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A luta contra os abusos da Receita Federal

 

Não são raras as reclamações dos empresários que atuam com o comércio exterior contra os abusos praticados pela Receita Federal do Brasil, especialmente quanto à indiscriminada e absurda interpretação que é feita das normas exaradas pela própria Receita ao criar obrigações acessórias. As obrigações acessórias diferem das principais na medida em que, naquelas, há um fazer ou não fazer por parte do contribuinte, que, em tese, garante o pagamento do tributo ou, de algum modo, facilita a fiscalização quanto ao seu cumprimento. A obrigação principal é o pagamento do tributo, seja imposto, taxa ou contribuição, para ficar naqueles mais comuns.


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Assim, ao pagar o imposto de importação, o importador nada mais faz além de cumprir a obrigação principal a que está adstrito por ter realizado o fato gerador do referido tributo, qual seja, o ingresso de produto importado no território nacional, ou seja, sua incorporação à economia do país.

A obrigação acessória, necessária ao pagamento do imposto de importação, seria a Declaração de Importação que é feita através do Siscomex. Assim que ocorre o registro, é feito o lançamento do imposto e seu débito on-line contra a conta corrente do importador, conforme disposto no art. 106, parágrafo único do regulamento aduaneiro.

Além disso, o pagamento do referido imposto é condição sem a qual não se procederá ao desembaraço aduaneiro, de modo que a referida obrigação acessória, se sonegada, traz em seu bojo uma consequência muito pior do que uma multa que deverá ser inscrita em dívida ativa e cobrada posteriormente pelos meios próprios pela procuradoria da fazenda.

Não é possível criticar a fazenda por impor este tipo de penalidade, especialmente porque, se não houvesse a perspectiva de punição, naturalmente, seria muito mais difícil convencer os contribuintes a cumprir o determinado pela Receita, eis que o cumprimento da obrigação acessória resulta normalmente em uma posição mais vantajosa para o fisco, pois aumenta a quantidade de informações disponíveis para a fiscalização e eventual autuação.

O fisco tem sido habilidoso na criação destas obrigações acessórias que favorecem a fiscalização. O sucesso decorre da criação de obrigações acessórias que normalmente atingem um setor que é insumo de produção de outro setor ou um agente que atua como intermediário na atividade desenvolvida por certos grupos de investidores e de empresários. O sucesso do fisco neste campo inibe a sonegação e, principalmente num Estado voraz como o nosso, garante a concorrência na medida em que pune os que procuram auferir vantagens indevidas.

A voracidade do Estado brasileiro, porém, faz com que o fisco atue também cometendo abusos. Infelizmente no desembaraço aduaneiro tais abusos são uma constante. Veja-se, por exemplo, a obrigação do transportador de prestar informações sobre as cargas transportadas antes da atracação da embarcação no porto, constante do inciso II do parágrafo único do art. 50 da IN RFB nº 800 de 2007, que é passível de punição com a multa constante do art. 107, inciso IV, letra “e” do Decreto-Lei 37/66 com a redação da Lei 10.833/2003.

Não se discute a inteligência na instituição de tal obrigação acessória, no que pese onerar o contribuinte para que o fisco possa atingir seu mister. Trata-se de uma obrigação acessória que incide sobre o transportador marítimo e não sobre o importador, contribuinte do Imposto de Importação, do Imposto sobre Produtos Industrializados e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias.

Não sendo o transportador o contribuinte, não tem ele uma vantagem, ao menos não uma vantagem passível de ser facilmente vislumbrada, quando vai sonegar a informação, descumprindo a obrigação acessória que lhe foi imposta. Tem o transportador, na verdade, um incentivo negativo para cumprir a obrigação acessória: a possibilidade de ter de arcar com uma multa caso não o faça.

Ocorre que o fisco tem autuado em diversos casos os transportadores, mais de uma vez por atracação, pela ausência de informações corretas e tempestivas acerca de todas as cargas. Um mesmo transportador vem sendo multado diversas vezes por informação prestada fora do prazo ou mesmo pela inconsistência de alguma das informações prestadas.

Há casos em que duas ou mais inconsistências ou erros de preenchimento do documento na qual tais informações são prestadas geram duas ou mais multas, quando deveriam gerar somente uma. Temos lidado com uma significativa quantidade de casos envolvendo tal abuso perpetrado pelo fisco. Normalmente ocorre de o transportador prestar a informação com um ou dois dias de atraso ou de informar alguns dados constantes de “BLs” filhotes de forma equivocada, ou seja, informa correta e tempestivamente os dados referentes à carga em relação aos “BLs” filhote.

Ocorre que, conforme o art. 107, inciso IV, letra “e” do Decreto-Lei 37/66 com a redação da Lei 10.833/2003, a multa não é aplicável a cada informação sonegada ou indevidamente prestada, sob a ótica do fisco. Quem deixa de informar os dados de embarque sobre todas as declarações de importações e aquele que deixou de informar os dados em relação a apenas uma cometeu a mesma infração e só podem ser punidos uma vez com a referida multa.

Não é, porém, o que tem ocorrido. O apego excessivo ao formalismo na verdade fere, neste caso, o princípio da legalidade e é completamente desarrazoada. Tal absurdo tem sido desconstituído na esfera administrativa, permitindo-se ao transportador que, em caso de erro em relação ao BL, por exemplo, que redunde na intempestividade da prestação de informações em relação aos BLs filhotes, haja uma e apenas uma multa lhe sendo aplicável ao invés de tantas multas quando forem os BLs filhotes de cargas desconsolidadas cuja prestação de informações ocorreu fora do período determinado por lei.

Naturalmente, vê-se o absurdo de um sistema que pune o agente intermediário, o transportador, ao lhe gerar um custo de ter de arcar com os ônus de uma autuação fiscal porque, por exemplo, só lhe foi possível enviar as informações acerca da carga um dia após a ocorrência da atracação, especialmente pelo fato de tal obrigação, cujo descumprimento se pune, se prestar como meio de auxiliar a fiscalização incidente sobre a carga transportada, facilitando a apuração de eventuais irregularidades.

As obrigações acessórias são um mal necessário. Ao cumpri-las, o empresário assegura sua competividade, pois torna mais difícil a sonegação No entanto, é preciso coibir o apetite do fisco, evitando que seus fiscais atuem de forma abusiva. Embora muitas vezes seja mais fácil pagar ao invés de contestar a aplicação da multa, contestar a cobrança, seja na esfera administrativa, seja na judicial, ajuda o próprio fisco a identificar os abusos, agindo contra aqueles que se apropriam do nome do estado para promover malfeitos.

Contestar a cobrança de tais multas, portanto, não só é benéfico para o empresário que terá de arcar com seu custo, mas para o próprio país ao combater o desvio de finalidade das normas e atos administrativos que pretendem combater a sonegação.

*Advogado no Rio de Janeiro (dragolaw.adv.br)

 






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