Durante os últimos anos, muito se discute no Brasil acerca da efetividade ou não das privatizações, havendo verdadeiro duelo de opiniões. No geral, o embate é radicalizado, movido por convicções apaixonadas, sendo a solução conduzida a um lado ou outro, sem a devida análise e ponderação.
Aos defensores do “Estado Mínimo”, a privatização de todos os setores se faz imperiosa, na medida em que a iniciativa privada, via de regra, trabalha buscando a melhor produtividade e a potencialização de ganhos, ao passo que, enquanto públicas, as empresas funcionam como verdadeiros rincões, onde, ao que tudo indica, políticos acomodam seus interesses, sem qualquer compromisso com resultados, repassando aos consumidores e à população o custo da ineficiência.
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Diametralmente oposto a este raciocínio, os defensores da estatização da economia sustentam que a participação do Estado nos mais diversos setores é fundamental, porquanto lhe assegura o controle de segmentos tidos como estratégicos, impedindo que os mesmos fiquem ao bel prazer do empresariado que, em suas visões, somente visam ao lucro.
Particularmente, acreditamos que o modelo do Estado mínimo é realmente mais eficiente, seja por permitir que o Estado participe em setores efetivamente fundamentais, como também para bridar a livre iniciativa e a eficiência, sendo certo que, enquanto estatal, as empresas mudam seus direcionamentos conforme a orientação política de seus gestores, não existindo um efetivo planejamento estratégico, assim entendido aquele de longo prazo. Não levamos em consideração a maior vulnerabilidade à corrupção.
Importante considerar que, ainda que defendamos a ideia de Estado mínimo, entendemos que a privatização dos portos públicos brasileiros se afigura totalmente equivocada, pois carrega um grande vício conceitual, uma vez que, apesar de administrado pelo Estado, os portos são operados por empresas privadas, o que garante excelentes resultados aos consumidores finais.
Importante considerar que, diversamente de empresas estatais, exploradas pelo Estado, e que têm grande investimento do setor público, em se tratando de portos públicos, quem os opera é efetivamente o setor privado, responsável direto pela busca e manutenção de cargas e clientes, possibilitando aos portos uma grande diversidade de mercadorias e produtos, o que não ocorreria com eventual privatização, porquanto as empresas que vencessem o certame focariam em apenas alguns tipos de carga, como já ocorre atualmente com os atuais operadores que, especializados, compartilham o espaço público, pagando por tal utilização.
Vale considerar que a privatização dos portos públicos afronta visceralmente a democracia, pois transformará a exploração do setor portuário em privilégio de pouquíssimas empresas, em detrimento de todo o segmento de operadores portuários já estabelecidos, mormente os de menor tamanho, impedindo ainda o ingresso de novos concorrentes, em patente afronta à livre iniciativa.
Por outro lado e a despeito de todas as considerações aqui elencadas, somos totalmente favoráveis à privatização da gestão dos portos públicos, na medida em que, ao ser transferida para a iniciativa privada, a administração deixará de atender a interesses políticos, como o abandono do atual modelo, no qual as companhias docas são geridas segundo interesses políticos e não econômicos.
Desta forma, com a privatização da gestão das companhias docas, os investimentos seriam realizados de maneira efetivamente responsável e seus efeitos seriam vistos e remunerados de acordo. Atualmente, milhões de reais são desperdiçados com projetos intermináveis, como as dragagens, troca de sede e etc... Por certo, tais investimentos terão um custo a ser suportado pelos usuários, nada diferente do que atualmente ocorre com o pagamento das chamadas tarifas portuárias, sendo totalmente falaciosa qualquer afirmação de que os portos públicos são deficitários.
Atualmente, eles geram muito dinheiro ao Estado, porém, o aparelhamento e inchaço das companhias docas faz com que o dinheiro arrecadado, por maior que seja, sempre pareça menos do que o necessário.
Ainda que vários ajustes possam e devam ser efeitos para a melhoria do atendimento e desenvolvimento do setor portuário no Brasil, o fato é que, na hipótese de privatização dos portos brasileiros, como um todo e de maneira indiscriminada, o Estado estará condenando à falência um forte e produtivo setor da economia, com o fechamento de centenas de operadores portuários existentes no Brasil, alguns com mais de 50 anos de história e bons serviços que, ainda hoje, são efetivamente captadores de negócios e geradores de grande riqueza para o país.
No mais, tem-se por totalmente equivocada a visão de que os portos devam ser privatizados, até porque os principais portos do mundo, diversamente do que se acredita no Brasil, são públicos, competindo aos governos o investimento em infraestrutura e aos particulares, usuários do porto, a superestruturta. Ou seja, o governo provém o espaço e condições para funcionamento dos berços, incluindo canal de acesso, obras de manutenção de calado e etc., ao passo que os operadores – privados - são responsáveis pela instalação de equipamentos, construção de galpões, silos e outros. É o chamado modelo landlord, em que o Estado é o dono da terra.
