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1 milhão de Euros

Itália limita a responsabilidade civil do prático: um modelo a ser seguido?

• Um dos temas mais controvertidos no Direito Marítimo é o que se refere à limitação da responsabilidade civil no transporte marítimo de pessoas e coisas.  Os civilistas brasileiros, quando tratam da responsabilidade, não se aprofundam na limitação da responsabilidade civil, especialmente no que concerne ao transporte marítimo.


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O tema assume mais relevância, ainda, quando se trata da limitação da responsabilidade civil do prático, tendo em vista a expertise e importância desta atividade para a segurança da navegação marítima, porque efetua manobras com alto valor agregado e grande nível de stress, inclusive em face do  impacto ambiental, nas cargas e nas vidas. Não tratarei, aqui, das responsabilidades penal e administrativa do prático e do transportador.

Ressalto que a praticagem brasileira, em face do rigor do processo seletivo efetuado pela Marinha do Brasil e empenho destes profissionais, está entre as melhores do mundo, sendo considerada uma referência no que tange à excelência, em decorrência da pequena (quase inexistente) taxa de sinistros, apesar das condições precárias de infraestrutura portuária em que atuam, inclusive na navegação nos rios da Amazônia.

Por tais motivos, os práticos brasileiros, sempre em busca de aprimoramento, têm exercido cargos relevantes nas entidades de praticagem em todo o mundo, inclusive a Vice-Presidência da International Maritime Pilots’ Association (IMPA), com sede em Londres, a mais conceituada entidade do setor, por Ricardo Falcão, Oficial de Náutica da Marinha Mercante, graduado pelo CIAGA-EFOMM, ex-presidente do Conselho Nacional de Praticagem (Conapra).

Voltando ao tema da limitação, a partir de 26 de janeiro de 2017,o art. 93 do seu Codice della Navigazione passou a limitar a um milhão de Euros (aproximadamente R$ 3,3 milhões) a responsabilidade civil do prático por cada evento, inclusive por danos causados a terceiros, independente do número prejudicados, se pessoas ou coisas, e do tipo de sinistro ocorrido.

O regime anterior determinava que o prático só poderia ser responsabilizado por danos causados ao navio. O ônus da prova continua a ser do autor e o novo limite não aplica se os danos decorrem de dolo ou culpa grave do prático. A nova legislação determina, ainda, que todos os práticos deverão fazer apólice de seguro para cobrir danos decorrentes dos serviços prestados. Uma cópia da apólice de seguro deve ser mantida na sede da associação de práticos onde o prático é registrado.

No caso brasileiro, há uma grande insegurança jurídica para esta atividade, assim como o armador, que está melhor protegido no regime atual do que o prático. Nesse cenário, o modelo italiano pode ser útil ao debate brasileiro? A recepção desse modelo beneficiaria mais práticos, o armador, carga ou as vidas transportadas?

É possível uma modelagem onde haja cobrança por serviços de praticagem, com seguro ou sem seguro(a chamada dual rate). Enfim, são muitas as possibilidades de uma política de gerenciamento deste risco.

Ademais, o prático não é um garantidor exclusivo da navegação segura do navio, nem é responsável por Acts of God, por problemas mecânicos ou de equipamentos e, muito menos, por falha humana de terceiros. Os práticos geralmente não possuem seguro de responsabilidade civil em quantia significativa, pois se o fizessem, teriam que pagar grandes valores de prêmios, e repassar tais custos para os tomadores de serviços, ou seja, os armadores.

Por isso, é relevante o debate, a fim de que a limitação seja tratada como política pública, e não desestimule a atração de novos profissionais para a praticagem.

Sobre o tema, em face da problemática que o envolve, especialmente os riscos e danos à carga, ao armador e a cobrança feita pelas seguradoras da carga que, geralmente, são contra a limitação, publiquei em 2016, em co-autoria com o Prof. Dr. Norman Augusto Martinez Gutiérrez, um dos maiores especialistas do mundo na matéria, orientado pelo professor Patrick Griggs (ex-presidente do Comitê Marítimo Internacional) e advogado em Londres, o livro Limitação da Responsabilidade Civil no transporte marítimo, 2016, com 274 páginas, pela Editora Renovar.

