Profissão que remonta à Antiguidade, a praticagem teve os primeiros registros históricos no Brasil no fim do século 18. O grande marco da atividade, porém, foi a data de 12 de junho de 1808, quando Dom João VI publicou o primeiro decreto regulando o serviço. Foi o segundo decreto real após a vinda da Corte portuguesa para o país. O monarca tinha a preocupação com o risco de entrada e saída de navios após o decreto de abertura dos portos às nações amigas.
Desde o início, portanto, percebeu-se a essencialidade do serviço, não apenas para proteger o comércio marítimo e as regiões econômicas que dependem de um porto, mas também a vida e o meio ambiente.
Ao conduzir navios sem acidentes, evitamos mortes, a poluição hídrica e o desabastecimento da população. Em 2019, vimos a tragédia que um vazamento de óleo em alto-mar provocou nas praias do Nordeste. Operamos em terminais de combustíveis instalados em paraísos como Ilha Grande (RJ) e Ilhabela (SP) ou de frente para praias turísticas como a de Mucuripe (CE). Na Bahia, são diversas as comunidades etnoculturais que mantêm o seu modo de vida relacionado aos recursos do mar. A Amazônia é outro exemplo, onde ribeirinhos, pescadores e indígenas bebem e se alimentam das águas dos rios. Somos essenciais por lei federal porque esses valores da sociedade precisam ser preservados.
Após o decreto real, vieram novos regulamentos da Marinha e a praticagem funcionou ligada ao aparato do Estado até 1961, ano em que Juscelino Kubitschek transferiu toda a custosa infraestrutura necessária à prestação do serviço aos práticos. Foi outro divisor de águas, porque a atividade pôde se organizar e oferecer um serviço de primeira linha.
Até a Constituição de 1988, os práticos estiveram reunidos em associações e, com essa desobrigação pela Carta Magna, passaram a formar empresas. A Marinha, entretanto, nunca deixou de ser o ente regulador técnico e econômico, pelo interesse público envolvido.
Responsável por lei pela segurança da navegação, é ela quem disciplina o serviço e seleciona os práticos para trabalhar na iniciativa privada. E, graças à sua boa regulação, o Brasil hoje representa o padrão de atendimento que todos buscam, não temos nenhum complexo de vira-lata nessa área. Há muitos anos, a Marinha constituiu uma representação permanente em Londres, participando de todas as discussões na Organização Marítima Internacional (IMO), de forma que o Brasil é um dos países mais evoluídos em praticagem. Nosso Curso de Atualização para Práticos (ATPR) foi o primeiro do mundo e é referência internacional.
Em cada zona de praticagem, estamos acostumados a superar desafios em um cenário de navios cada vez maiores, portos com as mesmas dimensões e infraestrutura limitada. Para isso, vamos além da nossa missão, realizando uma série de investimentos próprios em prol da segurança da navegação e da eficiência portuária. Agregamos valor quando investimos em estudos, treinamento e tecnologias que contribuem para vencer as limitações portuárias que impactam o Custo Brasil.
Nossas lanchas de batimetria são um exemplo, identificando assoreamentos a fim de alertar Autoridades Portuárias e atualizar as cartas náuticas. Cartas desatualizadas significariam calados mais conservadores, ou seja, mais navios seriam necessários para escoar a mesma carga.
O sistema de calado dinâmico é outra ferramenta em que aportamos recursos e que indica com mais precisão o calado seguro dos navios, ampliando as janelas de operação. Já o balizamento virtual pode proporcionar um melhor aproveitamento da profundidade do canal , compensando a falta de dragagem em alguns casos.
Outro investimento é na renovação das lanchas que embarcam o prático no navio, permitindo o embarque em condições mais severas de mar e mantendo o porto operando. Também investimos muito na modernização dos nossos centros de operações, gerando informações cada vez mais acuradas para a eficiência e segurança das manobras.
O portable pilot unit é mais um recurso que auxilia a nossa tomada de decisão, principalmente nos grandes navios. Trata-se de um aparelho portátil de navegação eletrônica com antena independente, que fornece dados mais precisos do que os equipamentos de bordo. A praticagem apoiou o desenvolvimento de um PPU nacional na Universidade de São Paulo (USP).
Por exigência IMO, outro investimento considerável é o treinamento em navios em escala reduzida. São modelos tripulados que reproduzem o comportamento das grandes embarcações em lagos, com os mesmos efeitos hidrodinâmicos.
Também treinamos em simuladores eletrônicos. Quatro praticagens já dispõem de equipamentos próprios em suas sedes e, há pouco mais de um ano, implantamos um centro de última geração no Instituto Praticagem do Brasil, em Brasília. Trouxemos a ferramenta para perto das autoridades que decidem sobre projetos aquaviários e portuários no país, com o intuito de agilizar novas operações com segurança.
Todos esses investimentos possibilitam que os navios carreguem mais e demorem menos tempo para entrar nos portos e sair deles. No que está ao nosso alcance, não ficamos parados à espera de soluções.
No futuro, a despeito de todos os avanços tecnológicos na navegação, continuamos enxergando o valor do capital humano como imprescindível para manter a margem de segurança no setor, de 99,998%. Seguiremos defendendo o nosso modelo de praticagem, capacitando os nossos práticos no mais alto nível e sendo parceiros para driblar os gargalos que afetam o usuário do porto, o dono da carga. Em 215 anos, jamais fomos criticados em nossa capacidade técnica e de entrega do serviço. Somos referência e motivo de orgulho para a sociedade.
Prático Ricardo Falcão, presidente da Praticagem do Brasil e vice-presidente da Associação Internacional de Práticos Marítimos
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