Ivig propõe criação de central de resíduos nos portos, mas Codesp e Antaq são contra -- Os 22 portos que participam do Programa de Gerenciamento de Resíduos Sólidos e Efluentes nos Portos Marítimos Brasileiros já têm em mãos o Manual de Boas Práticas, um documento personalizado com orientações que garantem a realização de suas operações em condições ambientais mais seguras. O trabalho foi adequado às necessidades locais e características específicas de cada porto a partir de um guia encomendado pela Secretaria de Portos (SEP) e coordenado pelo Instituto Virtual Internacional de Mudanças Globais (Ivig/Coppe/UFRJ). Entregue em abril, o manual recomenda, entre outras ações, que a maioria desses portos crie uma central de resíduos, que transformaria em renda o lixo gerado nas operações.
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Para ter uma ideia do potencial econômico da proposta, basta ter acesso ao total de lixo reciclável produzido pelos 22 portos pesquisados (incluindo Itaguaí e Rio de Janeiro (RJ), Santos e São Sebastião (SP), Rio Grande (RS), Itajaí (SC), Belém (PA) e Salvador (BA). Juntos, geraram 133 mil toneladas de lixo reciclável entre 2010 e 2013. Desse montante, o Ivig escolheu três recicláveis como exemplos (papel limpo, metal e plástico) em oito portos e pesquisou seu valor de mercado em 2013, chegando à conclusão de que fazer sua gestão renderia R$ 15,2 milhões. “Vale ressaltar que os dados foram os oficiais, pois parte desses resíduos continuou misturado a outros, ou seja, nem foram destinados à reciclagem. Acreditamos que esse valor ainda pode ser 40% maior”, informou Graciela Diniz, pesquisadora do Ivig e uma das coordenadoras do programa.
Para alcançar o objetivo de transformar o que já foi descartado em renda, é preciso que os portos implementem um programa contínuo de coleta seletiva. Hoje, nove portos têm central, porém apenas dois fazem a separação do lixo. A maioria usa o espaço somente para armazenagem temporária. “Nossa sugestão é que cada arrendatário tenha sua central de resíduos própria e que esse material seja reunido numa central de transbordo maior, que seria de propriedade da administração portuária, porém administrada por uma empresa terceirizada. Nesse local, tudo seria segregado e levado para o seu destino para posteriormente ser transformado em renda para os portos”, explicou Graciela.
A pesquisa, coordenada pelo Ivig, consta do Guia de Boas Práticas Portuárias, lançado em dezembro, em Brasília. A pesquisa envolveu uma Rede de Competências, formada por 16 instituições, entre universidades federais e estaduais, institutos ou centros de pesquisa, localizados em 14 estados, totalizando quase 300 pesquisadores. Entre os temas de interesse estratégicos estão legislação e regulação ambiental, gestão de resíduos, gestão ambiental, logística, energia, tecnologias verdes e gestão ambiental portuária.
A publicação propõe um modelo de gestão integrado dos resíduos, efluentes líquidos e medidas de manejo e controle da fauna sinantrópica nociva (ratos, pombos, insetos e outros animais), com indicações de boas práticas de gestão ambiental que garantam uma melhoria da eficiência das atividades portuárias. O documento ganhou uma versão personalizada em forma de manuais que foi entregue às administrações portuárias. A expectativa é de que cada porto agora comece a seguir as recomendações.
A sugestão de criação de uma central de resíduos que sirva efetivamente para a segregação criou polêmica ao ser apresentada na décima edição do Ecobrasil - Seminário Nacional sobre Indústria Marítima e Meio Ambiente (Ecobrasil), realizado entre os dias 7 e 8 de maio, pela Portos e Navios, no Rio de Janeiro. A especialista da Gerência de Meio Ambiente da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Maria Luíza Almeida Gusmão, afirmou que a função dos portos não é agenciar resíduos. “Para que mais uma central numa área cara como a portuária? Já existem centrais de resíduos menores dentro dos portos, onde cada um cuida do seu próprio lixo. Além disso, é questionável a necessidade de criar licitações para empresas terceirizadas recolherem os resíduos de cada arrendatário e reunirem num só lugar. Para mim, é abrir um mercado que já está definido”, frisou.
Para a superintendente de Meio Ambiente, Saúde e Segurança da Companhia Docas do estado de São Paulo (Codesp), Alexandra Grotta, não há espaço para uma central grande de transbordo no porto paulista. “Não são todos os arrendatários que possuem centrais de resíduos, porém fiscalizamos isso com rigor e cobramos que todos tratem seu próprio lixo. Na verdade, disponibilizam muitas vezes de um local pequeno para armazenagem, ou seja, não necessitam de uma área ampla. Já para uma grande central de resíduos seria necessário um lugar maior do que disponibilizamos. É fato que não há espaço para isso em Santos”, avaliou. As representantes da Antaq e da Codesp disseram que foi uma luta chegar ao estágio atual em que os resíduos são retirados rapidamente do porto e consideram a proposta um retrocesso. “O lixo tem de sair do porto rapidamente, não deve ficar armazenado. Além disso, se uma empresa terceirizada administra o resíduo e lucra com isso, será que os terminais concordarão? E quem pagará a conta dessa nova estrutura”, perguntam.
Alexandra sugeriu que o local para tal empreendimento seja negociado com a prefeitura local a fim de que o espaço escolhido esteja fora do porto. A ideia, porém, não foi aprovada pela especialista da Antaq. “Acho que qualquer cidade encararia essa proposta como antipática. Quem vai querer uma central que receba resíduos do porto, mas que funcione fora dele?”, perguntou Maria Luíza.
No seminário, a coordenadora de Portos, Aeroportos e Hidrovias do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Fabíola Derossi, afirmou que a proposta ainda é recente e que ainda não havia nenhuma posição do órgão em relação ao tema. No entanto, “durante o processo de regularização ambiental dos portos organizados, é realizado um grande esforço do órgão ambiental e dos próprios empreendedores para que os passivos ambientais sejam sanados e para que as estruturas físicas sejam readequadas conforme as melhores práticas ambientais e seguindo a legislação vigente”, observou.
Fabíola lembrou que há um processo contínuo que demanda cumprimento das condicionantes da licença ambiental pelo empreendedor e acompanhamento do órgão ambiental. “Mesmo que o porto organizado em regularização ambiental não tenha, de imediato, uma central de resíduos, é exigido pelo Ibama que os resíduos sejam gerenciados adequadamente”, disse.
A pesquisadora do Ivig, Graciela Diniz, esclareceu que as propostas do programa fazem parte da primeira fase. O estágio seguinte é o de entrega de projetos básicos de engenharia, que auxiliarão os portos a tornar reais as sugestões resultantes do estudo. “A fase 2 está prevista para dezembro e prevê a entrega das soluções prontas para serem licitadas, se for o caso. No total, são 17 portos que receberão projetos para tratamento de efluentes sanitários, três para drenagem pluvial e dois para aproveitamento de chuvas. A partir daí, acreditamos que um consenso será alcançado e os empreendimentos sairão do papel”, finalizou.