No sul da Bahia, empresários se sentem 'traídos' por obra que desmatará bioma
Ele pesquisou por dois anos onde instalaria seu resort. Passou pela Costa do Sauípe, por Maceió e pelo litoral paulista. Acabou escolhendo um ponto entre Ilhéus e Itacaré. Agora que investiu R$ 15 milhões e seu hotel em estilo moderno e voltado para a contemplação da natureza está pronto para funcionar, encara a possibilidade de ser vizinho de um porto, na Ponta da Tulha.
Thilo Scheuermann comprou uma área de 50 hectares. Ocupou 7 para criar o resort Makenna e deixou os 43 restantes preservados com Mata Atlântica. "Olhei todos os documentos municipais e estaduais. Quando já tinha investido 80% dos meus recursos, ouvi pela primeira vez a história do porto e não tinha como voltar atrás", conta. O porto a que se refere é um empreendimento da empresa Bahia Mineração (Bamin), por onde será escoado o minério de ferro de uma mina em Caitité.
Não é a única mudança anunciada para a região. Segundo o governo estadual, a obra privada integra o projeto Porto Sul, que inclui ainda um porto público, um aeroporto internacional e uma ferrovia.
Scheuermann se sente traído, assim como outros empresários que creem que a vocação do lugar seja o turismo. "Não tenho plano B", afirma, de frente para a praia paradisíaca, com muitos coqueiros e nenhum quiosque.
Luigi Massa, dono do hotel La Dolce Vita e presidente da Associação de Turismo de Ilhéus (Atil), diz que o grupo está se sentindo ameaçado. Ele faz questão de mencionar que, nos 20 anos que está em Ilhéus, nunca viu um dia inteiro de chuva. "É o local ideal para turismo, com sol o ano todo e muita natureza."
Robert Godoy, proprietário da Pousada Casa de Praia, afirma que chegou a receber isenção fiscal por dois anos como incentivo ao negócio ligado ao turismo. "Ficamos surpresos. A traição não foi somente verbal. Fomos convencidos pelo governo com ações que davam a entender que a prioridade para a região era o turismo e o meio ambiente."
Claudio Maretti, da ONG WWF Brasil, lembra que o País se comprometeu na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) a zerar o desmatamento de Mata Atlântica - a meta deveria ser cumprida neste ano. Porém, só para a construção do porto privado será destruída uma área equivalente à metade do Parque do Ibirapuera.
A região é tão importante do ponto de vista ambiental que faz parte da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica. "O próprio País pede esse reconhecimento à Unesco e se compromete com o desenvolvimento sustentável", diz Clayton Lino, presidente do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica.
Aratu. ONGs ambientalistas, como a Floresta Viva, defendem que o minério de ferro da Bamin seja escoado pelo porto de Aratu, na região metropolitana de Salvador. Argumentam que ali já existe uma ferrovia (que precisaria de melhorias) e que, em razão de a área ser mais degradada, não haveria tantos impactos.
Clovis Torres, presidente da Bamin, responde que a empresa estudou Aratu por quatro meses e o descartou. "O calado tem 12 metros e precisamos de 21. Teríamos de tirar um volume enorme de areia e as ONGs também impediriam", afirma.
Segundo ele, a atividade portuária e o turismo podem conviver. "Acredito plenamente na convivência pacífica. E se abre uma possibilidade para o turismo de negócios", diz.
As ONGs criticam também o fato de que a mina poderá ser explorada por apenas 25 anos. Torres, porém, diz que a empresa comprou todas as 105 minas da Vale na Bahia e vai aproveitar a estrutura ao máximo.
O secretário estadual do Meio Ambiente do governo baiano, Eugênio Spengler, admite que "nenhum empreendimento desse porte deixa de ter impacto". Mas afirma que o Estado criará, como compensação, uma Unidade de Conservação de proteção integral (como um parque) na região da bacia do Rio Almada, um viveiro para ajudar na recomposição de áreas degradadas e fará a recuperação da mata ciliar na região. Ele diz que, de um total de sete áreas analisadas, a Ponta da Tulha é a que sofreria menos impacto.
Fonte: O Estado de S.Paulo/Afra Balazina
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