O tema tem suscitado controvérsias na doutrina maritimista em todo o mundo e, especialmente, no Brasil. De um lado, há os que sustentam que se trata de mais um artifício para os proprietários de navios aumentarem os seus lucros. No Brasil, o mercado segurador da carga tem sido um dos mais críticos desse antigo instituto do transporte marítimo que foi seguido pelos demais modais.

De outro lado, há os que defendem que se trata de um instituto que procura aumentar a segurança jurídica de todos os que transportam cargas através de navios, bem como, tendo em vista os altos valores transportados, incentiva o desenvolvimento desse modal.

Criado há vários séculos para desenvolver o transporte marítimo, o instituto da limitação da responsabilidade civil (limitation of liability for maritime claims) está difundido em várias convenções internacionais, todavia, o Brasil só ratificou duas convenções: a Convenção de 1924 (Bruxelas) e a Convenção CLC 69.

Em época de Reforma do Código Comercial (Projeto de Lei n. 1.572/2011, da Câmara dos Deputados), editado em 1850, o conceito de limitação da responsabilidade civil permite aos proprietários de navios e outras pessoas envolvidas na aventura marítima efetuarem o gerenciamento do risco marítimo por meio da limitação da sua exposição financeira em relação às reclamações marítimas (maritime claims) até uma soma máxima independente do valor da quantia demandada a eles.

Este conceito, ainda polêmico entre os maritimistas e advogados do setor de seguros, especialmente os brasileiros, é bastante usado na indústria do transporte marítimo, onde existe de duas formas básicas:

(i) uma limitação de responsabilidade que objetiva proporcionar uma cobertura total para a exposição financeira do proprietário do navio em relação a todas as reclamações de um caso específico (“limitação global da responsabilidade”); e

(ii) uma limitação da responsabilidade em relação a um tipo específico de reclamação (“regimes particulares de responsabilidade”). Esses regimes de responsabilidade específicos fazem parte de muitas convenções internacionais de responsabilidade, que variam desde as convenções que regulam o transporte de mercadoria pelo mar, o transporte de passageiros e suas bagagens pelo mar, bem como as que regulam a responsabilidade e compensação por danos decorrentes de poluição e a responsabilidade pela remoção de cascos soçobrados.

Considerando-se o importante papel que a limitação da responsabilidade civil tem no transporte marítimo, um importante e inédito projeto de pesquisa em países de tradição romano-germânica (civil law tradition)  foi efetuado entre 2011 e 2012, envolvendo a CAPES, o Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica da Univali e o  International Maritime Law Institute, da IMO, Malta. A pesquisa visa estudar o impacto que as convenções internacionais que regulam o tema causam ou podem causar no Direito Marítimo brasileiro, que culminou no livro acima.

Nesse cenário, escrevemos essa obra, em quatro capítulos, sobre os aspectos jurídicos da limitação da responsabilidade civil no transporte marítimo com ênfase na limitação global da responsabilidade civil, limitação da responsabilidade civil em relação ao transporte de mercadoria pelo mar e em relação ao transporte de passageiros e sua bagagem pelo mar.

Ademais, o estudo apresentado também contribuirá para a limitação da responsabilidade civil nos demais modais de transporte, como o aéreo, rodoviário e ferroviário e tem impacto no mercado segurador.

O tema é complexo, envolve vários ramos da ciência, inclusive análise econômica do direito (Law and Economics), portanto, não há resposta única. Desta forma, esperamos que a obra possa lançar novas luzes sobre esse polêmico instituto, inclusive sobre a problemática que envolve os riscos da atividade da praticagem, agora com mais uma inovação: a limitação na legislação italiana.






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