação da SPH. O superintendente comenta que as hidrovias são subsidiadas pela taxa de uso, entretanto, alguns empresários questionam esse pagamento devido à carência da dragagem. Ele acrescenta também que muitas empresas não estão pagando os arrendamentos feitos na área do porto da Capital gaúcha. A SPH solicitará para a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) a reintegração de posse desses espaços.
A ausência de recursos para a realização de dragagens nos canais de navegação das principais hidrovias do Estado levou Vasconselos a discutir uma parceria entre a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Fundação Estadual de Proteção ao Meio Ambiente (Fepam). A meta é firmar uma cooperação entre poder público e privado – SPH e as mineradoras – para que o trabalho de retirada da areia sirva como dragagem das hidrovias. Para esse objetivo materializar-se, é preciso adequar a questão legal da ação.
Os problemas com as dragas podem complicar inclusive a travessia fluvial Porto Alegre-Guaíba. A Catsul, empresa do Grupo Ouro e Prata, venceu a licitação promovida pelo governo do Estado, em novembro, para realizar esse transporte de passageiros. Vasconselos destaca que também é preciso resolver pontos como a sinalização para navegação noturna (já que o serviço se estenderá das 6h30min às 20h30min). Apesar de ser um defensor do uso da hidrovia, o superintendente teme que não será possível iniciar a travessia ainda no primeiro semestre deste ano como está previsto.
Quanto à movimentação de cargas, o dirigente explica que é preciso repassar para os empresários e produtores a percepção da importância da hidrovia. Vasconselos salienta ainda a perda de cargas que ocorre no transporte rodoviário, através de caminhões, que poderia ser evitada na movimentação por hidrovias. Segundo ele, em cada cem caminhões que percorrem um trajeto de 300 quilômetros (quase a distância que separa a Capital gaúcha do porto do Rio Grande), dois chegam vazios ao seu destino.
O presidente da Câmara de Deputados, Marco Maia, concorda que os problemas exigem investimentos para serem solucionados. “No entanto, acredito que, além do benefício imediato de melhorar a infraestrutura logística, o ganho social disso é muito maior do que os recursos necessários”, sugere o deputado. Para ele, com um sistema eficiente de hidrovias, o trânsito de cargas pesadas nas estradas diminuiria, reduzindo os acidentes e todos os problemas socioeconômicos advindos do transporte de cargas, como é o caso do impacto ambiental.
União repassa a área do porto de Cachoeira do Sul ao Estado
O Ministério do Planejamento decidiu, em setembro, pela cessão de uso para o governo do Estado de uma área de cerca de 183 hectares do porto de Cachoeira do Sul. No entanto, a formalização desse ato deverá ocorrer apenas neste primeiro semestre. O tema alongou-se devido à troca dos dirigentes dos governos estadual e federal. “Desde lá, estamos vivendo essa expectativa”, confessa o secretário municipal de Desenvolvimento, Ronaldo Tonet.
Ele argumenta que o repasse para o governo do Estado deixará mais próxima a gestão, facilitando a cobrança por parte dos agentes envolvidos com o transporte fluvial. Conforme o secretário, seriam necessários alguns poucos equipamentos e melhorias para possibilitar que o porto opere. Além disso, ele afirma que é preciso que o poder público garanta a navegação do rio Jacuí, através de dragagens, e que haja disponibilidade de embarcações.
Atualmente, o porto está inativo e a última movimentação de carga pela estrutura ocorreu em 2008, com o transporte de arroz até Rio Grande. Tonet explica que para uma operação por rios ser bem-sucedida é importante ter uma carga de retorno. E, no caso do terminal de Cachoeira do Sul, ele acredita que a vocação seria o recebimento de fertilizantes. “A embarcação pode ir a Rio Grande com farelo de soja, por exemplo, e voltar com fertilizante para atender às lavouras da região”, sugere o secretário.
O acesso ao rio é um diferencial que poucas cidades possuem. Tonet prefere não citar nomes, entretanto revela que algumas companhias já procuraram a prefeitura para se instalar no município devido à possibilidade do uso da hidrovia. No raio de cem quilômetros em torno de Cachoeira do Sul há 600 mil toneladas de produção agrícola como arroz, soja, milho e trigo, que podem ser deslocadas pelo porto.
O secretário cita ainda que a CMPC Celulose Riograndense pretende instalar um terminal em Cachoeira do Sul, e a Granol estuda o transporte de farelo de soja (subproduto da produção de biodiesel) pela hidrovia. A planta de biodiesel da empresa fica próxima ao porto e a própria unidade conta com estrutura de embarque de cargas para realizar o transporte pela hidrovia.
