Artigo - Admirável mundo novo

Quem, assim como o autor desse texto, já estava envolvido com “shipping” nos anos 80 do século passado teve o privilégio de testemunhar uma grande revolução no transporte marítimo: o processo de conteinerização, que trouxe consigo uma consolidação dos armadores e o surgimento dos primeiros mega armadores globais, enquanto aqui no Brasil operações portuárias começavam a ser privatizadas.

O século XXI, em especial os últimos 10 anos, aponta, porém, para uma revolução que talvez seja ainda maior que a anterior. Sutilmente estamos passando por profundas modificações no ambiente do shipping, tanto em nível global quanto em nível local, que nos convidam a rever o modo de fazer negócios, exportar, importar e transportar bens e mercadorias.

Dentre essas mudanças, examinemos as seguintes:

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• Nova onda de consolidação: 11 armadores detinham 60% da capacidade global de transporte em contêineres em 2010, enquanto atualmente esse mesmo percentual da capacidade está sob controle de apenas quatro armadores: Maersk, MSC, CMA CGM e COSCO. Embora seja pouco provável que as autoridades permitam novas grandes fusões/aquisições por parte dos grandes armadores, tudo indica que esse processo ainda não terminou, mais focado em empresas regionais ou nichos (vide proposta de aquisição da Log-In pela MSC);

• Verticalização e integração: Alguns armadores estão buscando ampliar o escopo das suas atividades, visando: proteger-se de gigantes do e-commerce (ex: Alibaba, Amazon), reduzir sua exposição a terceiros (ex: Agentes de Cargas) e retomar o contato com o cliente direto e maximizar suas margens. Com isso deixarão de ser “caminhoneiros do mar” para oferecerem soluções logísticas integradas, com serviços porta-a-porta, que podem incluir transporte terrestre nas pontas, armazenagem, despacho aduaneiro, entre outros serviços. Muitos também controlam os próprios terminais de contêineres;

• Consolidação dos Agentes de Carga: Em resposta a esse movimento dos armadores, alguns dos grandes agentes de carga globais vêm se consolidando por associação ou aquisição (DSV/Panalpina/Agility, DHL/Hillebrand, K&N/Apex). A nível local também observamos essa tendência (Ex. DC Logistics/Amtrans/Rentalog);

• Digitalização: O avanço da digitalização das atividades relacionadas ao transporte marítimo e comércio exterior vem acontecendo em ritmo acelerado (e-quote, ebooking, e-BL, etc) e foi catalisado pela pandemia. Tivemos recentemente no Brasil dois importantes seminários para tratar desse assunto, um promovido pela Advocacia Kincaid, Mendes Viana (focado na implantação do e-BL, com representantes do BIMCO, da CMA CGM e Receita Federal) e o Brasil Export (onde foi anunciando pelo MINFRA a sanção presidencial ao DT-e, que reúne mais de 90 documentos analógicos em uma única ferramenta). Cada vez mais palavras como IoT (Internet of things), Blockchain, BigData, Machine Learning e Inteligência artificial estarão presentes na gestão das empresas;

• Privatização de autoridades portuárias no Brasil: O processo de privatização das primeiras autoridades portuárias no Brasil, começando com Vitória, Santos, São Sebastião e Itajaí, está a pleno vapor. A partir dessas experiências, outros portos deverão seguir o mesmo caminho, abrindo um novo horizonte de perspectivas. O impacto poderá ser ainda maior que o causado em 1993 com a entrada em vigor da Lei dos portos (8.630/93), que dentre outros abriu caminho para a privatização das operações portuárias, a criação do OGMO e a implantação dos CAPs. Há muitos pontos ainda em aberto até que possamos compreender corretamente sua dimensão, mas tudo indica que promoverá profundas transformações;

• TUPs: Os Terminais de Uso Privado sem vinculação à carga própria, produto da Lei 12.815/13, já respondem por 65% do total de cargas movimentadas no país. Muito embora a maioria desses terminais movimente graneis líquidos (Transpetro) e sólidos (minérios, grãos e fertilizantes), desde a promulgação da lei já foram autorizados 195 terminais, dos quais 5 dedicados à operação de contêineres, que conjuntamente movimentaram 2,526 milhões de TEUs (29,7% do total do Brasil);

• Pressão dos usuários sobre autoridades: A alta sem precedentes dos fretes, e dos resultados financeiros dos armadores nos últimos trimestres, colocou holofotes sobre eles. Até o momento as autoridades têm entendido que a alta dos fretes foi provocada por um “apagão” logístico internacional (demanda reprimida, congestionamentos nos portos, afastamento de estivadores contaminados, falta de caminhões/contêineres/espaço em navios, deterioração dos “schedules”), contudo, o descumprimento de contratos e as sobretaxas têm sido acompanhadas de perto. Essa pressão tende a ser mantida para além da atual crise;

• Pressão sobre os terminais: O aumento do tamanho dos navios e o fortalecimento dos consórcios têm colocado forte pressão nos terminais em termos de equipamento, extensão/profundidade de cais e adequação de gates/retroáreas. Muitos terminais nacionais (Libra Santos, Ecoporto, São Francisco do Sul) e internacionais (Hong Kong e Hamburgo) não estão conseguindo acompanhar essa transformação;

• ESG – Environment, Social and Governance: Essa sigla vem se fazendo cada dia mais presente no dia-a-dia das empresas. Após a pandemia, temas como redução de emissão de carbono, direitos humanos, transparência, entre outros, deverão se consolidar como pilares do desenvolvimento das empresas de todos os elos da cadeia logística; (vide matéria publicada em Portos e Navios, edição de 13/10).

• Navios autônomos: ainda muito na fase de testes experimentais, é muito provável que em alguns anos os navios autônomos passem a fazer parte do “ecossistema” de transporte, muito incentivados pela possibilidade de redução de custos e dificuldade em contratar pessoal marítimo;

• Near Shoring: A recente crise logística global, decorrente dos efeitos da pandemia, colocou em xeque a globalização e a dependência dos mercados aos suprimentos da China. Preocupados com essa dependência, já há muitos estudo e iniciativas no sentido de trazer a produção novamente para dentro de casa (reshoring) ou ao menos para fornecedores mais próximo (nearshoring). Isso poderá abrir possibilidades para o Brasil, desde que façamos o dever de casa, levando a cabo as reformas tão faladas e necessárias. Abrirá também novas possibilidades para armadores operarem serviços regionais e de nicho;

Em suma, nosso “Admirável Mundo Novo” (parafraseando o título do livro de Aldous Huxley) será um mundo em que poucos armadores dominarão a cena global e atuarão ao longo de toda a cadeia logística, competindo com gigantes do freight forwarding.

Os negócios serão conduzidos cada vez mais de forma digital e haverá intensa pressão para que os players sejam cada vez mais transparentes e adotem práticas de proteção ao meio ambiente.

Os armadores direcionarão seus grandes navios para os “hub ports” e se verá um grande crescimento dos navios feeder para distribuição aos portos menores (quem sabe algum dia em navios autônomos). O “near shoring” propiciará oportunidade para surgimento de novas linhas de nicho. Os terminais, em geral controlados por multinacionais ou armadores verticalizados, deverão manter-se em permanente adequação aos novos navios e volumes de carga, com uso cada vez mais intensivo de automação.

Robert GranthamRobert Grantham é sócio da Solve Shipping Intelligence



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