Ao editar a Medida Provisória 595, para elevar a competitividade aos portos brasileiros, a presidente Dilma Rousseff mexeu em um vespeiro que envolve interesses privados, regalias históricas e cifras bilionárias. Faltando menos de 60 dias para que o texto seja votado pelo Congresso ou perca a validade, o governo costura com sindicatos e empresários emendas para amenizar a rejeição às mudanças.
Categoria com até 80 mil pessoas, conforme a Força Sindical, os portuários querem derrubar o dispositivo que permite a contratação, por gestores de terminais privados, de empregados avulsos sem usar o Órgão Gestor de Mão de Obra. Os sindicatos dizem que a MP fere direitos e pode derrubar o padrão salarial da categoria, pois os novos trabalhadores não terão os mesmos benefícios e serão contratados pelas regras da CLT. E os portuários temem que a permissão para operadores privados atuarem com cargas de terceiros tire negócios dos terminais públicos, já que terão estrutura mais enxuta e custos reduzidos.
– Se não houver isonomia de custos entre os terminais, muitos públicos acabarão quebrando e trabalhadores serão dispensados – diz o presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), o Paulinho.
Uma reunião entre representantes dos portuários e líderes do governo está marcada para 11h desta terça-feira no Senado. Se não houver acordo, os trabalhadores prometem parar por 24 horas na próxima segunda-feira. Em 22 de fevereiro, os estivadores cruzaram os braços por seis horas para protestar contra a MP. O governo não demonstra intenção de aceitar o pedido dos sindicatos, mas poderá negociar itens, como pagamento de valor mínimo a trabalhadores de terminais privados.
Mesmo os administradores de terminais querem mudar alguns pontos da MP. Embora apoie a maior parte das mudanças, a Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP) negocia a adaptação às novas regras dos contratos de áreas leiloadas antes da criação da Lei de Modernização dos Portos, em 1993. Parte desses contratos está vencido ou por vencer, e há os que operam com liminares, já que não houve acordo para a prorrogação.
– Há pelo menos 27 terminais nesta situação no Brasil, com bilhões em investimentos trancados por causa da indefinição jurídica – afirma o diretor-presidente da ABTP, Wilen Manteli.
País é 135º em eficiência portuária
Apesar das polêmicas em torno da MP, é consenso que o serviço dos portos, por onde passam 95% das exportações do país, precisam melhorar. Desde que a Lei de Modernização dos Portos foi editada, em 1993, uma série de decretos e intervenções envolvendo contratos de concessão tornou os investimentos em terminais portuários menos seguros, prejudicando a expansão do setor, na análise da ABTP.
Essa situação ajuda a colocar o Brasil em má colocação em levantamentos internacionais de eficiência portuária. Na versão 2012/2013 do relatório de competitividade global do Fórum Econômico Mundial, que avalia a infraestrutura portuária de 144 países, o Brasil aparece na 135ª posição, em decorrência da burocracia alfandegária, demora na movimentação de mercadorias e falta de acessos rodoviários e ferroviários nos portos.
– O porto público vai ser obrigado a aprimorar suas operações e sua gestão para sobreviver no novo mercado. A competição será benéfica – avalia o gerente de infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Wagner Cardoso.
Editada em 6 de dezembro do ano passado, a MP dos Portos pretende viabilizar R$ 54,2 bilhões em investimentos até 2017. Conforme o senador Eduardo Braga (PMDB-AM), relator da MP, o relatório deve ser apresentado na comissão mista que analisa o assunto em 3 de abril e ir à votação no dia 10.
A sanção da presidente Dilma Rousseff precisa ocorrer até meados de maio. Até agora, a MP recebeu 645 emendas.
Raiz do conflito
O que a Medida Provisória 595 estabelece para o novo marco regulatório do setor portuário:
A partir das novas diretrizes, o governo federal prevê a licitação de 159 áreas, sendo 42 novas e 117 referentes a contratos de arrendamento que venceram ou vencem até 2017.
O texto muda o critério para escolher o vencedor dos leilões. Antes, ganhava a empresa que pagava o maior valor pelo direito de explorar a área, chamado de outorga. Agora, o governo levará em conta o maior volume de carga e o menor preço cobrado pelo serviço.
Publicada em dezembro, a MP tramita no Congresso. A proposta recebeu mais de 600 emendas.
Os pontos mais polêmicos
Terminais privados operando com cargas de terceiros
A MP autoriza terminais privativos a movimentar cargas de terceiros, o que só era permitido mediante autorização da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Há o temor de que, pela eficiência e possíveis tarifas mais baixas, os terminais privados façam o embarque e desembarque da maior parte das cargas, esvaziando os portos públicos.
Contratos de arrendamento anteriores a 1993
A lista de áreas que devem ser licitadas traz terminais leiloados antes da criação da Lei dos Portos, em 1993, cujos contratos estão vencidos ou prestes a vencer. A MP criou dúvidas sobre a prorrogação dos compromissos. Para evitar disputas judiciais, o governo federal estuda prorrogar os vínculos por 10 anos.
Contratação de mão de obra direto pela empresa
A MP desobriga os terminais privados de contratar funcionários por meio do órgão gestor de mão de obra, o Ogmo, como ocorre nos portos públicos. O Ogmo é uma entidade sem fins lucrativos, responsável pelos trabalhadores portuários avulsos. Sindicatos alegam que a mudança implicará na redução dos postos de trabalho e dos salários dos portuários.
Decisões centralizadas em Brasília
A MP esvazia o poder de Estados e autarquias na administração dos portos públicos. Decisões como novos contratos de arrendamento e licitações de áreas passarão pela Secretaria de Portos e pela Antaq.
Fonte: Diário Catarinense/Erik Farina e Guilherme Mazui
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