A cabotagem viabiliza o transporte de produtos ao longo da costa do Brasil desde a chegada dos portugueses ao país, nos anos 1500. É por meio dela que, atualmente, são movimentados mais de um milhão de TEUs ao ano, atendendo grandes, pequenas e médias empresas, gerando receita em impostos e empregos para o país, além de alimentar os brasileiros, literalmente, com o transporte de milhões de toneladas de arroz e outros grãos.
Para 2024, existem certos fatores que enxergo como tendências e verdadeiras oportunidades no setor. A primeira delas é uma solução para os imprevistos e obstáculos, que só quem trabalha com navegação sabe quão constantes são. Refiro-me desde a intempéries climáticas até eventos que ocasionem rupturas na cadeia logística. Como lidar com essa imprevisibilidade, sendo que todo o nosso negócio é baseado em operar de forma sistêmica e calculada? A pontualidade é um dos principais pilares do nosso modal — acima de 90%, segundo à Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem (ABAC) — e é a resposta a essa pergunta que marca a primeira tendência que abordarei: a "cabotagem integrada".
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A cabotagem, aliada aos demais modais de transporte de carga e também à armazenagem estratégica, é uma grande ferramenta para aportar esta resiliência (capacidade de se recuperar ou se adaptar a mudanças) indispensável numa logística eficiente. Ela viabiliza o transporte planejado de grandes quantidades de insumos e produtos, de forma segura, com grande abrangência geográfica e de forma sustentável. Emite, pelo menos, quatro vezes menos CO2 do que o transporte rodoviário de cargas, considerando a mesma distância, de acordo também com a ABAC. Esse quase “casamento perfeito”, entre a cabotagem e os demais modais, em especial o rodoviário e o ferroviário, substitui o deslocamento da carga via rodovias por longos períodos e distâncias, reequilibrando a matriz logística brasileira.
E é justamente impossível não passar por este ponto importantíssimo — a necessidade de uma matriz de transportes mais equilibrada no Brasil. Atualmente, ela é largamente concentrada no modal rodoviário, com expressivos 61%. Mas a baixa eficiência desse modal, em médias e longas distâncias, tem reflexos negativos sobre os preços dos insumos e produtos, impactando toda a cadeia de produção nacional, como um efeito dominó, desde o produtor até o consumidor final. No Brasil, a cabotagem é responsável por 12% do transporte de cargas. Essa diferença gritante se traduz em custos mais altos para todos. A partir de uma matriz mais equalizada, diminuímos a dependência de um único modal, reduzimos custos logísticos, incentivamos a economia brasileira e tornamos a cadeia logística mais eficiente.
A segunda tendência para o nosso setor, que vejo como grande oportunidade para ampliar o espaço da cabotagem no mercado brasileiro, é a oferta do serviço para carga fracionada. Se engana quem acha que para transportar os seus produtos via cabotagem é preciso ter carga suficiente para preencher todo um contêiner. A carga fracionada é direcionada para demandas que envolvam cargas que não ocupam um contêiner inteiro, a partir de embarques que podem ser realizados em diferentes estados do país. Por exemplo, uma carga fracionada pode ser embarcada nos portos de Imbituba ou Itapoá, em Santa Catarina, com parada em Santos, em São Paulo, e destino a Manaus, no Amazonas. Essa democratização da cabotagem permite ao varejo acesso a uma fatia maior do mercado brasileiro, atendendo também quem precisa movimentar volumes menores, em diferentes setores, como papel e celulose, materiais de construção e de escritório, produtos em madeira e cerâmica, entre outros.
Como terceiro destaque para este ano ressalto a tecnologia aliada à inteligência humana. É claro que armadores de cabotagem oferecerem tecnologias que permitem aos clientes mais autonomia, seja para conferir rotas e trechos disponíveis, bookings, programações de navios, cotação ou contratação. Mas, para além disso, me refiro ao emprego da tecnologia em análises preditivas, com times focados em ações e soluções que facilitem a experiência do cliente, em todas as etapas. Para ir além do monitoramento de carga em tempo real, é preciso dedicação para alinhar expectativas e necessidades individuais de cada cliente, entregando uma jornada ainda mais eficiente em nosso modal. É o que nós fazemos na Aliança.
Exemplo disso foi a nossa atuação com relação às rotas de/para Manaus, no ano passado. Todo ano, entre meados de maio e início de junho, tem início o período de vazante nos rios da Bacia do Amazonas, processo de descida do nível das águas, que afeta a capacidade de navegação no Amazonas e seus afluentes. Em 2023, esse período foi intensificado devido ao fenômeno climático El Niño. Nossos times monitoram constantemente essa situação há anos, mas, devido à expectativa de agravamento da estiagem, no 3º trimestre de 2023, reforçamos as análises preditivas de dados relacionados à navegabilidade na região. A partir desse monitoramento, que conta com estações meteorológicas da Agência Nacional de Águas (ANA) e Sonar nos navios da frota, atrelado às análises estratégicas de planejamento e operação, foi possível alertar antecipadamente os nossos clientes sobre a situação, especialmente aqueles que produzem na Zona Franca de Manaus. Com isso, conseguimos minimizar os impactos e empresas puderam adiantar os embarques dos seus produtos com destino às outras regiões do país, permitindo que essas companhias mantivessem os seus compromissos e perspectivas de venda durante a Black Friday e o Natal, duas das principais datas do varejo.
Como quarta e crescente tendência, temos a sustentabilidade, fator inegável, que tem atraído cada vez mais empresas adeptas pelo mundo. Os clientes já buscam e demandam por soluções logísticas digitalizadas, integradas e, principalmente, descarbonizadas. O comprometimento com as pessoas e com o meio ambiente hoje precisa ser parte do negócio, em todos os setores. Nesse cenário, ter, por exemplo, uma estratégia bem definida de transição energética é mais do que uma tendência global, a sustentabilidade precisa estar presente nas decisões mais estratégicas. Lógico que não será possível mudar toda uma cadeia logística do dia para a noite, mas estar ciente dessa necessidade e estabelecer metas de curto, médio e longo prazos, ajudam a tornar a agenda ambiental uma realidade.
Mais do que apenas tendências, esses pontos levantados representam oportunidades, em especial para o desenvolvimento da cabotagem. Segundo estudo de 2018, do Instituto Ilos, para cada contêiner na cabotagem, existem outros 4,8 que seriam captáveis pelo modal aquaviário no país. Ou seja, ainda há muito espaço para que um dos modais mais seguros, econômicos e sustentáveis cresça e, com ele, transporte literalmente boa parte da economia e da prosperidade brasileiras.
Fontes de consulta: ABAC, ILOS (Brasil), Aliança Navegação e Logística.
Luiza Bublitz é presidente da Aliança Navegação e Logística. Formada em Administração de Empresas pela Universidade Paulista, com MBA em Gestão Empresarial, pela Fundação Getúlio Vargas