Dentre os países que adotam o modelo acima, podemos mencionar Holanda, Bélgica, Estados Unidos, Espanha e Alemanha, entre tantos, por serem locais que abrigam os maiores e mais eficientes portos do mundo. No sentido contrário, podemos mencionar Inglaterra e Nova Zelândia, onde os portos são 100% privados, não ocupando qualquer destaque no cenário mundial. Não à toa.
Conforme se depreende do exposto, enquanto públicos os portos, seu espaço é totalmente democrático, permitindo que todo o tipo de carga, salvo por restrições ambientais, entre outras, possa ser operada, assim como qualquer que seja o tamanho do operador, poderá direcionar eventual carga ao porto público.
Por certo, os portos brasileiros têm uma baixa produtividade, porém isto não se deve, com toda a certeza, ao fato de o porto ser público. Qualquer afirmação nesse sentido é falaciosa. Mentirosa.
O grande problema dos portos brasileiros é que o modelo landlord aqui existente não seguiu as evoluções observadas mundo afora, em especial pelo total abandono da gestão portuária pelo Estado, o que impede, inclusive, investimentos na superestrutura pelas empresas interessadas.
Este problema é facilmente identificado pela falta de uma política portuária pelo Estado brasileiro que, ao invés de criar um plano estratégico de gestão portuária, com metas de longo prazo, opta por políticas emergenciais, com discursos prontos e superficiais, modificando os rumos da chamada gestão conforme os interesses do grupo político que domina o Estado em determinado momento histórico.
A baixa eficiência dos portos brasileiros não decorre do fato de serem públicos, mas sim de o Estado, há muito tempo, ter abandonado as políticas de gestão portuária. Quanto dinheiro é jogado fora em obras de dragagem sem fim, cujas homologações de novas medidas jamais acontecem? Quanto é investido pelo Estado em obras de acesso às áreas portuárias? Quanto é destinado à infraestrutura de transporte de carga dos locais de produção aos portos? As longas filas de navios à espera de carga, nos mais diversos portos brasileiros não são criadas pela ineficiência dos portos, mas sim, na maioria das vezes, pela falta de mercadoria.
Há de ser considerado, como bem sustenta o Consultor e Engenheiro Portuário Nilo Martins da Cunha Filho, Presidente da Associação dos Operadores Portuários do Espírito Santo, que não se deveria falar nem mesmo em privatização da gestão portuária, uma vez que esta representaria a própria privatização dos portos públicos, sendo inédito este modelo no Brasil
Ainda, de acordo com o engenheiro Nilo Martins, “a gestão profissional se basearia em um contrato de gestão onde haveria apresentação de Plano de Negócio, com metas pré-fixadas. A nomeação da Diretoria Executiva seria através do Conselho de Administração, em face de indicação do Conselho de Autoridade Portuária que teria, inclusive, a competência de exonerar. Para tanto deveria se resgatar a competência deliberativa dos Conselhos de Autoridade. O Porto Público é importante fomentador de desenvolvimento socioeconômico, além de regulador de mercado. O que necessitamos é de uma política de Estado para a atividade portuária e não de políticas partidárias com intervenções políticas nas administrações portuárias”
Pela clareza do exposto e por assim funcionar na maioria dos portos bem sucedidos ao redor do mundo, o modelo acima se mostra o ideal, porém, pelo histórico intervencionista, algumas questões se fazem necessárias. Está o Estado brasileiro preparado para a implantação deste modelo de gestão? Até que ponto nosso Estado é maduro para implementar a gestão profissional na coisa pública, sem a constante influência política?
Por certo, não tenho certeza absoluta quanto às respostas, mas tenho grande receio de que, uma vez implementada, esta gestão estará sujeita a pressões políticas, o que novamente distanciará as decisões da seara profissional.
Ainda que inúmeros outros argumentos possam ser trazidos, acreditamos ter demonstrado tanto a importância dos portos públicos para o Brasil, bem como o quão falaciosa é a afirmativa de que a privatização dos portos é a melhor solução para o problema de ineficiência portuária no Brasil.
A solução para os problemas está em uma gestão profissional e responsável do porto público, com uma política estatal de longo prazo, desburocratização do comércio exterior, melhoria dos acessos aos portos, incentivo à criação de áreas de armazenagem nos entornos portuários. Ou seja, antes de o governo editar qualquer outra medida, mesmo que para a privatização apenas da gestão portuária, o tema deverá ser efetivamente debatido por profissionais e entidades da área, a fim de se formar, pela primeira vez na história de nosso país, uma efetiva política de gestão portuária de longo prazo. Enquanto não houver a definição, deveria o Governo manter o atual modelo, limitando-se, contudo, a moralizar o sistema, impedindo a interferência política e de políticos.
Por Roberto Garófalo - advogado e empresário da área de agenciamento marítimo e operação portuária