A medida em que a indústria catarinense somava mais e mais dificuldades para executar seus programas de exportação e importação, a Federação das Indústrias de Santa Catarina (FIESC), através de sua Câmara de Logística e Transporte, convocou uma reunião emergencial no último dia 19 de novembro, convidando representantes da indústria, portos, terminais, autoridades intervenientes, armadores e consultores numa inciativa para ouvir todas as partes e assim entender quais os entraves que estão impactando o desempenho do transporte marítimo na região sul do país (no Brasil e no mundo), buscando saídas para melhorar o fluxo de cargas, principalmente em containers.
Até setembro desse ano os terminais catarinenses movimentaram 1,86 milhão de TEU, que representa 18,54% do total movimentado no Brasil no mesmo período, segundo dados da ANTAQ, compilados pela Solve. Foram considerados Itapoá, Portonave e Imbituba. Ainda não havia dados registrados de Itajaí. Mesmo assim esses números corroboram a importância do sistema portuário catarinense e, portanto, a legítima preocupação com a fluidez da carga.
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O Estado oferece em seus quatro terminais de containers um total 6 berços de atracação (considerando as obras de modernização da Portonave que fazem com que esse terminal opere temporariamente com apenas um berço) e, portanto, diante do expressivo crescimento do volume movimentado e escalas de navios na região, constatasse aqui um importante gargalo, evidenciado no gráfico seguinte, pelo alto índice de ocupação dos berços de atracação:
Observamos que Itapoá está com essa ocupação em 87% enquanto a Portonave tem 83%, ambos bem acima do nível de conforto operacional recomendado pela OCDE de 65%.
Segundo dados da ANTAQ, a movimentação de contêineres esse ano no Brasil, comparado a 2023 aumentou de janeiro a setembro, na exportação 14,3% e na importação atingiu 19%.
Por conta dessa demanda, os armadores vêm ampliando sua oferta de navios e serviços, com novas linhas e navios maiores, chegando a 30% de aumento de capacidade, com relação a 2023.
Ainda assim esse aumento da oferta de capacidade nos navios acima da demanda por transporte não tem sido percebida pela indústria a medida que os problemas se avolumam. Como relatou na reunião da FIESC o Sr. Luiz Fernando Castro da Cruz, Diretor de Logística de BMW: “Em 2024, apenas 10% das cargas de importação chegaram como o programado. Temos um contêiner com 90 dias de atraso”. Já o Sr. Alexandre Bartsch, Gerente de Logística da WEG disse: “A WEG exporta 800 contêineres por mês por portos de SC. Das nossas cargas, 54% sofreram atrasos, 10% omissão do navio”.
Por sua vez, a sra. Camila Bramorski Ristow, Gerente Sênior de Logística para AL da Nidec (ex- Embraco) explica: “Já incorporamos no nosso processo 15 dias em média de atraso nas importações. 2024 tem sido um pesadelo. Precisamos investir em estoques de segurança para não alterar a produção. A infraestrutura atual não é condizente com a economia de SC. Precisamos aumentar a nossa sinergia e nos comunicar melhor”. Nessas palavras parece residir a chave para encaminhar a solução: infraestrutura, sinergia e diálogo.
Não se resolvem esses problemas apontando dedos e buscando culpados. Os dados que apresentamos mostram que há uma combinação de fatores internos e externos a impactar o bom desempenho da logística portuária.
Os terminais, tanto Portonave como Itapoá destacaram que uma grande dificuldade para um bom planejamento operacional está na imprevisibilidade das escalas, com alterações de rota, cancelamento de escalas e troca de portos em cima da hora, em boa parte por conta da desorganização da logística global, como problemas geopolíticos no mar Vermelho, greves nos EUA e congestionamentos em Cingapura, que resultam nesse expressivo número de atrasos e omissões:
Representando os armadores na reunião, a Evergreen reconheceu que muitos dos problemas com cobrança de “demurrage” e “detention” tem sido causados por essas dificuldades, fora de seu controle, em manter as programações dos navios.
Há também boas e más notícias de parte dos órgãos intervenientes.
A Sra. Juliana Simas de Macedo, da Receita Federal informou que hoje, no Brasil, 98% das cargas de importação em contêineres caem no canal verde de parametrização e que ainda há espaço para melhorias, com o aumento do números de empresas no programa OEA (Operador Econômico Autorizado).
A Sra. Elisa da Silva Braga Boccia, da ANVISA diz que o órgão está utilizando inteligência artificial para ajudar na fiscalização, para ter emissão mais célere de documentos, dentro do programa Porto sem Papel, porém, seu efetivo tem se reduzido devido a aposentadorias e esses postos de trabalho não estão sendo preenchidos, e pior, há perda de conhecimento e experiencia.
A participação da ANTAQ, na pessoa do Sr. Lucas Sampaio Ataliba foi relevante ao mostrar a proatividade da agência na fiscalização e acolhimento de denúncias, bem como na permanente atualização das normas.
As “dores” estão postas, as causas dos problemas identificados e as soluções de curto prazo somente podem ser obtidas com planejamento, parceria e transparência entre todos os stakeholders, já que as soluções definitivas passam essencialmente pela expansão da capacidade portuária no Brasil que, por sua vez, exigem investimentos expressivos em aumento de capacidade de berços, retroárea, dragagem e muita melhoria nos acessos rodoviários, que certamente não ocorrerão no curto prazo (menos de cinco anos).
Portanto é bem-vindo e necessário que entidades como a FIESC e outras sigam aglutinando os usuários, chamando o poder público e fomentando o diálogo sobre os reais focos desses problemas.
Robert Grantham é sócio da Solve Shipping Intelligence Specialists