O gerente da Granol em Cachoeira do Sul, Armando Hiroshi Moriya, admite que o grupo avalia transferir a movimentação de farelo de soja das estradas para a hidrovia. A companhia desloca, a partir do município, em torno de 30 mil toneladas do insumo por mês. Entre as vantagens dessa substituição, Moriya cita a retirada de caminhões das rodovias. Ele calcula que uma barcaça, com capacidade para transportar em torno de 1 mil toneladas, significa aproximadamente 40 carretas a menos nas estradas.
Um político envolvido com o repasse do terreno do porto de Cachoeira do Sul é o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT). Ele revela que conversou diretamente com o então ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, que compreendeu o benefício que traria para o Rio Grande do Sul e deu encaminhamento à demanda. A cessão dessa área foi importante, porque ela será destinada à implantação de um polo industrial, que vai gerar centenas de empregos diretos e indiretos na região, adianta o deputado. Ele acrescenta ainda que a Granol, que pretende intensificar o esmagamento de soja no município (hoje em 1,5 mil toneladas ao dia), receberá a concessão de 20 hectares.
SPH tem interesse em assumir administração das hidrovias
Atualmente, o governo gaúcho divide com a União a responsabilidade da gestão das hidrovias e de vários terminais do Rio Grande do Sul. No entanto, o superintendente da Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH), Vanderlan Vasconselos, afirma que é do interesse do Estado assumir toda essa administração.
O dirigente sustenta que um comando mais próximo é melhor. “Mas, isso também imporá algum ônus para nós na manutenção e sinalização das hidrovias”, diz Vasconselos. Por isso, ele propõe que o governo federal repasse recursos para que o Estado dirija plenamente as hidrovias. Se a sugestão do superintendente tornar-se realidade, a SPH assumiria funções que, atualmente, são da Administração das Hidrovias do Sul (AHSUL). A entidade detém quatro eclusas, uma no rio Taquari e três no Jacuí, e é ainda responsável pela administração hidroviária do Taquari, Lagoa Mirim e porto de Estrela.
Vasconselos lembra que a AHSUL é vinculada à Companhia Docas do Maranhão, que tem também a responsabilidade sobre o porto de Estrela. Sobre esse assunto, o administrador do porto de Estrela e superintendente da AHSUL, José Luiz Fay de Azambuja, esclarece que o governo federal precisa de uma companhia para intermediar a operação. Como a União não possui uma empresa com as características necessárias para realizar essa ação no Rio Grande do Sul, ela utiliza a Companhia Docas do Maranhão. Ele detalha que é feito um convênio com a empresa, que permite que os recursos passem pela companhia e sejam destinados para o porto de Estrela custear suas despesas. “Essa intermediação não significa que tem alguém do Maranhão mandando aqui”, justifica Azambuja.
Ele recorda que a proposta de repassar a responsabilidade das administrações federais para o Estado está sendo discutida há muito tempo. O dirigente não se diz contrário ou a favor da ideia, mas defende a discussão do assunto. Outro ponto lembrado por Azambuja foi a sugestão de municipalizar o porto de Estrela, algo que também não teve prosseguimento.
AHSUL espera que o porto de Estrela seja beneficiado pelos novos investimentos
Apesar de estar situado no Vale do Taquari, distante da Metade Sul gaúcha, o porto de Estrela tem esperanças de que a hidrovia do Mercosul também beneficie suas operações. “É possível criar a partir daí um corredor logístico de Montevidéu até São Paulo”, enfatiza o administrador do porto de Estrela e superintendente da Administração das Hidrovias do Sul (AHSUL), José Luiz Fay de Azambuja.
O complexo no Interior do Estado ainda é subutilizado, já que a estrutura tem capacidade para movimentar até 3 mil toneladas diárias. No ano passado, o porto de Estrela trabalhou com cerca de 600 mil toneladas em cargas, principalmente, de milho e soja. Contudo, a maior parte desse volume passou pelo complexo através dos modais ferroviário e rodoviário, e não pelo rio. Azambuja espera que, com a perspectiva de incremento da produção agrícola, o porto eleve o transporte de cargas em 2011.
“A estrutura em Estrela seria algo fantástico em um país de primeiro mundo, mas, no Brasil, a sociedade não dá valor para a hidrovia”, lamenta Azambuja. De acordo com ele, é difícil demonstrar as potencialidades desse modal para os proprietários das cargas. Uma empresa que percebeu essas oportunidades foi a CMPC Celulose Riograndense. Segundo a assessoria de imprensa da companhia, está sendo concluída a fase conceitual dos projetos dos terminais de Rio Pardo e Cachoeira do Sul para escoar madeira. Mesmo sem determinar prazos, o grupo garante que a intenção de investir no modal hidroviário continua firme.
Fonte: Jornal do Commercio (RS)/Jefferson Klein
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