O leilão de um megaterminal de contêineres no Porto de Santos (o STS10), colocado nesta semana em consulta pública, tem gerado críticas quanto à possibilidade de as gigantes globais de navegação Maersk e MSC participarem da disputa. De um lado, operadores portuários apontam um risco de concentração de mercado excessiva por parte desses grupos. De outro, os armadores classificam os questionamentos como receio de competição por parte de outros grupos interessados na licitação.
Maersk e MSC são as duas maiores companhias de transporte marítimo no mundo, sendo responsáveis por grande parte dos navios que fazem as importações e exportações entre os países. Os grupos também operam terminais portuários, que recebem a carga das embarcações, por meio de subsidiárias - APM Terminals e TiL (Terminal Investment Limited), respectivamente.
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Para TiL (da MSC), as críticas são infundadas e partem de grupos que têm medo de maior concorrência no leilão
No Brasil, os grupos controlam, em parceria, um terminal de contêineres em Santos, o Brasil Terminal Portuário (BTP), e também possuem outros terminais pelo país, separadamente.
Para empresas que operam contêineres no país, o temor é que os armadores (companhias de navegação) passem a direcionar a carga para seus terminais próprios, esvaziando os independentes e reduzindo a concorrência, não só em Santos, mas no mercado brasileiro em geral.
“As empresas de navegação escolhem onde vão estacionar os navios e remuneram os terminais por isso. Obviamente, ele vai preferir parar no seu próprio terminal. Hoje, a BTP tem uma capacidade limitada, por isso, os armadores são obrigados a usar outros terminais independentes. Mas, se tiverem mais espaço, certamente darão preferência a sua própria estrutura”, afirma Angelino Caputo, diretor-executivo da Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados (Abtra).
Para Patrício Júnior, diretor de investimentos em terminais da TiL (da MSC), o temor é infundado, e as reclamações partem de interessados no leilão do STS10, que querem evitar concorrência.
“A história da TiL e da MSC no mundo não é predatória, é de desenvolvimento, geração de empregos e manutenção de preços em valores de mercado. Quem está falando [contra as empresas] quer participar e não quer que a gente entre na competição. A gente só quer o direito de concorrer”, diz ele. “Há dez anos, quando a BTP entrou em Santos, os ‘cavaleiros do apocalipse’ também diziam que os preços iam aumentar. E hoje vemos o contrário, os valores caíram”, complementa.
O governo diz que o tema da concentração de mercado por parte dos armadores é uma preocupação e, por isso, incluiu no edital do STS10 a proibição de que Maersk e MSC participem juntas (tal como na BTP) no leilão. No entanto, as empresas poderão concorrer separadamente, ou em consórcio com outros grupos.
Para executivos do setor, ouvidos sob condição de anonimato, a percepção é que essa restrição não é suficiente para impedir a concentração do mercado. Um deles observa que, globalmente, a Maersk e a MSC compõem uma aliança para compartilhar navios em viagens de longo curso.
Já o Ministério da Infraestrutura afirma que a limitação se mostrou suficiente nas simulações feitas durante a elaboração do projeto. “O estudo que embasou o edital indicou que o único risco de abuso de poder econômico seria uma participação em conjunto dos grupos. Individualmente, avaliamos que não há problema algum”, afirma o secretário de Portos e Transportes Aquaviários, Diogo Piloni. “O melhor para o mercado é que iniciativa privada concorra da forma mais ampla possível. Mas estamos abrindo a consulta pública agora e vamos avaliar todos os estudos e preocupações apresentadas”, diz ele.
A princípio, a etapa de consulta pública vai até abril. O objetivo do governo é fazer o leilão ainda neste ano, no quarto trimestre.
A Abtra chegou a protocolar na Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) um pedido para evitar a abertura da consulta pública nesta semana, o que não foi atendido. Neste momento, a expectativa é que as críticas se concentrem no âmbito da consulta. Porém, tudo indica que a disputa não vai se encerrar por aí.
Diversos argumentos contrários ao leilão, para além do risco de concentração, já estão sendo levantados. Entre eles, aponta-se o risco de que a realização do leilão neste momento possa gerar um excesso de capacidade e ociosidade nos terminais de contêineres, porque a estrutura atual já atende a demanda nos próximos anos - hipótese que o governo refuta. Também deverão ser levantados questionamentos sobre a realocação de terminais de fertilizantes e de passageiros, que seriam “desalojados” pelo STS10, entre outros pontos.
A discussão sobre o leilão não é isolada. Empresas de navegação têm sofrido pressões em todo o mundo, com críticas à concentração do mercado ocorrido nos últimos anos e à verticalização das operações. Os grupos passaram a ser alvo principalmente durante a pandemia - período em que os fretes marítimos dispararam devido a diversos fatores, como os ‘lockdowns’ nos portos e choques de oferta e demanda globais.
No Brasil, a pressão não tem sido tão forte como em outros países - nos Estados Unidos, recentemente, o presidente Joe Biden fez críticas diretas às alianças de empresas de navegação. Por aqui, porém, já há questionamentos em curso. Em 2021, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) abriu um inquérito para investigar a atuação da Maersk e da MSC no Porto de Santos, após uma representação da Abtra. O processo ainda está em aberto.
Patrício, da TiL, afirma que a empresa tem dados que comprovam que não há qualquer prática discriminatória do grupo no porto. “Estão tentando procrastinar nossa participação”, afirma.
Procurada pela reportagem, a Maersk não comentou.
Fonte: Valor