As contribuições ao Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) incidem sobre as operações de descarregamento da embarcação em porto brasileiro. A alíquota é aplicada sobre o valor do frete, e varia conforme o tipo de navegação (longo curso, cabotagem, fluvial e lacustre) e o tipo de carga (graneis sólidos, graneis líquidos e outras cargas).
Uma parte expressiva das contribuições ao AFRMM é destinado ao Fundo da Marinha Mercante (FMM), que tem como função a provisão de recursos para o desenvolvimento da indústria naval brasileira de construção e reparação, e, desde a Lei 14.301/2022 (BR do Mar), para a realização de obras de infraestrutura portuária e aquaviária.
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Além da inclusão de novas finalidades de financiamento com os recursos provenientes da arrecadação do AFRMM, a Lei 14.301/2022 também reduziu significativamente as alíquotas incidentes sobre a navegação de longo curso (de 25% para 8%) e de cabotagem (de 10% para 8%). Como consequência, o valor arrecadado reduziu de RS 14,48 bilhões em 2021 para R$ 8,59 bilhões em 2021, que foi um ano atípico em termos de arrecadação da contribuição (-40,75%).
Anterior à Lei da Cabotagem, a Emenda Constitucional 109/2021 estabeleceu que o superávit financeiro dos fundos públicos do Poder Executivo pode ser destinado à amortização da dívida pública, nos exercícios de 2021 e de 2022. De fato, o que se observou em 2021 e 2022 é que R$ 17,44 bilhões do FMM não foram aplicados no financiamento de projetos da indústria naval brasileira, mas sim no pagamento de dívida mobiliária do país.
A EC 127/2022 trouxe mais uma surpresa ao setor aquaviário: possibilita que os recursos do FMM possam ser utilizados para o pagamento dos pisos salariais profissionais nacionais para o enfermeiro, o técnico de enfermagem, o auxiliar de enfermagem e a parteira, nos exercícios de 2023 a 2027.
Em função da importância do FMM para o fomento da indústria e das atividades de navegação no Brasil, e dos desvios de finalidade que tem se observado nos últimos anos, a Confederação Nacional do Transporte sugere seis medidas para viabilizar que as contribuições ao AFRMM alcancem de fato o objetivo para o qual foi criado, que é apoiar o setor aquaviário.
a) Garantir que os recursos do FMM sejam efetivamente aplicados nas finalidades que promovam ganhos de competitividade do setor transportador. Essas finalidades incluem:
i. Construção e serviços de reparação e manutenção de embarcações.
ii. Construção, expansão, ampliação ou modernização de estaleiro e suas unidades industrias.
iii. Construção, expansão, ampliação ou modernização de empreendimento portuário, incluindo dragagem, derrocamento, balizamento, sinalização e realização de batimetrias, aquisição de equipamentos para aumento da capacidade ou para modernização da operação portuária.
iv. Construção, expansão, ampliação ou modernização de infraestrutura aquaviária.
b) Ampliar a participação de representantes do setor transportador na composição do Conselho Diretor do Fundo da Marinha Mercante (CDFMM). Na atual composição, as entidades que representam o setor transportador são o Sindicato das Empresas de Navegação Fluvial no Estado do Amazonas (Sindarma) e o Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma).
É importante que as empresas de navegação de cabotagem, de navegação de apoio marítimo e dos terminais portuários privados também tenham representação no Conselho que define as prioridades de investimentos com recursos do Fundo.
c) Rever a participação de empresas (públicas e privadas) e instituições financeiras como membros do CDFMM (atualizar o Decreto 5.269/2004). Há conflitos de interesses públicos e privados decorrentes de a instituição que formaliza as operações de crédito com recursos do FMM participar de todo o processo de definição das prioridades pelo CDFMM, assim como ocorre com as empresas potenciais tomadoras dos financiamentos. O papel de representação de interesses deve ser feito pelas entidades representativas dos setores envolvidos, e não por entes privados.
d) Garantir que os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), criado para o financiamento de programas e projetos de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico dos setores de transporte aquaviário e de construção naval, sejam efetivamente aplicados em pesquisas que promovam a ampliação da competitividade do setor.
e) Repassar recursos do Fundo do Desenvolvimento do Ensino Profissional Marítimo (FDEPM) para o SEST SENAT e viabilizar que o Sistema possa oferecer cursos de formação profissional para o segmento em suas unidades, atividade que atualmente é exclusividade da Marinha do Brasil.
f) Manter a vigência da não incidência do AFRMM para navegações de cabotagem, interior fluvial e lacustre, cuja origem ou destino final sejam portos das regiões Norte e Nordeste. A Lei 14.301/2022 renovou até 08/01/2027 essa não incidência. A medida é importante para garantir a competitividade dos diversos setores industriais da região, especialmente para insumos e mercadorias de baixo valor agregado. Destaca-se que o benefício é para os usuários da navegação e não para as empresas brasileiras de navegação (EBNs).
Vander Costa é presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT)